25 Fevereiro 2023
Se as práticas penitenciais estão em crise, o desejo de reconciliação está mais vivo do que nunca nos crentes. A introdução da celebração do sacramento da penitência na terceira forma em tempos de pandemia demonstrou isso, três instituições acadêmicas aprofundaram uma reflexão que será proposta ao público em 27-02-2023 em uma jornada de estudo em Pádua. Conversamos sobre isso com o teólogo padre Andrea Toniolo.
A necessidade de reconciliação, o desejo de perdão está enraizado nos cristãos, provavelmente mais do que pensamos. Isso foi demonstrado pela boa e, em alguns casos, alta participação na celebração da penitência na terceira forma, introduzida por algumas dioceses italianas na época da pandemia.
Uma reflexão sobre esse tema, solicitada por alguns bispos da região de Triveneto, foi iniciada dois anos atrás pela Faculdade Teológica do Triveneto junto com a Faculdade de Direito Canônico São Pio X de Veneza e o Instituto de Liturgia Pastoral Santa Giustina de Pádua. Dois seminários discutiram os fundamentos litúrgicos, morais e jurídicos da questão com reflexões pastorais, sociológicas e pedagógicas, envolvendo cerca de vinte docentes.
As mesmas instituições propõem agora a jornada de estudo “Repensar a prática penitencial. A terceira forma de penitência: experiência a arquivar ou recurso?” programada para Pádua, na sede da Faculdade Teológica, na segunda-feira, 27-02-2023. O objetivo é devolver a um público mais amplo os resultados dessa pesquisa no contexto geral da crise da confissão individual, que, jurídica e pastoralmente, sempre foi apresentada como a única forma possível em nossas terras.
Andrea Toniolo, decano da faculdade de teologia do Triveneto, traça as linhas de um percurso que abre algumas perspectivas.
A entrevista é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 21-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Toniolo, a introdução da terceira forma de penitência na época da pandemia teve um efeito surpresa…
Ficou claro que há uma crise das práticas penitenciais, mas não do desejo de reconciliação, em nível de fé e em nível antropológico, social. A crise da confissão individual não significa imediatamente que o desejo de celebrar a misericórdia do Senhor esteja ausente no povo de Deus. Mesmo na vida quotidiana, na família, no trabalho, em tempos de conflito, de individualismo, de relações difíceis, há necessidade de um gesto de perdão, de paz consigo mesmo, com os outros e com Deus, para quem crê.
É um fato que fala à Igreja e à teologia.
A Igreja e a teologia são provocadas a repensar a prática penitencial em nosso tempo, para a Igreja que virá. As condições de fragilidade, de insegurança, de finitude, de impotência levam a desejar uma mensagem positiva, de esperança que pode derivar da misericórdia de Deus. A primeira preocupação da Igreja é identificar ou restaurar formas significativas de cuidado e atenção pastorais que deem esperança.
Um pouco de história. Como surgiu a introdução da terceira forma?
O Concílio Vaticano II exortou a repensar as formas penitenciais na Igreja, para que os fiéis experimentem os "efeitos" ou seja, os frutos do sacramento (cf. SC 72). O novo Ordo paenitentiae justifica a introdução da terceira forma como recuperação do aspecto comunitário do sacramento, ainda que depois afirme que a via ordinária é apenas aquela da absolvição individual. Somente em casos extraordinários, como perigo de morte ou ausência de padres, pode ser introduzida a terceira forma. Uma nota da Penitenciaria Apostólica reconheceu que a pandemia representa um dos casos de grave necessidade.
A terceira forma deve manter sempre um caráter de excepcionalidade ou pode se tornar parte da pastoral ordinária?
Aqui se coloca a questão de averiguar se é possível introduzir a terceira forma de penitência também em situações de necessidade não grave, mas como uma forma de penitência ordinária, complementar e não substitutiva daquela individual.
Além disso, o fato da confissão individual não ser mais praticada e existir número tão elevado de fiéis que não procuram o sacramento da penitência, pode ser considerado um motivo de necessidade? Eu penso que sim.
Os resultados constatados na época da pandemia dissiparam o medo de que a chamada terceira forma fosse uma espécie de atalho no caminho da penitência?
A intensidade, o recolhimento, o silêncio, a diversa tipologia dos participantes mostraram que tais celebrações foram vividas com profundidade. Nesta forma, comunitária, emergem outros estados de espírito que permanecem escondidos naquela individual, incluindo a consciência de sermos todos pecadores e todos destinatários da misericórdia. No entanto, não se deve esquecer que a prática penitencial não se identifica apenas com o sacramento da confissão, mas também acontece em outros momentos litúrgicos (Eucaristia), bem como através das obras de caridade.
O uso ordinário da terceira práxis poderia dar o golpe final na confissão individual?
Em nossas terras - que ainda dispõem de sacerdotes, mesmo que de idade média e alta - a confissão individual mesmo assim entrou em crise, embora reconhecendo que, nos santuários e em algumas realidades pastorais, ainda existe uma boa prática da confissão individual. No entanto, devemos reconhecer que a maioria dos fiéis não se aproxima mais da confissão individual, que canonicamente é considerada a única forma ordinária.
Como "conciliar" as diferentes formas?
Uma introdução "ordinária" da terceira forma, bem preparada, pode ajudar - é uma hipótese de reflexão teológica - os fiéis a fazerem uma renovada experiência do perdão, em nível pessoal e comunitário. E isso também poderia levar à recuperação da forma individual. No entanto, o condicional é obrigatório. O tema precisa ser enfrentado de forma mais profunda, com a pergunta: como promover um autêntico processo ou itinerário de conversão na Igreja? A reconciliação não se resolve num ato meramente pontual, mas se coloca dentro de um caminho de conversão, ao mesmo tempo individual e coletivo. Os tempos fortes do ano litúrgico, Advento e Quaresma, são adequados para tal itinerário.
E como harmonizar o momento pessoal e aquele comunitário?
Na prática atual existe o risco de uma contraposição entre momento comunitário e pessoal da confissão, como se fossem duas instâncias separadas. Uma celebração comunitária, como a Eucaristia, tem sempre um forte valor pessoal; e, vice-versa, um momento pessoal como a confissão individual tem sempre um caráter comunitário.
Com relação à absolvição comunitária, parece não haver muita clareza nas regras…
O Ordo paenitentiae prevê que quem recebe a absolvição comunitária não pode recebê-la uma segunda vez, se não celebrar no meio tempo aquela individual, e prevê a forma individual como obrigação no prazo de um ano, sempre em caso de pecados graves. Mesmo estando cientes que o discernimento de consciência se realiza também no diálogo pessoal entre penitente e confessor, faz sentido impor essa obrigação ou vínculo? Se houve perdão, se houve absolvição, por que pedir para depois fazer uma confissão individual? Não se pode deixar ao caminho pessoal, à própria consciência a possibilidade de recorrer à confissão individual ou a um caminho de confronto para o discernimento?
As perguntas são legítimas. O Código de Direito Canônico estabelece, justamente como o cânon último, que a lei suprema é a salus animarum; a norma suprema da Igreja é a salvação, e por esse motivo penso que é dever da Igreja identificar todos os meios pelos quais os fiéis podem aceder à graça sacramental do perdão.
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Terceira forma da penitência: atalho ou recurso? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU