04 Julho 2023
"Bergoglio dizia-se convencido de que era preciso descentralizar o poder, respeitando os procedimentos, as escolhas, a história e as culturas locais. Em Buenos Aires, Bergoglio falava uma linguagem que todos podiam compreender, não por falta de formação ou de cultura, mas por uma precisa vontade de se tornar compreensível e garantir que a mensagem evangélica pudesse alcançar a todos", escreve o cientista político italiano Francesco Strazzari, professor de Relações Internacionais na Scuola Universitaria Superiore Sant’Anna, em Pisa, na Itália, publicado por Settimana News, 03-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A conversa confidencial com Víctor Manuel Fernández remonta ao dia seguinte à eleição de Bergoglio. Naquela época era reitor da Universidade Católica de Buenos Aires, onde havia se diplomado em teologia. Foi colaborador próximo de Bergoglio nos anos em que foi arcebispo da capital argentina. Havia sido seu consultor teológico em Aparecida (Brasil, 13-31 de maio de 2007).
Fernández o admirava por seu profundo sentimento pelo "povo": “Ele valorizava o povo como sujeito coletivo, que deveria ser o centro das preocupações da Igreja e de qualquer outro poder. É por isso que ele insistia com seus padres para que fossem misericordiosos, não adotassem uma moral ou uma práxis eclesial rígida e não complicassem a vida das pessoas com preceitos impostos autoritariamente do alto”. E isso não por populismo oportunista, mas por convicção profunda: o Espírito age no povo.
Para Bergoglio, a Igreja oficial com seus ministros e suas estruturas existe para ser transparência de Jesus Cristo. Disso a convicção de que a Igreja deve ser pobre, fraterna, livre e simples, generosa e alegre.
Bergoglio dizia-se convencido de que era preciso descentralizar o poder, respeitando os procedimentos, as escolhas, a história e as culturas locais. Em Buenos Aires, Bergoglio falava uma linguagem que todos podiam compreender, não por falta de formação ou de cultura, mas por uma precisa vontade de se tornar compreensível e garantir que a mensagem evangélica pudesse alcançar a todos.
Apreciava e sentia fortemente a piedade popular que nem sempre coincide com as indicações da hierarquia eclesiástica: “Assumiu essa valorização positiva da fé popular, como efeito da ação livre e misteriosa do Espírito”.
Fernández continua: “A sua preferência pelos pobres marcou toda a sua vida. Como arcebispo a promoveu, dando apoio privilegiado aos padres que viviam nas aglomerações anônimas e nos bairros pobres. Estava ciente de que alguns não compreendiam bem a sua atividade, mas ele estava convencido de que o pobre não é apenas o objeto de um discurso nem o destinatário de mera assistência, muito menos de ‘promoção’, destinada apenas a libertá-lo de seus males. Os pobres são sujeitos ativos e criativos a partir de sua cultura; não apenas objetos de discussão, reflexão ou programações pastorais".
Seu estilo de vida, pobreza e austeridade pessoal impressionavam. Fernández confidenciou-me: “A sua pobreza pessoal não era nem oportunista nem mediática. Todos sabiam que ele era austero até o sacrifício. Nunca se sentiu digno de se fazer servir e são conhecidos os seus gestos de serviço humilde, evitando dar mostra de ser superior. A sua escolha de uma simplicidade austera não respondia a um ideal histórico ou a um simples amor pela pobreza, mas sim ao seu desejo de se tornar acessível para que os pobres pudessem se sentir à vontade com seus pastores e a Igreja fosse sentida como sua casa”.
Simplicidade evangélica: não só na maneira de vestir e na linguagem, mas também nos hábitos. Não suportava as pomposidades, alguns ritos e formalidades, que via em contraste com a simplicidade do Evangelho de Jesus.
Bergoglio progressista? "Não exatamente. Ele tinha um profundo respeito pelos ensinamentos tradicionais da Igreja e dos papas. No entanto, tinha ideias muito claras sobre os temas fundamentais e decisivos: a justiça, a fraternidade e os secundários e, como bom jesuíta, nos convidava ao discernimento, dando preferência àqueles que têm ‘o cheiro do evangelho’".
Ele cultivava apaixonadamente um empenho ecumênico e pró-judaico. Dedicava muito tempo ao diálogo com os não católicos. Por exemplo, eram conhecidas suas longas conversas com o rabino Skorka.
Agora, o Papa Francisco o chamou a Roma. Ele conhece a elegância do trato, a profundidade teológica, o espírito alegre, a elegância do estilo. Ele certamente não será o guardião da fé, mas a alma de uma evangelização a partir de baixo.
Francisco será criticado por essa escolha, como aliás pela escolha do novo arcebispo de Buenos Aires, Jorge Ignacio Garcia Cueva, objeto de agressivos ataques que envolvem a sua pessoa. Como de fato está acontecendo com Víctor Manuel Fernández, o novo rosto de uma Cúria que precisa ser “humanizada”. Ainda necessitada, como demonstra o recente caso do moralista Martin Lintner, de conversão evangélica.
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Papa Bergoglio e Victor M. Fernandez. Artigo de Francesco Strazzari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU