17 Janeiro 2023
“Não mais do que uma planilha do Excel, a inteligência artificial pode nos dar a chave para nossas vidas, a chave para o significado e a chave para os outros. Ainda temos (pelo menos por enquanto) o monopólio da consciência. Diz-se, é claro, que a IA logo se juntará a nós neste campo também. Veremos”, escreve jornalista francês Jean-Pierre Denis, ex-editor-chefe da revista católica La Vie, em artigo publicado por La Croix International, 13-01-2023. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Devemos ter medo da Inteligência Artificial (IA)? É uma ameaça à democracia? Devemos esperar que nossos empregos desapareçam? A IA será mais talentosa do que nós ou ainda mais poderosa do que Deus?
Fiz essas perguntas para o dispositivo mais falado do momento, um aplicativo de IA chamado ChatGPT. Me atendeu da forma mais rápida, precisa, fluente e clara. Incrível? De fato. Mas não aprendi nada de novo. Era mais como se eu estivesse lendo um ensaio sem sentido. Era uma espécie de resumo de “Scary Smart”, o livro que Mo Gawdat, ex-diretor de negócios do Google, publicou em 2021.
O ChatGPT poderia ter fornecido o material para esta nova coluna na La Croix – coluna dedicada a ideias que movem o mundo e transformarão nossas sociedades. Mas, que pena, nasci no último milênio, e mantenho alguns de seus velhos hábitos. Prefiro deixar minha caneta funcionar à moda antiga. Como quando ainda tínhamos um cérebro.
Na realidade, o ChatGPT em si não altera a inteligência artificial. Essa revolução já está bem encaminhada e vai se acelerar. Ainda assim, há um avanço. E é grande. “Treinamos um modelo que interage de maneira conversacional”, anunciam seus promotores. Simplifica radicalmente a interface entre o homem e a máquina. Qualquer um pode ditar qualquer ordem. O computador irá executá-lo com mais rapidez e eficiência se a solicitação for clara. A rigor, por enquanto, a máquina não inventa nada. Ele mergulha no corpus infinito de nossas obras digitalizadas para estender e compor nossas frases, nossas imagens e nossos algoritmos melhor do que nós.
A facilidade de uso de uma ferramenta garante sua generalização. E hoje em dia, o tempo de adoção de uma revolução tecnológica tende a zero. Demorou muito para o telefone ser adotado, mas muito menos para o smartphone. Uber, Airbnb e Booking têm tido muito sucesso em competir com os sistemas de reservas tradicionais, graças à sua interface fluida. A inteligência artificial vai se espalhar e se tornar mais democrática em alguns anos.
Um especialista britânico, John Naughton, compara isso ao sucesso da planilha Excel, uma ferramenta que se tornou tão onipresente que nem notamos mais sua existência. Podemos evitar essa generalização, por exemplo, para salvar empregos como tradutores, jornalistas ou programadores? De jeito nenhum. Seremos capazes de ensinar como fazemos hoje? Não mais. Os dias de lição de casa, por exemplo, estão contados.
Não há exemplo de ferramenta que não tenha sido utilizada, ou mesmo cujo uso tenha se mantido (totalmente) racional. A imprensa tem sido usada para propaganda e espalhou o ódio tanto quanto espalhou o conhecimento. Não deixamos de lado o trem, o motor de combustão interna, a energia nuclear ou os voos supersônicos porque eles também podem ser usados de maneiras militaristas aterrorizantes. Portanto, não há nada de novo aqui.
Os humanos inventaram o machado biface, e o machado mudou a humanidade. Isso aconteceu no Quênia, o Vale do Silício da época, entre 500.000 e 1,5 milhão de anos antes do surgimento do ChatGPT. No mínimo, transformamos o sistema social. Às vezes chegamos ao ponto de fundar uma nova civilização. Em circunstâncias mais excepcionais, nos tornamos outra espécie. Nada demais. Nossos “conservadores” e nossos “progressistas” não precisam se preocupar. Não são eles que estão jogando o jogo, e tudo acabará antes que eles percebam. A regra é rígida: a ferramenta comanda, o humano segue. O martelo é nosso mestre.
Por enquanto, porém, só nós podemos fazer a única pergunta que importa. É aquela que o salmista dirige a Deus. “O que é o homem, para dele te lembrares? O ser humano, para que o visites?” (Sl 8, 5). Não mais do que uma planilha do Excel, a inteligência artificial pode nos dar a chave para nossas vidas, a chave para o significado e a chave para os outros. Ainda temos (pelo menos por enquanto) o monopólio da consciência. Diz-se, é claro, que a IA logo se juntará a nós neste campo também. Veremos. É um assunto polêmico. Por enquanto, vamos pelo menos aproveitar o tempo que nos é dado para amar, sonhar e contemplar de acordo com as belas disposições de nossa inteligência natural.
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ChatGPT. “Apesar da IA, ainda temos o monopólio da consciência” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU