01 Agosto 2023
O artigo é de Stefan Silber, teólogo alemão e professor na Universidade de Vechta, publicado por Religión Digital, 30-07-2023.
Para falar da situação religiosa na Alemanha, desta vez conosco, o Dr. Stefan Silber, professor de teologia dogmática e fundamental da Universidade de Vechta, que foi missionário leigo na Bolívia durante anos, muito envolvido na pastoral e no ensino teológico em Cochabamba. Com ele a palavra:
Sob esta questão podem ser resumidas múltiplas crises na Alemanha: é uma questão que se coloca no nível individual ou pessoal, comunitário e nacional: para que serve a Igreja, numa sociedade cada vez mais secularizada, seja ela católica, seja ela protestante? De que adianta, na minha vida pessoal, até na minha espiritualidade, ainda ser membro de uma igreja?
No ano passado, 522.821 pessoas na Alemanha responderam, mais ou menos, "de jeito nenhum", e encerraram oficialmente sua filiação à Igreja Católica. Cerca de 380.000 membros das grandes igrejas evangélicas – luteranas e reformadas – deram o mesmo passo. Foi o maior número de vítimas da história. Católicos e protestantes não representam mais a maioria da população alemã, e o que as estatísticas mostram é um fato ainda mais notável no nível da sociedade civil: as igrejas não são mais um fator importante na sociedade e na política alemãs.
A Igreja Católica na Alemanha – vou me limitar agora à minha própria comunidade – contribuiu muito para desenvolver uma imagem negativa de si mesma nos últimos anos: com relutância, os bispos admitiram, desde 2010 mais ou menos, pouco a pouco, que não apenas milhares de meninos e meninas, jovens e adultos sofreram violência sexual (e outras) por padres católicos, mas também os bispos e as administrações diocesanas fizeram todo o possível para que esses fatos não viessem à tona por muito tempo, pelo menos poderiam ser punidos.
Até hoje, o arcebispo de Colônia, cardeal Woelki, gasta muito dinheiro com advogados e comunicadores para negar e processar as acusações de acobertamento contra ele. A Igreja é identificada, na imprensa, como uma organização criminosa, ou pelo menos que acoberta crimes.
Outra questão que contribui para a rejeição pública experimentada pela Igreja alemã é a má administração de suas grandes fortunas. Sua riqueza econômica tem causas históricas, mas muitos a relacionam ao sistema de “imposto da Igreja” (Kirchensteuer). Na Alemanha, esse imposto é deduzido diretamente da renda de cada trabalhador e empregado membro de uma Igreja; esta é a razão pela qual é possível deixar esta filiação em uma repartição do Estado.
O curioso é que enquanto nas últimas décadas a adesão à Igreja caiu consideravelmente (meio milhão de católicos, como já dissemos, em 2022), a receita desse imposto continua crescendo a cada ano. Este dinheiro é administrado (e não raro esbanjado) pelas dioceses, e quase não chega às comunidades e paróquias, que sofrem, há várias décadas, a necessidade de reduzir despesas. "Por que continuar pagando o imposto para a Igreja?", é a pergunta de muitos ao ver os descontos mensais no salário.
Tudo isso não representaria realmente um grande problema, se a Igreja pudesse oferecer uma resposta à pergunta sobre para que serve. No entanto, em nível local, a escassez de sacerdotes leva a uma redução das atividades pastorais. Embora a Igreja alemã tenha um grande número de diáconos permanentes, teólogos leigos e contratados para o serviço pastoral e outro pessoal qualificado, as administrações diocesanas reduziram o serviço pastoral nas comunidades e paróquias. Tudo tem que ser centralizado nas poucas paróquias que ainda têm um padre, e o compromisso dos fiéis que ainda querem se comprometer a viver sua fé em uma comunidade eclesial não é encorajado. O clericalismo e a supremacia arrogante de grande parte do clero aumentaram, com o apoio de uma parte (cada vez menor) dos leigos.
Nestas circunstâncias, o chamado “caminho sinodal” da Igreja na Alemanha não pôde pretender resolver todos os problemas que surgiram. Pelo menos deu um passo para mostrar algumas soluções para a igualdade de gênero, o abuso de poder na Igreja e a necessária transformação da moral sexual (e da teologia!). Desnudou, ao mesmo tempo, e de forma mais ou menos involuntária, uma profunda divisão na Igreja. Foi a primeira vez que divergências fundamentais entre alguns bispos foram tornadas públicas. Uma ínfima minoria da Igreja alemã – que tinha à sua disposição os meios de comunicação, alguns bispos alemães e alguns cardeais da cúria romana – vociferou veementemente contra supostas irregularidades e heterodoxias da Igreja na Alemanha.
No entanto, o público secularizado na Alemanha mostrou-se indiferente aos poucos avanços do caminho sinodal. Neste país, desde 2017 todos os casais que queiram podem contrair casamento civil, e se forem homossexuais, podem registrar os seus filhos – próprios ou adotivos – como dois pais ou duas mães. Desde 2018, pessoas não binárias podem se registrar oficialmente como “diversas”, e a discriminação de gênero é discutida e repudiada publicamente. Os poucos avanços da Igreja, que nem mesmo se transformaram em novas estruturas ou práticas, são vistos como esforços de alguns retardatários que finalmente os alcançaram.
Por que ainda a Igreja? Do ponto de vista do público secular – e em primeiro lugar das gerações com menos de 50 anos – a Igreja não contribui com nada de positivo para a sociedade. Os bispos raramente falam publicamente sobre questões políticas, e quando o fazem – como na atual crise da guerra na Ucrânia – eles simplesmente ecoam a posição do governo ou continuam a repetir suas posições há muito expiradas.
É óbvio que muitos na Igreja contam com os privilégios que seu status legal dá às Igrejas na Alemanha. Pela Constituição alemã e pelos contratos e leis do passado, ela não apenas dispõe da abundante receita tributária para a Igreja. Além disso, o Estado tem que pagar diretamente os salários dos bispos e outros altos escalões das dioceses (o polêmico “Staatsleistungen”), tem que garantir (e pagar) o ensino religioso (denominacional) nas escolas públicas, fornecer colégios e institutos teológicos nas universidades e isentar as igrejas de grande parte do regime tributário.
Além disso, paga subsídios a muitas obras sociais, caritativas e educativas da Igreja. Sendo muito difícil – tanto legal como politicamente – introduzir mudanças neste complicado sistema de inter-relações entre Estado e igrejas, parece muito provável que, num futuro próximo, o mais estável das igrejas sejam os seus sistemas administrativos e financeiros, embora desapareça a experiência da fé, as comunidades e também as pessoas individualmente.
Mas estes não desaparecem: nota-se que cada vez mais pessoas e comunidades começam a organizar a sua experiência de fé independentemente das instituições eclesiais. São cada vez mais as pessoas que renunciam à sua pertença católica precisamente por motivos de fé, e procuram novos lugares e novas comunidades para a partilhar. No momento, são experiências muito poucas, precárias e efêmeras. Essas comunidades, porém, terão a oportunidade de demonstrar para que serve, se não a Igreja, ao menos a fé vivida em comunidade: há comunidades de fé que se empenham no resgate e acolhimento de migrantes e refugiados, outras trabalham para uma nova consciência ecológica face às alterações climáticas, outros defendem a não violência em tempos de guerra, etc.
Estas comunidades e estes pequenos movimentos proféticos (ou “minorias abraâmicas” como eram denominadas por Dom Hélder Câmara) não são um fator muito representativo da Igreja na Alemanha, mas também não podem ser descartados. Eles não aparecem nas estatísticas e muitos de seus membros não pertencem mais a nenhuma das igrejas. No entanto, são eles que dão resposta à pergunta que dá título a este texto: é preciso transformar a concepção que temos da 'Igreja'.
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Alemanha: Por que ainda a Igreja? Artigo de Stefan Silber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU