30 Abril 2023
Mal se passaram quatro meses do desaparecimento de Bento XVI-Joseph Ratzinger, e o Papa Francisco concede o direito a voto às mulheres nas assembleias do próximo Sínodo mundial dedicado à Igreja no século XXI.
A reportagem é de Marco Politi, publicado por Il Fatto Quotidiano, 28-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma virada histórica. Depois de séculos de subordinação da mulher na hierarquia clerical, as crentes acessam – por enquanto no voto – a igual dignidade decisória com os homens e especialmente com os bispos.
São Paulo escreveu na Primeira Carta aos Coríntios que as "as vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”.
Quaisquer que sejam as interpretações mais modernas das Epístolas do Apóstolo Paulo, a repetição sistemática dessa e de outras passagens dos textos sagrados contribuiu século após século para construir a estrutura hierárquica católica em sua forma patriarcal e machista.
Embora João Paulo II e outras personalidades eclesiásticas tenham exaltado o "gênio feminino" e as várias formas de corresponsabilidade das mulheres na Igreja, até a decisão de Francisco - anunciada em 26 de abril - o mundo feminino não tinha acesso com direito de decisão a um dos momentos cruciais da vida eclesial sucessiva ao Concílio Vaticano II: o Sínodo, a assembleia dos bispos que trata dos problemas da comunidade católica e formula propostas a serem submetidas ao pontífice.
Uma nota da Secretaria do Sínodo apresenta a novidade. Serão membros do Sínodo com pleno direito 70 "não-bispos" (padres, diáconos, religiosos e religiosas, leigos e leigas), dos quais a metade deverá ser necessariamente mulheres. Francisco escolherá entre 140 nomes propostos pelas reuniões continentais preparatórias do Sínodo, que acontecerá em duas etapas mundiais: 2º semestre de 2023 e 20º semestre de 2024.
Também participarão sempre com direito a voto outras cinco mulheres, escolhidas pela organização que congrega todas as ordens religiosas femininas.
Por fim, cabe ao pontífice indicar pessoalmente um certo número de personalidades de sua escolha, entre os quais certamente mulheres. Em outras palavras, nas próximas assembleias sinodais mundiais entrarão em cena com direitos iguais entre 40 a 50 mulheres.
A decisão papal é uma "brecha de Porta Pia" no muro masculino-cêntrico da Igreja Católica. As palavras têm um sentido. Padre vem de presbítero (ancião, em grego) e retoma a cultura judaica antiga em que os "anciãos de Israel" eram os guias da comunidade. Ao lado dos "anciãos" havia os sacerdotes: conceito que o cristianismo assumiu do judaísmo.
Mas bispo e diocese são palavras que o cristianismo instituído no Império Romano tomou emprestadas da linguagem administrativa. Bispo, episkopos, é o "inspetor" e a diocese era uma espécie de circunscrição semelhante a uma das nossas províncias ou estados regionais. Em outras palavras, a Igreja em seus primeiros séculos construiu sua estrutura de poder reportando-se aos poderes administrativos do império: estritamente reservados aos homens.
O poder clerical nasce e prospera justamente assim, além do mais, sacralizado.
O Papa Bergoglio com sua decisão começa a desclericalizar o poder de decisão na Igreja. É bom dizer que nos bastidores há uma grande massa de bispos e sacerdotes totalmente contrários à virada. A “Igreja profunda” tradicional tentará o melhor que puder se opor à “Igreja dos crentes”, à Igreja sinodal que o Papa está começando a construir.
Mas uma característica de Bergoglio é a tenacidade. E quando encontra obstáculos, implementa a estratégia da tartaruga. Lenta e constante. Logo que foi eleito, declarou numa entrevista às revistas jesuítas que as mulheres deviam ocupar cargos nos vários âmbitos da Igreja “onde se exerce a autoridade”. Em 2016 criou uma comissão de estudo sobre o diaconato feminino. A comissão se revelou totalmente dividida entre inovadores e conservadores e, portanto, terminou em um impasse. Uma segunda comissão não produziu nada até agora.
Diante do obstáculo, Francisco passou então a intervir no governo central da Igreja: a cúria romana. Várias mulheres foram nomeadas subsecretárias em vários dicastérios, entre os quais a Secretaria de Estado. Mulheres foram inseridas no conselho de administração do banco do Vaticano e no Conselho para a economia. Uma mulher, Irmã Raffaella Petrini, tornou-se secretária-geral do Governatório do Estado da Cidade do Vaticano. Uma mulher, a dominicana inglesa Helen Alford, acabou de ser nomeada presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais. Outras mulheres se tornaram reitoras de universidades pontifícias.
Em 2021, Francisco deu mais um passo à frente: nomeou a freira francesa Natalie Becquart subsecretária do Sínodo dos Bispos, cargo que dá automaticamente o direito a voto nas assembleias sinodais.
Agora o novo passo, que abre as portas à plena participação feminina nos Sínodos e está destinado a mudar em cascata também a composição das assembleias das conferências episcopais nacionais. É uma movimentação, na visão de Francisco, em direção da Igreja "povo de Deus" como o Concílio Vaticano II a definiu. Não mais a Igreja do poder clerical.
Desse ponto de vista, não é impossível que sejam revistas as solicitações do Sínodo sobre a Amazônia relativas à possibilidade que sejam ordenados sacerdotes - em situações de emergência - também diáconos casados e com família. Francisco as havia colocado na gaveta após a furiosa oposição da frente conservadora (à qual também se juntou o anterior pontífice Ratzinger), mas não se pode descartar que, mais cedo ou mais tarde, o papa argentino retome nas mãos a questão.
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Francisco concede direito a voto às mulheres no Sínodo: uma brecha num muro masculino-cêntrico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU