03 Agosto 2023
“Caso houvesse necessidade, em Lisboa, Francisco renovou a sua ligação ao projeto/sonho da União Europeia, chamando-a em causa como protagonista necessária nos cenários da contemporaneidade global”, escreve Marcelo Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 02-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim que chegou a Lisboa, e antes de mergulhar nos encontros com os jovens para a Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco proferiu um primeiro discurso perante as autoridades portuguesas, o corpo diplomático e a sociedade civil do país.
Um discurso forte, entretecido entre os horizontes abertos que se escancaram ao olhar o Oceano e expressões poéticas (de Vaz de Camões a Pessoa, de A. Rodrigues à poetisa S. de Mello). Um ponto importante, porque nesse bastidor estético se insere a referência a duas passagens fundamentais do artigo 1.4 do Tratado de Lisboa.
Passagens que não são palavras, mas “marcos do caminho da comunidade europeia”; passagens que vinculam a União Europeia à paz, à solidariedade, à salvaguarda do meio ambiente, ao respeito entre os povos, à erradicação da pobreza e à tutela dos direitos humanos. E isso justamente no difícil campo das relações internacionais - indicando "aquele espírito de conjunto, animado pelo sonho europeu de um multilateralismo mais amplo do que apenas o contexto ocidental”.
Caso houvesse necessidade, em Lisboa, Francisco renovou a sua ligação ao projeto/sonho da União Europeia, chamando-a em causa como protagonista necessária nos cenários da contemporaneidade global.
“Porque o mundo precisa da Europa, da verdadeira Europa: precisa do seu papel de ponte e pacificadora na sua parte oriental, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente. Desta forma, a Europa poderá contribuir, no cenário internacional, com a sua específica originalidade”.
Com algumas frases de efeito, o Papa Francisco pede ao projeto europeu para mostrar-se digno não apenas de suas raízes, mas também de seu destino que vai além de si mesmo. Imaginando uma centralidade geopolítica, que se torne uma operadora política de esperança, com visões de longo prazo, inclusiva e respeitosa das diferenças justamente no momento em que edifica um destino comum entre os povos.
“Sonho com uma Europa, ao cuidado do Ocidente, que ponha o seu engenho a serviço para extinguir focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba renovar a sua alma jovem, sonhando com a grandeza do conjunto e indo além das necessidades do imediato; uma Europa que inclua povos e pessoas com a sua cultura, sem perseguir teorias e colonizações ideológicas. E isso nos ajudará a pensar nos sonhos dos pais fundadores da União Europeia: eles sonhavam grande”.
As instituições europeias são convocadas por esse sonho, para essa aliança desejada pelo Papa Francisco. É chegada a hora de deixar de lado as hesitações de tempos que não existem mais, lógicas míopes e burocráticas, e fazer com que o projeto europeu volte a respirar em toda a sua amplitude, ouse sonhar a esperança de um mundo justo e igualitário para cada ser humano, pela natureza que nos acolhe, pelo futuro que será habitado por gerações que ainda não conhecemos.
Lisboa, cidade de terra e de mar, onde as fronteiras são pontes, onde as línguas e as culturas se encontram e se misturam, dando forma a uma convivência enriquecida e de outro modo impossível, torna-se o sinal concreto e tangível desse sonho para a Europa. “Lisboa, cidade do Oceano, recorda a importância do conjunto, de pensar as fronteiras como zonas de contato, não como fronteiras que separam”.
Nestes dias, Lisboa torna-se também sinal concreto do futuro como esperança: habitada por jovens de todo o mundo “que cultivam os desejos de unidade, paz e fraternidade. Jovens que sonham e nos desafiam a realizar seus sonhos de bem”.
A partir de agora, o Papa Francisco mergulhará nesse desejo de futuro e de esperança, de sonhos que invocam serem realizados para dar tempo e paz ao nosso mundo. Uma realização que Francisco confia àquela que chama de “boa política”.
Uma política que deve “redescobrir-se como geradora de vida e de cuidado, investindo com clarividência no futuro, onde o passado não seja apagado de repente, mas onde se favoreçam os laços entre jovens e idosos”.
A boa política favorece e apoia as práticas de vizinhança e de solidariedade, aquelas que dão forma à fraternidade - que convida qualquer pessoa a “cultivar o sentido da comunidade, a partir da busca de quem mora ao nosso lado”. A proximidade solidária, nas suas práticas, torna-se aquela força que, passo após passo, tece vínculos fraternos sem barreiras e sem interrupções.
A esse sonho o Papa Francisco convocou hoje o continente europeu e a sua forma política e instituição – aquela da União Europeia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco: a Europa que sonho. Artigo de Marcelo Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU