14 Outubro 2022
"Distinguimos entre o país real e a classe política, e dentro deste os meios de comunicação de massa que precisam se decidir a dar todas as notícias: para a classe política parece-me ouvir a rádio Berlim de 1943, a política é para continuar o conflito a qualquer custo, mas ao mesmo tempo diz que também quer a paz. Isso em Florença seria definido como querer o barril cheio e a esposa bêbada. Enquanto o país real quer a paz. Tanto o fim do conflito quanto a trégua podem se materializar, mas neste momento há apenas um obstáculo, a vontade estadunidense de continuar com a guerra”.
O professor Franco Cardini está, como muitas vezes acontece, fora do coro.
A entrevista com Franco Cardini é de Maria Berlinguer, publicada por La Stampa, 13-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Desculpe, mas é Putin que invadiu a Ucrânia.
É claro. Mas no discurso oficial de 30 de setembro passado, quando estipulou a entrada unilateral com referendos fraudados como sempre na história, Putin disse que estava pronto para sentar em uma mesa de paz e acrescentou, fato mais alarmante, "como foi dito muitas vezes”. Eu nunca tinha ouvido isso pelas nossas mídias, e veja bem que sou atento. Leio jornais também estrangeiros. Por que esse detalhe foi ignorado por nossos políticos e pela mídia? Por que ninguém levou em consideração a possibilidade? Evidentemente querem continuar a guerra. O presidente Biden repete que Putin agora se sente encurralado. Três meses atrás parecia que tinha uma doença incurável, dois meses atrás era louco de atar e agora está encurralado. Biden impõe novas condições, mas é uma zombaria.
Em que sentido?
As pessoas estão morrendo, o presidente da Ucrânia está enviando ao massacre seu povo de uma maneira indecorosa. Temos que fazer com que parem. Esqueça se Putin é um ditador ou um criminoso, mas quando alguém dá um passo é preciso forçá-lo a dar o segundo, a única forma de obrigar na democracia a negociar e dar o segundo passo para que quem deu o primeiro dê o terceiro.
O mundo pacifista está dividido.
Admiro tudo que é generoso, mas não basta dizer vamos assinar a paz, é preciso obrigar os beligerantes a negociar e, por enquanto, o único beligerante que não quer negociar é Biden, porque Zelensky é um beligerante por procuração. A chave do problema está nas mãos de Biden. Por quê?
O governo estadunidense quer condicionar toda a Ásia, através da Rússia, a China e ao mesmo tempo quer atingir a Europa que é o seu concorrente econômico e financeiro. É a Europa que sofre as consequências das sanções, a Rússia não vai bem, mas até certo ponto, somos nós que estamos em apuros. A primeira-ministra in pectore finge não perceber, mas entende muito bem dessas coisas. Quanto tempo poderíamos durar e levar adiante? Eu me pergunto.
Você acha que Giorgia Meloni vai recuar sobre o atlantismo uma vez no governo?
Ela nunca, jamais, mudará sua atitude em relação à política externa, sabe muito bem que sua única possibilidade de continuar sendo primeira-ministra é se grudar totalmente aos Estados Unidos. Enquanto se grudar a Biden, seus adversários e os seus falsos aliados a deixarão governar. O boss está em Washington. Enquanto ela for a plenipotenciária do secretário de Estado dos EUA na Itália, ninguém vai tocá-la. Claro, porém, Meloni também falou do modelo polonês, ela disse que não vai abandonar a Hungria, confirmou o acordo com Vox. Não concorda com o mainstream da Europa.
O conflito lembra uma guerra do passado?
Isso me lembra o papelão feito pelo general Colin Powell, que era uma ótima pessoa, quando o obrigaram a mostrar as provas falsas sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Nossos políticos estão tentando nos fazer acreditar que Putin é o único responsável pela situação atual, mas temo que daqui a alguns anos ficaremos sabendo algo semelhante ao que Tony Blair confessou anos depois do Iraque.
Você espera que a paz seja alcançada dentro de um prazo razoável?
Não acredito, Biden está cego por sua limitada capacidade de intuição política.
No próximo mês haverá a manifestação do Acli ao qual Conte aderiu. Não teria sido justo se começasse ou terminasse em frente à embaixada russa?
Sim. É evidente que não basta ir diante da embaixada estadunidense, embora eu acredite que o governo que atualmente está com as rédeas da questão seja o estadunidense. Se eles realmente querem negociar a paz, isso pode ser feito em poucos dias.
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“O país real quer a paz. Hoje o único obstáculo é a vontade estadunidense”. Entrevista com Franco Cardini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU