05 Junho 2021
Andrea Grillo, teólogo italiano, em seu blog Come Se Non, 28-05-2021, escreve: “Uma consideração sociológica e do sacramento da confissão, nas suas diversas formas de celebração, implica uma interpretação diferenciada dos seus gestos, dos seus espaços e dos seus tempos”.
Segundo Grillo, tal consideração “também revela, para a pós-pandemia, um grande desafio entre a tradição saudável a ser desenvolvida e as inércias de uma tradição doente”.
Por isso, o teólogo oferece uma leitura apaixonada e franca escrita por Italo De Sandre, professor emérito de Sociologia na Universidade de Pádua e no Instituto de Liturgia Pastoral de Santa Justina.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
por Italo De Sandre
Gostaria de refletir sobre três pontos: 1) a participação-observação no rito da confissão comunitária da Páscoa; 2) a improbabilidade da comunicação na confissão individual hoje; 3) a percepção do “dispositivo de controle” na relação do rito individual.
1. Participei como fiel leigo na celebração do rito comunitário da penitência na paróquia. Uma experiência muito bonita, opinião compartilhada por cada pessoa que saía e sorria. A Igreja – mantidas as distâncias de segurança – estava lotada, e o jovem pároco também estava muito contente. Ou, melhor, ao mesmo tempo, eu esperava que ele, que celebrava, também estivesse e se sentisse dentro (e não acima) da comunidade, mas não sei se a forma do rito previa isso.
A experiência, na opinião de todas/os, foi forte: todos juntos, como para se encorajarem, e cada um com tudo de si mesmo, desarmado, transparente. Percebeu-se que ali não havia um juiz para interrogar e dar uma penitência: o bom Pai estava acolhendo de imediato cada um e toda aquela comunidade, enquanto cada um se esforçava para pensar em todas as faltas de que sentia o peso, sabendo no íntimo, porém, que Ele já as sabe, sempre.
Sentia-se a diferença entre estar interiormente e todos juntos com Deus, e não individualmente diante de um padre, que, por melhor que seja, não pode deixar de carregar consigo a imagem de um juiz que decide a salvação da sua alma, vivida por muitos como penosa, tolerável com esforço (senão até intolerável, e, de fato, muitos a abandonam). Um medo oculto, talvez apenas para os mais idosos.
2. Se alguém tem o hábito profissional da “observação participante” e da análise das situações sociais concretas, logo depois dessa experiência não pode deixar de refletir sobre as raízes dessas sensações e desse contraste muito profundo.
Um dos problemas é a dinâmica de comunicação e de relação interpessoal (e de relação entre papéis) que se ativa naquele encontro entre duas pessoas que portam dois papéis radicalmente diferentes. A comunicação na confissão católica é um compartilhamento de mensagens em âmbitos que, por si sós, têm uma sequência ritual assumida como evidente: o problema é que toda troca de mensagens, mesmo aquelas no confessionário, precisa de um compartilhamento dos “códigos simbólicos”, isto é, daqueles modos de entender as coisas que normalmente dão sentido às ações e à linguagem utilizada.
Esses códigos, que empregamos diariamente, dizem respeito aos âmbitos-chave da vida social: verdade, dinheiro-economia, poder-direito, amor-eros, arte, fé-religião, solidariedade. Uma vez, esses códigos eram substancialmente compartilhados, e, nos nossos países, eram as instituições religiosas católicas que davam o sentido da verdade e da moralidade das relações sociais (e muito nas relações sexual-reprodutivas): hoje não é mais assim, e as mudanças tecnológicas do fim do século XX ainda em evolução, marcando uma forte individualização da vida, fizeram com que esses códigos como que implodissem (basta considerar as ações e a linguagem dos no-Vax no que diz respeito à ciência, à autoridade política e ao direito à saúde, no fluxo extremo da pandemia).
Mas, pensando também na falta de maturação pós-conciliar deste e de outros sacramentos, mudou a percepção que muitos têm de Deus, muito menos da Igreja: Deus é sentido difusamente como bom, misericordioso, mas não a Igreja, percebida como severa, julgadora, governanta mais do que “mãe e mestra”.
Mudou a percepção do casamento e da sexualidade, temas-eixo no imaginário dos pecados: muitos dos próprios fiéis consideram viável uma ruptura do matrimônio, e muito consideram aceitável a sexualidade pré-matrimonial.
Pense-se, além disso, em modos atualmente contrapostos de entender a solidariedade (primeiro os pobres ou primeiro os nossos) e a própria religião (fé enraizada no Evangelho ou tradição doutrinal e identitária): entende-se que essa fragmentação confusa e conflituosa dos códigos torna em si mesma bastante improvável, até problemática, a reivindicação de compartilhamento que se ativa no confessionário: um tipo de interação que não tem igual no clima sociocultural de hoje no Ocidente (as sondagens psicoterapêuticas, nascidas historicamente também em reação à confissão, certamente não têm um marco de julgamento, mas de cuidado).
A representação social do pecado nos fiéis ativos, principalmente adultos e idosos, talvez ainda esteja ligada a medos, remorsos, escrúpulos, angústias pela quase certa impossibilidade de não cair nele, mas e nos jovens?
Por outro lado, a interpretação de uma ação como pecado, mortal ou venial, ato ou desejo, tem em suas costas um imprinting, um percurso explícito e implícito de formação (ou deformação) cultural e emotiva dos/das fiéis que hoje dificilmente pode corresponder a uma tabela exclusivamente objetiva, pois se trata da história de cada fiel e de cada comunidade religiosa, com a sensação de que esta é uma história ainda “tridentina” que, durante séculos, obscureceu a familiarização dos fiéis com a Bíblia, com a Evangelho.
A formação dos presbíteros hoje os responsabiliza no marco de regras institucionais sobre as quais é difícil discutir, no máximo sugerindo um agir julgador mais misericordioso, sabendo, porém, que cada ministro tem, em todo o caso, a possibilidade de enrijecer ou afrouxar a “pontuação” da sua própria comunicação. Algo que os presbíteros, individualmente, tentam realmente fazer, mas são experiências que não emergem nem são objeto de sérias discussões eclesiais.
3. Sabemos que toda dinâmica de comunicação está estreitamente ligada à estrutura da relação concreta que existe entre os comunicantes, porque é precisamente a relação que contém e manifesta o poder, a influência que um comunicante tem sobre o outro: é a metamensagem que, também em forma não verbal, ordena o modo como devem ser interpretadas as mensagens intercambiadas.
A confissão individual é um tipo de relação por definição desigual, entre um fiel-pessoa que, no seu papel de penitente, sabe que é perscrutado na sua intimidade por um confessor portador de um papel de autoridade que age com um poder inapelável, no nosso caso, o poder institucional forte de uma tradição secular com uma pesada representação social de “inquisição”. Poder da Igreja que absolve ou condena, consola ou pune, em relação a Deus que fica como que às costas do confessor.
Para quem conhece os estudos de J. Delumeau sobre o medo como instrumento de poder, de A. Prosperi sobre a história dos “tribunais de consciência” e, sobretudo, as obras de história do pensamento de M. Foucault, com o olhos destes tempos não se pode deixar de entender que, na relação religiosa entre o confessor e quem se confessa, foi legitimado e regulado por normas severas um vínculo que singularmente pode ser até humanamente bom, mas é socialmente compreensível apenas dentro daquele que, durante séculos, foi um grande “dispositivo de controle” das pessoas-indivíduos, forçadas a se abrir e a obedecer no fundo das suas consciências, com a ameaça de punições que, antigamente, podiam ser até físicas e públicas.
A Igreja, há alguns séculos, considerou necessário dar uma forma detalhada e severa ao sacramento, para reagir de forma intransigente às escolhas feitas pela Reforma Protestante e também para pôr ordem em arbítrios que, em todo o caso, havia entre confissões, penitências e indulgências nas suas próprias práticas, em uma época em que – é preciso repetir – ela bania a Bíblia de qualquer relação pessoal e de cotidianidade com os fiéis.
Com a mudança das culturas, os historiadores da Igreja reconhecem a vida conturbada desse sacramento, mas foi sobretudo nos últimos 70 anos que, com o Concílio, pelo menos em uma parte do “povo de Deus”, amadureceu uma visão diferente do sentido das relações de autoridade e pessoais entre o fiel e Deus, a Igreja-instituição, o ministro-homem que governa (ou acompanha?) a sua vida de fé.
Nessa área eclesial – contrastada por outros católicos – abriu-se uma visão misericordiosa de Deus, que, na parábola centrada não por acaso pela tradição no “filho pródigo”, vê como protagonista, em vez disso, o Pai bom, uma visão da Igreja que dialoga com o mundo, com as pessoas, com as suas consciências das quais reconhece a centralidade. Mas é precisamente nas eventuais mudanças nessas relações de poder que já está vivo e está crescendo um conflito na raiz da catolicidade no mundo, em cada continente com as suas próprias nuances e asperezas dos desafios.
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A terceira forma de penitência: o debate continua. Artigo de Italo de Sandre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU