De olho na conjuntura política e movimentos que podem passar despercebidos, Carlos Tautz traz suas análises na primeira conferência do IHU Ideias em 2023
“Os inimigos não serão visíveis como na batalha campal da Esplanada; não se apresentarão mais de fardas verde-oliva cheirando a mofo nem de falsificadas camisetas amarelo-CBF. As ações do submundo golpista serão na maior parte do tempo invisíveis aos desatentos, mas permanentes e mobilizadoras de novos golpes”.
A reflexão é do jornalista Carlos Tautz, costurada ainda no calor dos atos terroristas ocorridos na Praça dos Três Poderes em Brasília no 08-01-2023. Mas ela bem poderia ser empregada hoje.
Naquela ocasião, não faltaram vozes a se erguer que chamavam aqueles sujeitos de terroristas e até de lunáticos. O inimigo parecia ter cara, forma e muita disposição, pois foi assim que a resistência bolsonarista se apresentava. Por óbvio, esse inimigo deveria ser extirpado, pois, do contrário, o que ruiria seria o Estado democrático de direito. Agora, parece haver outro inimigo, mais difuso, de forma indefinida. Por vezes, ele se apresenta na dualidade entre mercado financeiro e política social, outras como aumento no preço da gasolina e renúncia fiscal e até mesmo entre correção da tabela do Imposto de Renda e reforma no ensino público.
Assim, poderíamos tipificar esses inimigos de difícil formulação como sujeitos ocultos. Com o olhar atento aos movimentos da conjuntura política nacional e sem perder de vista como se mexem esses sujeitos em tal conjuntura, o jornalista Carlos Tautz dividirá um pouco de suas análises na conferência “Sujeitos ocultos: bancos, Forças Armadas e mídia no ambíguo cenário político brasileiro”. A atividade compõe o calendário de eventos do IHU que, dentro do espaço do IHU ideias desta quinta-feira, 02-03-2023, às 17h30, retoma as atividades do ano. A palestra acontecerá via videoconferência, com transmissão ao vivo pelo canal do IHU no YouTube e pelas suas redes sociais.
Pode parecer confuso, mas é preciso separar as coisas para que fiquem um pouco mais claras. De um lado, temos essas insurgências golpistas que, até com apoio de militares e outras figuras menos republicanas, são por óbvio movimentos que visam colocar de pé um golpe. É inegável que se reconheça que são oposição ao atual governo – e quem sabe até dos ideais de civilização e humanidade. Mas não nos esqueçamos de que, no outro lado, há forças, que esses sujeitos, segundo Carlos Tautz, são contra os atos de 8 de janeiro, mas nem por isso se perfilam como apoiadores do atual governo. Na verdade, estão mais para apoiadores disfarçados que querem mesmo é fazer valer os seus interesses, isto é, os interesses de um "capitalismo brazuca".
É isso que Tautz aponta quando reflete dizendo que “as ações do submundo golpista serão, na maior parte do tempo, invisíveis aos desatentos, mas permanentes e mobilizadoras de novos golpes”. Veja o caso da grande mídia empresarial, que parece ter respirado aliviada com a derrota de Bolsonaro. Muito mais do que defender os interesses de uma sociedade pauperizada e que viu a fome voltar, como, por exemplo, fazer campanha pelo aumento do chamado gasto social, está preocupada com uma tal estabilidade financeira que acalme o mercado e, claro, seus anunciantes.
“A imprensa corporativa chamará o submundo golpista pelo genérico codinome ‘mercado’, e só começaremos a nos dar conta de que já está em marcha a ação subterrânea desses poderosos inimigos quando as alvíssimas dondocas do Leblon voltarem a reclamar durante meia hora no Jornal Nacional dos inaceitáveis preços de tomates e batatas”, advertiu Tautz ainda naquele texto.
Vejamos outro exemplo: o preço da gasolina e a Petrobrás. Vemos narrativas que dizem que não se pode pagar tanto imposto por um combustível, que o governo já cobra demais. Mas pouco espaço existe para as narrativas que falam da renúncia fiscal e que abrir mão dessa receita dos impostos da gasolina pode reter o aumento de investimentos em programas de assistência social ou da correção da tabela do Imposto de Renda. Aliás, sobre isso, em janeiro, Tautz também apontou:
“Na Petrobras, alterar a política de preços internacionalizados dos combustíveis e distribuir dividendos mínimos para retomar investimentos da companhia e colocar pelo menos R$ 150 bilhões anuais em circulação na economia real. Sob a Presidência do genocida, a Petrobras foi obrigada a entregar seus ativos para o mercado a preço vil, vender combustíveis e derivados a preços cotados em dólar e deixar de investir na urgente expansão de sua infraestrutura para entregar ilegitimamente o lucro a grandes acionistas privados nacionais e internacionais.”
O exemplo da Petrobrás e o preço dos combustíveis, aliás, são didáticos para compreender os movimentos desses sujeitos que, mesmo sem quebrar vidraças, depredar prédios públicos e obras de arte, parecem estar mais preocupados em pilhar o Estado, enchendo seus cofrinhos enquanto outros contam moedinhas para disfarçar a fome. Como esse, temos ainda o exemplo dos debates entre o mercado financeiro e o teto de gastos, que faz refluir os investimentos sociais.
E, se quisermos sair das cercanias dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, poderemos ver a tal reforma do Ensino que sorrateiramente vai tirando do Estado o poder de decisão e abrindo espaço para a "livre e desinteressada" iniciativa privada, como bem vem alertando o professor Daniel Cara.
A frase "não adianta revogar o 'Novo Ensino Médio', pois o anterior era ruim" é uma perigosíssima meia verdade.
– Daniel Cara – Educação e Ciência (@DanielCara) February 28, 2023
O modelo anterior era ruim, de fato. Mas o "Novo Ensino Médio" consegue ser muito pior: tornou a etapa um caos, desconsidera professores e prejudicará gerações.
Por isso, é preciso atentar para esses golpistas bem menos lunáticos e nem por isso menos perigosos. Afinal, no governo Lula 3 há a emergência de muitas transformações, e parece até haver disposição do governo em enfrentá-las, mas as reações desses sujeitos soturnos podem fazer refluir qualquer esperança de mudança. Como adverte Carlos Tautz:
“Agora, como o seu ‘programa’, Lula manifesta a intenção de ir além de Getúlio. Mas, a história e o domingo em Brasília mostram que, muito mais do que apenas coragem e disposição pessoais, serão necessários a Lula também a preparação institucional e a mobilização permanente de sua base social.”
Carlos Tautz é jornalista profissional e, desde março de 2020, cursa o doutorado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense – UFF. É licenciado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFF e trabalha desde 1989 em grupos privados de comunicação, governos, organizações da sociedade civil e institutos de investigação, abrangendo as áreas da economia política, meio ambiente, relações internacionais e direitos humanos. Cobriu o ciclo das principais conferências da Organização das Nações Unidas – ONU na década de 1990 para a revista Ecologia&Desenvolvimento e para o Jornal do Brasil.
Desde 2001, tem trabalhado como investigador sênior em organizações da sociedade civil, entre elas estando: o Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica – Ibase e o Instituto Mais Democracia/Transparência e Controle Cidadão sobre Governos e Grupos Econômicos. Ao representar estas organizações, trabalhou na coordenação de redes de organizações da sociedade civil, entre elas a Rede Brasil de Instituições Financeiras Multilaterais e a Plataforma BNDES, além de ter participado como voluntário no Coletivo Mais Verdade, uma investigação aprofundada sobre a participação de grupos econômicos na preparação do golpe de 1964 e o apoio à ditadura que durou até 1988.
Carlos Tautz (Foto: arquivo pessoal)
Desde 2004, coordena estudos nas seguintes áreas: 1) relações entre grupos econômicos privados e diferentes fracções do Estado; 2) impactos sociais, especialmente sobre os direitos humanos, e ambientais dos megaprojetos econômicos, especialmente na Bacia Amazônica; 3) sistema de financiamento de megaprojetos na América Latina, especialmente os viabilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e 4) criação do bloco de países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do seu Novo Banco de Desenvolvimento.
Entrevistas realizadas pelo IHU com Carlos Tautz
Artigos de Carlos Tautz publicados pelo IHU