19 Abril 2023
"Hoje aparecem novas acusações de imoralidade, justamente como a ligação entre a obra e a imoralidade do autor, ou as reações emocionais das vítimas. Uma expansão moralista que pode desenvolver releituras míopes da história da arte e favorecer fenômenos de autocensura nos artistas", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 16-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nenhuma decisão definitiva ainda foi tomada em relação ao Pe. Marko Rupnik e o Centro Aletti. O procedimento ainda está em andamento e faz referência ao responsável das comunidades jesuítas em Roma, pe. Johan Verschueren. O semanal Repórter e a televisão pública eslovena haviam anunciado o fechamento do Centro Aletti e a transferência de Rupnik para a casa para doentes e idosos de Gallarate (Varese).
A fonte da informação era o provincial esloveno Maran Žvanut. Nenhuma decisão final nem mesmo para a comunidade dos jesuítas do Centro (comunidade da Santíssima Trindade), uma das três comunidades que compõem o grupo (irmãs consagradas: comunidade da divina-humanidade) e dos padres (fraternidade dos santos Cirilo e Metódio).
Informações semelhantes já haviam sido divulgadas em meados de março por K. Fulgoferski, pseudônimo de um padre esloveno. Na sua opinião teria havido um compromisso que previa a redução à laicidade do jesuíta e a sobrevivência do Centro, sem visitas apostólicas e verificações financeiras.
Sobre as finanças, abriu uma fresta o Domani (15 de abril). Uma empresa (Rossoroblu, 2007), em nome de Rupnik e Manuela Viezzoli, gerencia a administração dos vários canteiros de obras e das obras conexas. De propriedade de Rupnik (90%) e Viezzoli (10%), nos balancetes de 2022 registra 15 colaboradores, um volume de faturamento de 1.750.000 euros e um lucro de 119.000. Uma iniciativa industrial que não resulta do conhecimento de seus superiores.
A única coisa certa é a visita de "reconhecimento" e não "apostólica" que o Vicariato de Roma iniciou sobre as atividades do Centro Aletti. O reconhecimento formal de “associação pública de fiéis” vem de fato do Vicariato em 2019. O resultado não é conhecido. A última declaração pública dos jesuítas é de meados de fevereiro.
O grupo de investigação reconhece aos 15 testemunhos recolhidos: “O grau de credibilidade do que foi denunciado ou testemunhado parece ser muito elevado”. E o delegado, Pe. Johan Verschueren, “confirma que a variedade dos testemunhos recebidos, combinada com o que já se sabe, demonstra como as mesmas devam ser levadas em séria e plena consideração”.
Pe. Hans Zollner em uma entrevista no início de março, retoma o que a declaração citada havia especificado. Além das já informadas, poderão haver novas restrições ao ministério e à atividade artística pública, bem como o desligamento da companhia. Se resultasse o abuso de um menor, ele não pode permanecer padre de acordo com a lei. Como leigo, poderia permanecer na Companhia com limitações muito precisas.
Uma comunicação do Centro Aletti datada de 28 de fevereiro informa sobre a continuação do trabalho artístico do atelier, “hoje liderado por uma equipe de direção, capaz de assumir a responsabilidade de uma obra, tanto do ponto de vista teológico-litúrgico como artístico-criativo de vista e do ponto de vista técnico-administrativo".
Num documento interno, a comunidade das consagradas acusa os superiores dos jesuítas de pouco respeito pelas pessoas, de pouca privacidade e de falta de valorização das avaliações dos superiores anteriores. “A nós, comunidade de mulheres do Centro Aletti, nunca pediram um testemunho. Apenas as ‘vítimas’ são procuradas. E sabe-se que aqui no Centro Aletti não encontrarão nenhuma vítima, porque durante trinta anos, cada vez que o delegado vinha para uma visita canônica, encontrava uma comunidade compacta e viva. Nenhuma vítima. Nenhuma cumplicidade. No máximo, testemunhos de gratidão e admiração... o que se quer manchar, ou destruir ou derrubar é a obra do Centro Aletti, onde se testemunha que homens e mulheres, casados e solteiros, católicos e ortodoxos de diversas origens podem viver juntos segundo o Evangelho de Jesus. Esse estilo de vida pressupõe uma vida espiritual, uma teologia com raízes profundas e um amor autêntico pela Igreja”.
A discussão sobre as obras de mosaico e os afrescos tomou destaque em referência à sua presença no santuário de Lourdes. No dia 27 de março, o conselho de orientação do santuário iniciou uma discussão sobre o tema. Pessoas vítimas de abuso, vindas de diferentes países, apontaram a natureza problemática da presença desses mosaicos.
O santuário, destinado a recolher a memória da Igreja francesa sobre os abusos e um local de cura para os peregrinos, pode suportar imagens que remetam a figuras controversas? O conselho de orientação decidiu reunir uma comissão especial (psiquiatras, psicólogos, vítimas, bispos e padres) para tratar do problema.
“Precisamos iniciar uma reflexão básica, tentando integrar todos os parâmetros, sem tabus. Estamos prontos para qualquer decisão” – disse Mons. Jean-Marc Micas, bispo de Tarbes e Lourdes. Algo semelhante poderia acontecer em San Giovanni Rotondo (Padre Pio), Aparecida (Brasil) e Fátima. O debate ampliou-se ao pintor francês Luis Ribes e outros, como os músicos André Gouzez e Winfied Pilz.
Os mosaicos de Rupnik recortaram um espaço específico na renovação geral da arte litúrgica e representaram uma das respostas da arte visual capaz de devolver a intencionalidade vital dos ícones às imagens "devotas". A característica estilística oriental, a renúncia consciente à perspectiva, a convivência de citações da iconografia oriental e dos "signos" da modernidade, o recurso predominante aos mosaicos com a necessidade de pedras originais e a adição da folha de ouro, pretendem exprimir uma teologia consciente do moderno e radicalmente crítica do mesmo.
Os sofrimentos compartilháveis das vítimas podem justificar uma damnatio memoriae generalizada? A pergunta também poderia dizer respeito à teologia expressa nos escritos, mas, ficando nos mosaicos, como avaliar a afirmação de uma das “vítimas” que vê suas ações “estreitamente ligadas à sua visão da arte”?
Provavelmente se chegará a decisões diferentes, dependendo dos lugares e da cultura local. O bispo de Genebra, Mons. Morerord já disse que não fará com que sejam removidos os 13 mosaicos das igrejas de sua diocese.
Mas o caso Rupnik e os demais citados relançam a polêmica relação entre estética e moral. Segundo a filósofa Carole Talon-Hugon, a concepção de arte pela arte é muito recente (1900, T. Gautier, O. Wilde), um parêntese na história da arte. Talon-Hugon afirma uma relação precisa entre arte e moral: “a arte não se reduz a formas: está dentro de uma rede de significados, intenções, expectativas e valores, entre os quais os valores morais. As obras podem tocar nossas vidas, para o bem ou para o mal. A ideia de que a arte nada tem a ver com valores extraestéticos é muito recente” (La Croix, 9 de abril).
Não se trata de voltar ao moralismo preconceituoso, mas sim a uma moral refletida. O valor moral de uma obra faz parte de seu valor artístico. Ainda mais em um mundo onde o esteticismo tomou conta de todo o mercado. A tradição atribuía à arte a imoralidade ao representar o mal, ao provocar efeitos ruins no espectador, ao estetizar elementos questionáveis como fotografar os cadáveres.
Mas hoje aparecem novas acusações de imoralidade, justamente como a ligação entre a obra e a imoralidade do autor, ou as reações emocionais das vítimas. Uma expansão moralista que pode desenvolver releituras míopes da história da arte e favorecer fenômenos de autocensura nos artistas.
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Rupnik: entre desmentidas e debates. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU