07 Outubro 2022
Publicamos aqui duas perspectivas sobre os esforços do papa para acabar com a guerra na Ucrânia – uma de um historiador da religião e outra de um cientista político.
O Papa Francisco fez um apelo sem precedentes ao presidente russo no último domingo e condenou a anexação de quatro regiões ucranianas por Moscou.
“Depois de sete meses de hostilidades, usemos todos os meios diplomáticos”, disse ele, enquanto exortava “todos os protagonistas da vida internacional” a tomar “iniciativas de diálogo” contra a “loucura” da guerra.
Dois pesquisadores respondem à pergunta: “Qual será o efeito dos esforços do papa para acabar com a guerra na Ucrânia?”.
O primeiro comentário é de Laura Pettinaroli, historiadora das religiões e diretora de estudos para as eras moderna e contemporânea da Escola Francesa de Roma.
O segundo é de François Mabille, cientista político especializado em geopolítica das religiões; é diretor do Observatório Geopolítico da Religião do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris.
As entrevistas são de Loup Besmond de Senneville e Marguerite de Lasa, publicada por La Croix, 04-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A intervenção do papa no domingo está, até certo ponto, alinhada com as intervenções de seus antecessores durante conflitos agudos. Foi comparado por alguns ao de João XXIII em outubro de 1962 durante a crise dos mísseis cubanos.
Naquela época, como no domingo passado, foi uma intervenção falada abordando uma grave crise em andamento. A União Soviética estava envolvida, e a questão nuclear também era uma preocupação central. João XXIII denunciou, assim como o papa no domingo, os horrores da guerra.
Francisco denunciou a guerra como um “horror”, com seus “rios de sangue”, mas também um “erro” e uma “loucura”, cujas consequências atingem os mais frágeis, especialmente as crianças.
O ponto, que envolve palavras explícitas para dramatizar a violência da guerra, também foi central para Bento XV (1914-1922) e Pio XII (1939-1958). Destina-se a recordar o horizonte fundamental da unidade e da solidariedade do gênero humano.
Além disso, ao denunciar as ações russas que contrariam os princípios do direito internacional, Francisco estava seguindo uma tradição da diplomacia vaticana que se firmou na década de 1960, quando o papado realmente entrou no jogo da ONU, garantindo presença na Assembleia Geral da ONU ao promovendo fortemente o multilateralismo, bem como os direitos das minorias.
Esta é uma plataforma legal antiga, mas que a Igreja Católica tem abraçado cada vez mais nos últimos 60 anos.
Um terceiro aspecto é que, ao pedir aos presidentes russo e ucraniano, bem como aos líderes políticos mundiais, que parem a guerra por meio de canais diplomáticos ainda não utilizados, Francisco reitera implicitamente sua oferta de mediação.
Desde o início desta guerra, o Vaticano assumiu regularmente essa posição, assim como Leão XIII (1878-1903) e Bento XV em seu tempo.
Quanto à dimensão espiritual, também não está ausente, pois Francisco se refere ao santuário de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, dedicado à paz. Foi consagrado em 1901 por Leão XIII, um papa que tinha no coração o desenvolvimento das mediações lideradas pela Santa Sé.
É difícil avaliar se o apelo do Papa Francisco será eficaz.
Em 1962, o apelo de João XXIII teve um efeito real, tanto na opinião pública quanto como força motriz para uma relativa distensão entre a Santa Sé, a União Soviética e a Igreja Ortodoxa Russa.
Quanto a Bento XV, muitos consideram que seu apelo pela paz durante a Primeira Guerra Mundial foi ineficaz. Este foi o caso no curtíssimo prazo para o verão de 1917.
Mas os argumentos apresentados pelo papa foram retomados em 1918 pelo presidente americano Woodrow Wilson em seus 14 pontos necessários para obter a paz.
A declaração do papa no domingo tem dois significados essenciais.
Para os católicos, especialmente os ucranianos, ele se apresenta como mediador, falando, pela primeira vez, com muita veemência contra Vladimir Putin.
Esta declaração contribui para reequilibrar suas posições anteriores sobre a guerra na Ucrânia, permitindo-lhe sair dos erros de análise que cometeu desde o início do conflito.
As posições que assumiu desde fevereiro mostram uma incompreensão da realidade do regime russo e do papel desempenhado pelo patriarcado de Moscou como seu suporte ideológico. No início do conflito, Francisco também não conseguiu identificar o agressor.
Aqui, a principal diferença com suas declarações anteriores é que Francisco finalmente se refere ao direito internacional e condena a anexação de quatro regiões ucranianas por Moscou. Ele adota uma posição papal clássica, pedindo paz, mediação e o fim do conflito, dirigindo-se diretamente a ambos os protagonistas.
Mas não acho que sua declaração terá qualquer impacto no conflito em si.
O papa mais uma vez se apresenta como mediador e homem de diálogo, mas, como os políticos, isso é extremamente difícil. A partir do momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia, a diplomacia do Vaticano tornou-se tão impotente e constrangida quanto a diplomacia de Estado.
O papa mais uma vez clama – talvez de maneira um tanto desesperada – por diálogo e paz, enfatizando os riscos de uma escalada nuclear.
No entanto, nesse contexto, essa postura é interessante na medida em que não ouvimos nenhuma proposta de saída da crise por parte dos líderes políticos, que se limitam a respostas militares.
Isso levanta questões sobre que tipo de posição a Santa Sé está tomando. Estamos esperando uma palavra religiosa ou política do papa? A Igreja deve assumir uma postura geopolítica ou deve continuar sendo uma resposta humanitária? Desde o início do conflito, Francisco oscilou entre essas posições.
Seria interessante entender aqui como se elaboram as posições do papa, entre o que vem de suas convicções pessoais e o que vem da Secretaria de Estado, ou de outras redes, como os jesuítas, por exemplo.
Dom Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações Exteriores, assumiu uma posição diferente do papa em maio, afirmando que a Ucrânia tem o direito de se defender dentro de certos limites.
As convicções pessoais de Francisco, que quer ser um homem de paz, sem dúvida dominaram suas declarações em detrimento da posição da Secretaria de Estado.
Este último é muito mais diplomático, profissional e alinhado com a posição da Igreja sobre a autodefesa armada.
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O que o Papa Francisco pode fazer para deter Putin? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU