19 Novembro 2022
"Em poucas palavras, Ravasi consegue captar a essência da mensagem bíblica, e muitas vezes a expressa referindo-se a uma vasta gama de escritores", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Riforma, 18-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O livro Il Silenzio di Dio, de Gianfranco Ravasi [1], já foi publicado pela Edizioni Paoline mais de trinta anos atrás, e agora está sendo republicado, em versão revisada e atualizada, pela TS Edizioni: sinal de que não envelheceu, ou seja, que, com o passar dos anos, nada perdeu de seu valor, apesar da tantas e grandes mudanças ocorridas desde o final dos anos 1980, quando foi publicado, e a situação atual do mundo e da Igreja. Afinal, como poderia envelhecer o profeta Jeremias (o livro é uma coletânea de meditações sobre Jeremias), cuja voz que ressoou desde o final do século VI a.C. até a década de 20 do século V, continua a desafiar séculos e milênios, e não deixa de cativar, e até de encantar, mas também de assustar, e até de escandalizar quem o lê?
O livro de Jeremias, que depois do Livro dos Salmos, é o mais longo de toda a Bíblia (52 capítulos e 21.981 versículos), é um verdadeiro compêndio de toda a mensagem bíblica: de fato, encontramos juízo e salvação, condenação e perdão, infortúnio e graça, engano e verdade, incredulidade disfarçada de religião e fé autêntica, profecia falsa e verdadeira, velha e nova aliança, desespero e consolação, ilusão e esperança, derrota e vitória, capitulação e resistência, traição e fidelidade, o amargo destino pessoal do profeta, odiado em sua pátria, expulso e morto no exílio, e o destino coletivo e muito amargo do povo de Israel deportado para a Babilônia, a confiança vã na instituição religiosa ("Este é o templo do Eterno! O templo do Senhor! O templo do Eterno!" – 7, 4) e autêntica a confiança em Deus (que não é o Templo!), a palavra de Deus falsificada, que diz o que o povo quer ouvir, e a palavra genuína de Deus que diz o que o povo não quer ouvir (quanto é difícil distingui-las! Como se assemelham formalmente!), os altos e baixos da vida e da fé, com os seus momentos críticos de desânimo até à depressão, e os seus momentos felizes em que se recuperam o ânimo, a confiança e as forças.
E acima e no meio de tudo isso a irredutível e invencível palavra de Deus – “Acaso minha palavra não arde como fogo?”, diz o Senhor. “Não é como martelo que despedaça a rocha?” (23, 29) – da qual Jeremias carrega sozinho o fardo extremamente pesado, do qual gostaria de se livrar, mas não pode, porque, “Mas, se eu digo: ‘Não o mencionarei nem mais falarei em seu nome’, é como se um fogo ardesse em meu coração, um fogo dentro de mim. Estou exausto tentando contê-lo; já não posso mais!” (20, 9).
De tudo isso e muito mais encontrarão um eco fiel no comentário ao livro de Jeremias em forma de breves meditações de Gianfranco Ravasi, que ama a Bíblia e, amando-a, compreende-a e tem o dom de saber explicá-la, como poucos em nosso país.
Sua língua é límpida, como seu pensamento; a verdade e a graça da Palavra de Deus emergem tão facilmente das antigas páginas da Bíblia em todo o seu frescor, também em virtude do excelente conhecimento do autor da língua hebraica. O título do livro é O silêncio de Deus, que pode ser de dois tipos: o primeiro é o silêncio de Deus que se cala, enquanto falam aqueles que se dizem seus ministros, mas são falsos profetas, que "fazem sua própria língua falar”, mas dizem: “Deus diz”, ou “Oráculo do Eterno” (23, 31.34). O segundo tipo de silêncio é a recusa (temporária) de Deus em falar, em responder a determinadas orações que ele nem mesmo escuta, e escolhe um silêncio mais eloquente do que qualquer discurso.
Na época de Jeremias, o primeiro tipo de silêncio está em evidência.
O livro em si consiste em 180 textos muito curtos (meia página cada) sobre versículos separados, relatados em cada página e retirados de quase todos os capítulos de Jeremias: 41 de 52 (p. 11-190).
Seguem-se duas conclusões, sobre dois “registros temáticos” diferentes (como os chama o autor): o sofrimento, captado e descrito pelo profeta “em todas as suas iridescências obscuras e até dramáticas” (p. 193); e a esperança, "que é expectativa, confiança, aurora da luz" e é ilustrada por uma comovente parábola moderna escrita por Ennio Flaiano para sua filha Luisa gravemente doente (p. 200-201).
Nas 180 meditações cotidianas encontrarão todos os grandes temas desse profeta verdadeiramente único pela riqueza e profundidade da mensagem, bem como ilustração viva da solidão e de estrada tortuosa e acidentada, uma verdadeira via sacra, de quem não pode deixar de levar uma Palavra de Deus incômoda e impopular a um povo que nem mesmo quer ouvi-la.
Em poucas palavras, Ravasi consegue captar a essência da mensagem bíblica, e muitas vezes a expressa referindo-se a uma vasta gama de escritores: de Ésquilo a Kahlil Gibran, de Sêneca a Proust, de Jerônimo a Kafka, de Kierkegaard ao poeta Giorgio Caproni, do filósofo David Hume a Maurice Blondel, de Dostoiévski ao teólogo luterano Gerhard Ebeling, de Georges Bernanos a Dietrich Bonhoeffer, e assim por diante.
Há nas páginas desse livro um aspecto característico que frequentemente se repete nos livros de Ravasi e nunca deixa de surpreender. É um conjunto de vozes que se conjugam para realçar e dar maior relevo à variegada mensagem que nos é transmitida por Jeremias, no meio de tantas duras provações e sofrimentos. Depois de ouvi-la, nunca mais se é o mesmo. O livro que apresentamos aqui nos ajuda a escutá-la.
[1] Gianfranco Ravasi. Il silenzio di Dio: meditazioni sul mistero del male e il coraggio della speranza. Milano, TS Edizioni, 2022, p. 204.
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O Silêncio de Deus segundo Jeremias. Artigo de Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU