06 Dezembro 2022
“A autocrítica não é algo fácil para nenhum de nós em uma era ideológica, mas é vital para que esse processo sinodal floresça”, escreve o jornalista estadunidense Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 05-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Igreja universal está agora passando para a “fase continental” do processo sinodal ao qual o Santo Padre nos chamou, então as reuniões eclesiais em todos os continentes refletirão sobre o documento de trabalho “Alarga o espaço da tua tenda”, redigido em Frascati, Itália, e divulgado em 27 de outubro. As reações ao relatório indicam que os líderes do processo sinodal precisam começar a pensar em como administrar as expectativas.
O processo sinodal convida as pessoas a falarem livremente. De fato, nenhum processo sinodal pode realmente funcionar sem franqueza. O Papa Francisco reconheceu isso em 2014, quando abriu o primeiro sínodo de seu pontificado, que se concentrou no tema da família. Ele disse aos padres sinodais reunidos para “falar com parrhesia e escutar com humildade”, usando a palavra grega que significa “ousadia” e “sem medo”.
No passado, os sínodos envolviam apenas bispos e alguns conselheiros teológicos; portanto, quando o atual processo sinodal começou consultando o povo de Deus, os fiéis leigos enfrentaram uma tábula rasa. O desconhecido foi concebido como uma lousa em branco, e qualquer um de nós pode projetar nossos desejos e esperanças nessa lousa. Daí a necessidade de administrar as expectativas, pelo menos aqui nos Estados Unidos.
Já comentei antes sobre como certos hábitos mentais estadunidenses são inadequados para um processo sinodal. “O sínodo exige que nós, estadunidenses, deixemos de lado nossas sensibilidades ativistas, voltadas para objetivos e centradas em projetos”, sugeri. Infelizmente, abandonar hábitos profundamente enraizados na cultura não é tão fácil. Até mesmo o nosso idioma, com sua ordem de palavras necessária e linear, forma um estado de espírito que apresenta um desafio, como Cathleen Kaveny, professora do Boston College, apontou em sua magnífica homenagem ao professor de latim Reginald Foster, quando ele morreu em 2020.
A mídia também não vai fazer nenhum favor ao processo sinodal. Veja a manchete do artigo que descreve o texto de Frascati: “Novo documento do Sínodo do Vaticano menciona ordenação de mulheres e relacionamentos LGBTQIA+”. Essa manchete não está errada. O documento de 45 páginas menciona essas questões. Mas a redação de manchetes e o processo sinodal são atividades mentais muito diferentes. Fundamentalmente, o processo sinodal não é sobre esta ou aquela questão. Trata-se de um processo pelo qual a Igreja entende a si mesma e seus desafios, e o documento é aberto até mesmo sobre como o processo funcionará.
O novo editor do NCR, Joe Ferullo, explicou sua empolgação com o processo sinodal e, examinando os relatórios que chegaram de várias reuniões sinodais, observou: “As participantes exigiram papéis maiores para as mulheres, uma recepção mais calorosa para os católicos LGBTQIA+ e maior atenção à situação dos pobres. Mais e mais, eles criticaram como a liderança polarizou e politizou a Igreja”. Novamente, isso é verdade, mas se concentra mais nas questões do que no processo, todos pendentes.
Entendo a emoção dos leigos católicos que finalmente se sentiram escutados. Kate McElwee, da Conferência de Ordenação de Mulheres, falou por muitos quando elogiou o documento de trabalho sinodal porque “apresenta uma sinodalidade incorporada que oferece um caminho de reconhecimento para quem se sente invisível ou rejeitado por sua Igreja. Para não exagerar, mas o reconhecimento – ser visto e escutado – é uma pequena revolução”.
A preocupação é que, se muitas pessoas ficarem muito entusiasmadas com a perspectiva de uma questão específica ser avançada pelo processo, e o processo não produzir esse “progresso”, elas não apenas ficarão desapontadas, mas também desiludidas. Pode ser visto um pouco disso no Twitter depois que a revista America publicou sua entrevista com o Papa Francisco. Lá, por exemplo, quando questionado sobre a ordenação de mulheres, sua resposta não foi a resposta que os defensores da ordenação de mulheres esperavam.
O Vaticano tem que fazer um trabalho muito melhor para explicar à Igreja universal como o processo sinodal se cruza com as exigências de consistência doutrinária, como todos nós estamos ouvindo uns aos outros não como um exercício sociológico, mas como um meio de ouvir melhor o Santo Espírito. Antes que os líderes do processo sinodal encontrem maneiras de discernir quando as opiniões refletem a ordem do Espírito e quando refletem uma catequese pobre, uma possibilidade que o Papa Francisco levantou na entrevista à America, eles precisam preparar melhor as pessoas para ambas as possibilidades e os resultados que pode seguir. Sempre precisamos nos lembrar de que nossas conclusões devem ser coerentes com o ensino dos apóstolos se quisermos chamá-lo de cristão, mesmo reconhecendo que a coerência é uma categoria mais ampla do que alguns de nossos amigos conservadores permitem.
Nós, nos Estados Unidos, também temos que ser enérgicos em afirmar o que pensamos e sentimos sobre os problemas enfrentados pela Igreja, incluindo os centrais, mas também precisamos estar cientes de que os católicos em outras partes do mundo podem não ter o mesmo conjunto de pontos de contato culturais como nós. A Comunhão Anglicana mundial não foi dividida sobre a questão da ordenação de mulheres, mas foi e continua profundamente dividida sobre a questão da homossexualidade. Não sabemos o que será turbulento para o nosso processo sinodal, mas precisamos valorizar a unidade da igreja tanto quanto qualquer questão específica. O adjetivo “um” está no credo por uma razão.
A direita católica também deve aderir ao processo. O National Catholic Register continua publicando as reportagens sobre os sucessos do processo sinodal do correspondente de Roma, Edward Pentin, enquanto o principal âncora de notícias da EWTN, Raymond Arroyo, regularmente faz piadas de todo o exercício, entrevistando uma série de críticos papais e sinodais sobre o assunto, como o cardeal Gerhard Müller e dom Athanasius Schneider, bispo-auxiliar de Astana, Cazaquistão. Este é um grave desserviço aos católicos conservadores, cujas vozes também precisam ser ouvidas neste processo sinodal. Há conservadores que vivem à margem também.
Este ano, escrevi várias vezes sobre o processo sinodal, sobre a necessidade de deixar de lado nosso temperamento ativista e orientado para os objetivos próprios; deixar os antolhos ideológicos; por que o Ensino Social da Igreja não pode (ainda!) unir os fiéis; e que o processo sinodal precisa olhar continuamente para fora se quiser ajudar a renovar a Igreja. Continuo animado sobre como o Espírito está chamando todos nós para nos inclinarmos para o futuro. A autocrítica não é algo fácil para nenhum de nós em uma era ideológica, mas é vital para que esse processo sinodal floresça.
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Católicos dos EUA precisam administrar as expectativas sobre o sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU