26 Agosto 2023
Dom Hubertus Matheus Maria van Megen acompanhou o cardeal secretário de Estado do Vaticano em sua recente visita ao país africano. "Com as visitas da Igreja de Roma, chama-se a atenção para a nação mais jovem do mundo, que tanto precisa de nossa ajuda".
Ele esteve ao lado do Papa Francisco durante sua visita a Juba em fevereiro passado e também ao lado do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin em suas três viagens ao Sudão do Sul, a última das quais concluída há dois dias. O núncio apostólico no Sudão do Sul, D. Hubertus Matheus Maria van Megen, é um testemunho notável de como a presença intensa da Igreja de Roma no país africano, o mais jovem do mundo e devastado por guerras, conflitos tribais e étnicos, pobreza e mudanças climáticas, trouxe de volta a esperança a um povo exausto, mas em busca contínua de paz e justiça.
A entrevista é de Francesca Sabatinelli, publicada por Vatican News, 19-08-2023.
Dom Hubertus van Megen, pode nos relatar a visita recém-concluída do Cardeal Parolin ao Sudão do Sul, a terceira neste país?
Houve dois aspectos nesta última visita do Cardeal Parolin, eu diria um aspecto político, eu diria, na qualidade de Secretário de Estado do Vaticano, quando ele se reuniu com o presidente da República, Salva Kiir, e o vice-presidente Riek Machar, onde naturalmente a conversa girou em torno do desejo de paz e justiça para este país. Não devemos esquecer que o presidente é da etnia Dinka, enquanto o vice-presidente é Nuer, são as duas principais tribos, mas também as duas tribos que estão em conflito entre si. Portanto, essa mensagem do cardeal foi muito importante.
Você acabou de falar sobre o aspecto político, o vivenciado pelo secretário de Estado em Juba. E quanto às cidades de Malakal e Rumbek, sobre o que se pode falar?
Havia um aspecto, eu diria, de fé, de solidariedade com as pessoas locais, quase como se quisessem sentir a dor do povo com as próprias mãos. Malakal é uma cidade do norte, perto da fronteira com o Sudão, ao longo do Nilo, um rio imenso, cuja dimensão os europeus nem mesmo compreendem, é enorme. A cidade de Malakal está completamente destruída, houve uma guerra civil por quatro anos, houve massacres enormes, uma cidade de 150-200 mil pessoas onde agora quase nada restou, algumas casas aqui e ali, daquelas construídas pelos ingleses e que resistiram à violência. Agora, aos poucos, a vida começa a retornar a Malakal. Talvez neste momento estejamos chegando a 20 mil pessoas na cidade. Além disso, ao lado de Malakal, há uma grande massa de deslocados que se refugiou em um campo das Nações Unidas em busca de proteção contra as tribos que tentavam invadir a cidade, desde 2014. O cardeal quis ir a Malakal também a convite do bispo, Monsenhor Stephen Nyodho Ador Maiwok, muito competente e corajoso, que foi nomeado bispo daquela cidade em 2019.
O cardeal foi lá para ver a realidade, para compreender o sofrimento das pessoas, para estar com elas, para mostrar a solidariedade da Igreja. Especialmente em Malakal, a Igreja teve um papel extremamente importante em ajudar esses deslocados. Não devemos esquecer que a cidade foi atingida por três desastres consecutivos. Começou com o conflito tribal e, em seguida, houve as inundações do Nilo, que continuaram até alguns meses atrás, por quase três anos. E recentemente, há refugiados que estão retornando do Sudão, de Khartoum. Também desta vez, foi um desafio especial para a Igreja, que respondeu de maneira muito eficaz. Temos a Irmã Elena Balatti, uma Comboniana muito corajosa, que conheço desde os anos 90, quando ela trabalhava em Khartoum e depois foi para Malakal, onde permaneceu durante toda a guerra, juntamente com outros dois sacerdotes. E, como eles estavam lá, muitos dos cidadãos buscaram refúgio no composto da igreja em busca de proteção contra a invasão e os massacres de outras tribos. Ela sempre foi um sinal de esperança para toda essa gente.
Agora, estamos em 2023, e a Irmã Elena viu que os refugiados de Khartoum estão chegando a Renk, a 150-200 quilômetros de Malakal, ao norte, na fronteira com o Sudão. Ao entrar em Renk, você está no Sudão do Sul, mas não há absolutamente nada, é uma pequena vila sem infraestrutura. As pessoas não podem ficar lá, não podem permanecer em Renk, é impossível. No entanto, o problema é que não há uma estrada para Malakal, apenas o Nilo. A Diocese tem um grande barco para o transporte de bens e suprimentos. A Irmã Elena e o bispo decidiram enviar esse barco para Renk para resgatar as pessoas. Assim, eles começaram a transportar as pessoas de Renk para Malakal, de 300 a 500 de cada vez. Agora, com a ajuda das Nações Unidas e de algumas ONGs, eles estão começando a auxiliar nesse transporte bastante complicado de pessoas.
O cardeal quis estar lá; foi uma experiência muito importante, comovente e de grande fé, estar com essa gente. Também para mim, pessoalmente. Morei em Khartoum por muitos anos, quase dez anos da minha vida, e agora é terrível ver essa gente chegando sem absolutamente nada, tudo foi roubado deles, até as coisas mais simples. Muitas vezes, eles chegam apenas com as roupas que estão vestindo. Lembro-me de uma mãe no barco com seu bebê, talvez com quatro meses de idade. O bebê estava bastante ativo, enquanto a mãe estava completamente atordoada, não sabia mais o que fazer. Era visível em seus olhos que ela não sabia para onde ir, tinha perdido tudo, não tinha marido, não tinha ninguém. Ela veio sozinha, com um saco plástico contendo suas poucas posses. Nesse momento, percebi que Cristo estava presente; estava presente nela, estava presente naquele bebê, estava presente em todas as pessoas no barco. Nós precisamos servir esse Cristo nessa gente pobre que perdeu tanto. O cardeal quis estar lá porque ele também quer ser um servo de Cristo, quer ser um servo da Igreja e quer, dessa maneira, expressar a solidariedade do Papa com os mais pobres. Nosso Papa Francisco frequentemente fala sobre a periferia; bem, em Malakal, lá está a periferia, lá estão as pessoas que vêm do fim do mundo. Em Khartoum, nos dias de hoje, há desastre, há destruição e massacres, há dor, e toda essa gente chega sem nada. E todos, não apenas católicos e cristãos, mas também muçulmanos, encontram na Igreja um sinal de esperança, um abraço, alguém que tenta ajudá-los, ouvi-los, alguém que lhes dá comida, alguém que ajuda a ter um teto sobre suas cabeças. O cardeal quis estar lá com essa gente, e acredito que também tenha sido importante para ele compreender o sofrimento das pessoas, algo que frequentemente nós ocidentais não conseguimos compreender. Nós falamos de amor e solidariedade, mas isso só pode ser entendido quando se toca diretamente no sofrimento extremo das pessoas, quando se vê o quanto nosso amor é necessário, o quanto nossa solidariedade é necessária. Nesse sentido, essa visita para todos nós também foi uma espécie de conversão do coração para nos aproximarmos mais dessa gente que precisa da nossa ajuda.
Dom Hubertus Matheus Maria van Megen. (Foto: Reprodução | Vatican News)
E a paz e a reconciliação foram os temas centrais da etapa de Rumbek...
Nós falamos novamente, especialmente o cardeal, sobre o tema da reconciliação e também sobre o fato de que somos uma nova família, eu diria, de Cristo, que vai além das tensões e das diferenças tribais. Foi uma visita muito curta, devido à falta de tempo, mas importante para que as pessoas no local entendessem que a Igreja é mais do que apenas uma igreja local. O cardeal que vem de Roma faz essas pessoas experimentarem o fato de serem muito mais do que uma igreja local, os incentiva a se situarem em um contexto muito mais amplo, muito maior, os motiva a olhar além de seus horizontes, a fazer parte dessa Igreja universal e a aceitar essa nova identidade como família de Deus, como família de Cristo, que vai além das diferenças tribais. Nesse sentido, a visita a Rumbek foi uma visita muito importante, que certamente terá um efeito na situação da Igreja no local.
Com a visita de Parolin, o Sudão do Sul redescobrou aquela alegria e esperança vivenciada com a visita do Papa em fevereiro passado?
Aquele foi um momento de grande alegria, no qual se sentia que todo o país havia se reunido em torno do Papa. As pessoas encontraram nele uma unidade que talvez ainda não exista no país como um todo. O Sudão do Sul é a nação mais jovem do mundo, mas de muitas maneiras ainda não é uma nação, com uma identidade nacional onde todos se sintam cidadãos deste país. Muitos ainda se identificam mais com suas tribos do que como cidadãos verdadeiros. No entanto, no Papa e na Igreja Católica, eles encontram uma nova identidade que vai além da tribal, e parece-me muito importante que as pessoas entendam que há muito mais do que apenas a tribo, e que na fé católica, no cristianismo, no serviço ao único Deus, podem encontrar uma nova identidade que vai além da tribo. O Papa quis contribuir para o processo de paz, que em muitos aspectos ainda está estagnado, que não avança porque não há todo o comprometimento necessário, aquele comprometimento do qual o cardeal Pietro Parolin também falou durante sua última visita a Malakal e Rumbek.
Acredita que com a presença da Igreja de Roma, do Papa e do cardeal Parolin, o Sudão do Sul recebe uma visibilidade que de outra forma lhe é negada?
Exatamente. Por exemplo, durante nossa visita a Malakal, foram tiradas fotos e agora mesmo estou recebendo reações de todo o mundo sobre essa visita. Devido a outros conflitos em várias partes do mundo, muitas vezes há uma tendência a esquecer o Sudão do Sul, um dos países que mais sofrem com conflitos e desastres naturais. Nesse sentido, a visita do Papa e a do cardeal Parolin foram muito importantes para chamar a atenção novamente para este país, a nação mais jovem do mundo, que tanto necessita de nossa ajuda e solidariedade.
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Sudão do Sul. "Somos uma periferia, a Igreja aqui representa solidariedade”, afirma o núncio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU