07 Novembro 2022
"É hora de a governança internacional repor oxigênio aos três valores da Revolução Francesa começando pela fraternidade: uma força que pode mudar o mundo desacelerando a crise climática", escreve Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (Giunti e Slow Food Editore), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre ecologia integral e o destino do planeta, em artigo publicado por La Stampa, 06-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje começa a COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egito. Passados 6 anos, a conferência mundial do clima retorna ao solo africano: continente que historicamente contribuiu com menos de 4% das emissões globais, mas que perde entre 5 e 15% do PIB precisamente pelo seu aumento. Talvez a única nota interessante desta COP seja a presença do novo presidente brasileiro Lula, para testemunhar seu compromisso de colocar a salvo a Amazônia do desastre feito por seu antecessor Bolsonaro.
De resto, as COPs são um filme que já foi visto: durante dez dias, os líderes mundiais se reúnem e discutem ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas (as duas principais linhas de soluções à nossa disposição) e, em seguida, prontamente retornam cada um aos seus próprios países, esquecendo quase totalmente os compromissos assumidos.
Este é o fracasso de um multilateralismo não vinculante que me faz acreditar cada vez mais que em uma época complexa de crises globais interconectadas, a melhor maneira de fornecer soluções é através de ações locais. Também porque se não decidirmos mudar seriamente a trajetória, a cada ano que passa, as margens de mitigação de que dispomos para frear a velocidade com que a crise avança diminuem cada vez mais.
O que aconteceu em 2022 é prova disso: enquanto a Europa vivia o verão mais quente dos últimos 500 anos e o Marrocos a pior seca em 40, um terço do Paquistão foi completamente submerso por violentas chuvas aluviais que causaram quase 2.000 mortos e nos Estados Unidos o furacão Ian atingiu o litoral sul da Flórida com violência nunca vista, deixando 2 milhões de pessoas sem eletricidade por dias.
Ninguém está imune aos efeitos desastrosos da crise climática: nem os países ricos do norte global muito menos os emergentes do sul global. Resumindo: estamos todos à mercê da mesma tempestade.
Mesmo que, como sempre, a pagar os maiores custos são os pobres que empreendam rotas migratórias porque suas terras estão cada vez mais áridas e improdutivas. O problema é que essa tempestade foi causada principalmente pelo rico mundo ocidental que agora navega em embarcações bastante confortáveis e seguras, enquanto os habitantes dos países do sul pagam as maiores consequências e tentam não afundar em jangadas improvisadas.
Gostaria de sublinhar este ponto porque provavelmente o dossiê mais crítico das negociações da COP27 será aquele relativo ao instrumento de financiamento climático chamado "perdas e danos", que compromete as grandes economias a apoiar as mais pobres na reparação das consequências da crise climática. Trata-se de um aspecto que permaneceu em stand-by durante a COP do ano passado em Glasgow devido a muitas queixas dos países mais ricos que, enquanto ganham dinheiro com empréstimos para o financiamento climático (valor de cerca de 48,6 bilhões de dólares), acentuam ainda mais as desigualdades ao alimentar a espiral da dívida nos países em desenvolvimento.
Tudo isto é ainda mais importante no momento histórico particular que vivemos: com a inflação em alta e a crise energética europeia criada pela guerra na Ucrânia, pressiona o continente africano a compensar o abastecimento de gás ucraniano aumentando os investimentos em combustíveis fósseis (oportunidades de crescimento do PIB) que são depois vendidos à Europa e cujo ganho é parcialmente utilizado para pagar a dívida pública do Estado. Tudo isto, num mundo cada vez mais próximo do ponto sem volta, com um aumento estimado das temperaturas de 2,8° até o final do século devido ao ritmo insuficiente de redução das emissões, é absolutamente ilógico e esquizofrênico.
Não percebemos que um aumento do PIB hoje é inútil se não pudermos aproveitar esse crescimento amanhã porque o mundo será inabitável. Espero, portanto, que os líderes reunidos em Sharm el-Sheikh abram os olhos e consigam finalmente chegar a um acordo sério para a compensação das perdas e dos danos. Assim como também espero que a grande novidade desta COP, que é um pavilhão inteiramente dedicado à discussão do tema agroalimentar (um setor que, lembro, contribui com 37% das emissões de CO2) não seja de fato uma bela operação de greenwashing.
As multinacionais alimentícias têm de fato um forte interesse em continuar controlando os hábitos alimentares dos africanos, e não só, com monoculturas intensivas de sementes patenteadas e dependentes de agrotóxicos. O risco de isso acontecer é alto.
Concluo com uma reflexão ousada e utópica, mas que considero importante também à luz das controvérsias relacionadas a esta COP27 que acontecerá em um país governado por uma ditadura que é a terceira do mundo em número de execuções (Anistia Internacional) e violações de direitos. É hora de a governança internacional repor oxigênio aos três valores da Revolução Francesa começando pela fraternidade: uma força que pode mudar o mundo desacelerando a crise climática.
Historicamente, de fato, o peso foi dado primeiro à liberdade, depois à igualdade e, por fim, à fraternidade. Mas atenção porque o excesso de liberdade mata a igualdade, e o liberalismo dominante é prova disso: um excesso de liberdade que privilegia os mais ricos e fortes e gera injustiça aos mais pobres.
Institucionalizar a igualdade, então, também pode significar privar-se de parte da liberdade e privilégios individuais em prol de um bem comum maior. No entanto, tudo isso só pode acontecer se recuperarmos a fraternidade, que é o elemento que nos permite realizar plenamente os ideais de liberdade e igualdade de forma não conflitiva e participativa.
Na COP27, os líderes mundiais serão capazes de parar de virar as costas para o vizinho pisoteando seus direitos? Entenderão que a humanidade só escapará do desastre climático ao se reconhecer como parte de uma comunidade fraterna de destino universal que vai além das dinâmicas econômicas e sociais profundamente materialistas e começa realmente a cooperar? Com uma esperança tênue e ilusória, fico na expectativa do que resultará do encontro egípcio.
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Para salvar o clima, os Estados devem redescobrir a verdadeira fraternidade. Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU