03 Agosto 2023
O poder do papa se reduziu, acredita o vaticanista italiano Marco Politi, e em sua opinião é uma oportunidade.
A entrevista é de Raoul Löbbert, publicada por Die Zeit, 30-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sr. Politi, o Papa Francisco nomeou um novo chefe do dicastério para a doutrina da fé e um novo secretário particular. Ambos são conhecidos como liberais e são argentinos. O papa está preparando uma ofensiva de reformas, agora que seu predecessor Bento XVI morreu?
As duas nomeações devem ser consideradas independentes uma da outra. Que Francisco mude seu secretário não é incomum para ele. Faz isso a cada cinco anos. Dessa forma, quer evitar que o secretário particular tenha demasiado poder e se torne uma espécie de eminência parda nos bastidores.
E Victor Manuel Fernandez, o novo chefe do dicastério para a doutrina da fé?
Certamente é algo muito pessoal, especialmente quando se considera a carta de acompanhamento à nomeação. Nela fala de "métodos imorais" que foram usados no passado para punir possíveis desvios da doutrina, uma flechada para a maneira de agir da congregação para a doutrina da fé sob Bento e João Paulo II. No entanto, é preciso ver a nomeação em um contexto mais amplo.
Francisco está reorganizando a cúria de acordo com seu modo de ver. Ele nomeou pessoas de confiança em lugares decisivos. Além de Fernandez tem Robert Prevost como presidente da congregação para os bispos, e Mario Grech como o principal organizador do Sínodo Mundial. Ao mesmo tempo afastou da cúria seus críticos mais importantes, em primeiro lugar o alemão Gerhard Ludwig Müller e Robert Sarah.
Portanto, Francisco agora pode e quer reinar?
É complicado. Claro que é importante para um papa ter uma cúria que o apoie, mas, ao mesmo tempo, a cúria não é mais tão poderosa quanto antes. Já se foram os dias em que a cúria podia emitir ordens de serviço como uma espécie de comando supremo do exército católico.
Realmente? Por quê?
Isso tem a ver com o pontificado de Bento XVI. Foi um pontificado de crise e de escândalos. Quanto mais Bento tentava falar no estilo de poder de seus predecessores, mais parecia que o poder lhe escapava. E isso teve consequências. Hoje vemos uma guerra interna na Igreja Católica. A antiga distribuição de poder é questionada, especialmente pelos críticos de Francisco que não pertencem à cúria. Eles colocaram o papa sob pressão nas páginas da internet e nas redes sociais.
Isso deveria impressionar o papa?
Sim. Já no passado, um papa só era onipotente se fosse conservador. Os papas liberais sempre tiveram que ter cuidado e dar um jeito para que a maioria da Igreja universal apoiasse a sua agenda.
O que você está dizendo sugere que a Igreja se democratizou sem que o mundo o tenha percebido.
Pelo menos consegue deixar de ser totalmente autocrática. Esse processo muitas vezes não é notado porque muitos observadores estão presos a velhos papéis. Quão importante é a Igreja mundial pode ser visto nos dois sínodos sobre a família de 2014 e 2015. A posição a favor da admissão à comunhão dos divorciados recasados não teve a necessária maioria dos dois terços entre os participantes nos sínodos. O papa não ousou decretar a comunhão contra aquela maioria. De forma que Francisco apenas aliviou bastante a proibição geral à comunhão numa nota de rodapé do documento pós-sinodal. Ou podemos tomar a bênção aos casais homossexuais. Embora o Vaticano tenha dito que não é aceito, alguns os bispos, aliás, a maioria daqueles alemães, não querem aceitar a proibição. Isso teria sido impensável no tempo de João Paulo II. Assim, as relações de poder mudam cada vez mais na Igreja universal e nas Igrejas locais.
Isso agradará aos bispos alemães. Querem reformar a Igreja com seu caminho sinodal. Pelo menos um pouco.
Ótimo exemplo. Em novembro passado, os chefes da Conferência Episcopal Alemã foram convocados a Roma. Lá, o Cardeal Secretário de Estado Parolin, Luis Ladaria, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e Marc Ouellet, da Congregação para os Bispos, disseram aos alemães que o caminho sinodal alemão precisava de uma pausa, uma moratória. E o que os alemães fazem? Dizem que não! Então Ladaria e os outros romanos propõem inserir as ideias de reforma dos alemães no sínodo mundial que se reunirá neste final de ano e no próximo. E os alemães dizem novamente que não! Simplesmente continuam. Francisco não participou daquela reunião, talvez porque tenha imaginado o que aconteceria.
Os alemães podem contar com maior benevolência pelo fato de Bento XVI morreu e Francisco ocupa o Vaticano com reformadores?
Eu diria que não. Francisco faz depender a sua benevolência não do modo de pensar dos alemães, mas da Igreja universal. E ali os esforços de reforma são vistos criticamente justamente pelos reformadores. Quando o presidente da conferência episcopal dos EUA, Timothy Broglio, e o arcebispo liberal de Chicago, Blase Joseph Cupich, se expressam de forma crítica ou hesitante sobre as ideias de reforma alemã, isso mostra a Francisco que grande parte da Igreja universal é bastante contrária.
Por que são contra?
A grande maioria por medo. Mesmo muitos reformadores não querem colocar em jogo a unidade da Igreja universal. Nisso, a Igreja Anglicana é um exemplo negativo: no Norte é liberal, e lá mulheres e homossexuais podem se tornar padres e bispos. No Sul, principalmente na África, a situação é absolutamente impensável. Assim, uma parte dos anglicanos não consegue mais falar com os outros anglicanos. E entre os protestantes, que têm tudo o que os alemães querem – presbiterado para as mulheres, etc. – as igrejas continuam igualmente vazias.
E agora?
Vai chegar a hora da verdade quando o sínodo mundial se reunirá e terão de ser tomadas posições sobre os temas de reforma. Até agora, as posições são vagas. Domina o temor. Mas os bispos poderiam aproveitar o momento. Como no Concílio Vaticano II. Na época, a cúria tinha predisposto uma ordem de trabalho e os bispos a deixaram de lado e decidiram eles mesmos como e o que teriam discutido. E o Papa João XXIII concordou.
Quem levará a melhor?
Não ouso fazer um prognóstico sobre isso. Só posso dizer uma coisa: pouco antes de sua morte, falei com Hans Küng…
O famoso teólogo e crítico da Igreja…
Falei com ele sobre a situação. Ele acreditava que se um Concílio fosse realizado naquele momento, ganhariam os tradicionalistas. Porque os indecisos e os temerosos não ousariam ficar do lado dos reformadores. Küng era um homem sábio. Vamos aguardar o que irá acontecer.
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“Chega a hora da verdade”. Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU