“Reconhecer e valorizar o protagonismo dos jovens na comunidade eclesial e na sociedade como agentes de transformação” e lança como desafio: "temos longo caminho a percorrer. As comunidades cristãs devem 'criar' estes espaços para os adolescentes e jovens. Os adolescentes e jovens, quando perceberem que não têm este espaço, devem ´conquistar´, ´exigir´ até que consigam. Quando é conquistado, tem ainda mais valor", recorda dom Luiz Fernando Lisboa, bispo de Cachoeiro de Itapemirim (ES), ao falar, neste artigo, da primeira prioridade da Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe.
Segundo ele, "para que este caminho da Sinodalidade seja realmente autêntico, é fundamental a participação e a contribuição dos Jovens na missão da Igreja, especialmente trazendo o que eles têm de melhor: a provocação, a inquietação e a alegria".
Este é o quarto texto da iniciativa do Serviço Teológico-Pastoral, de publicar quinzenalmente artigo de opinião que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco. O Instituto Humanitas Unisinos – IHU acolheu o convite de participar desta iniciativa.
Veja os outros artigos da série: O milagre de Aparecida, Igreja em saída para as periferias: “caminhar juntos” na missão e Sinodalidade e o entrave da cultura patriarcal
A Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe e o Sínodo sobre a Sinodalidade tiveram início na mesma época: Outubro e Novembro de 2021. Os dois acontecimentos são processos abertos, iniciados, mas sem data de conclusão. São um verdadeiro desafio colocar a Igreja Povo de Deus em sinodalidade, a caminho, em missão.
O papa Francisco pediu que a Assembleia Eclesial retomasse Aparecida e assim o fizemos. Na verdade, muitas reflexões da Conferência de Aparecida já tinham sido feitas nas Conferências passadas, sobretudo nas de Medellin e Puebla: a opção preferencial pelos pobres, a opção preferencial pelos jovens, as comunidades eclesiais de base, a centralidade da Palavra, a participação das mulheres, as culturas e a interculturalidade, a missão, entre outras.
A Assembleia Eclesial, com o Documento de Aparecida nas mãos, a partir testemunhos, de reflexões teológico-bíblico-pastorais e dos trabalhos em grupos, alertou nossa Igreja latino-americana para 41 desafios pastorais e, juntos, chegamos à escolha de 12 prioridades, sem deixar de lado os desafios. Entre as prioridades, chamou a atenção que a primeira delas tenha sido: “Reconhecer e valorizar o protagonismo dos jovens na comunidade eclesial e na sociedade como agentes de transformação”.
A Conferência de Medellín (1968) afirmou que "frequentemente os jovens identificam a Igreja com os bispos e os sacerdotes. Por não terem sido chamados a uma plena participação na comunidade eclesial, não se consideram como integrantes da Igreja. A linguagem comum da transmissão da palavra (pregação, documentos pastorais etc.), são-lhes muitas vezes estranhos e por isso não têm influência em suas vidas. Esperam dos pastores que não somente divulguem princípios doutrinais, mas que os provem com atitudes e realizações concretas. Dá-se o caso de jovens que condicionam a aceitação dos pastores à coerência de suas atitudes com a dimensão social do Evangelho: («...o mundo, disse Paulo VI, nos observa hoje de modo particular com relação à pobreza e à simplicidade de vida…»). (Med 5. Juventudes 1.1.5).
Na Conferência de Puebla (1979) a Igreja fez a “opção preferencial pelos jovens” e afirmou que “confia neles e que eles são a sua esperança” (DP 1186), além de que "os jovens devem sentir que são Igreja, experimentando-a como lugar de comunhão e participação. Por isso, a Igreja aceita suas críticas, por reconhecer-se limitada em seus membros, e os quer gradualmente responsáveis na sua construção até que os envie como testemunhas e missionários, especialmente à grande massa juvenil. Nela, os jovens sentem-se povo novo, o povo das bem-aventuranças, sem outra segurança que a de Cristo; um povo dotado de coração de pobre, contemplativo, em atitude de escutar e discernir evangelicamente, construtor de paz, portador de alegria e de um projeto libertador integral em favor, sobretudo, de seus irmãos jovens". (DP 1184).
Para Puebla, é preciso investir fortemente na Pastoral Juvenil pois "a juventude não se pode considerar em abstrato, nem é um grupo isolado no corpo social. Por isso, ela requer pastoral articulada que permita comunicação efetiva entre os diversos períodos da juventude e continuidade de formação e compromisso depois, na idade adulta" (DP 1204).
Santo Domingo (1992) dá continuidade ao apoio e àquele espaço que os jovens devem ocupar nas suas comunidades e ressalta que "na Igreja da América Latina, os jovens católicos organizados em grupos, pedem aos pastores acompanhamento espiritual e apoio em suas atividades, mas necessitam sobretudo em cada país de linhas pastorais claras que contribuam para uma pastoral juvenil orgânica" (SD 113).
Os bispos em Santo Domingo chegam a prometer: "Nós nos propomos executar as seguintes ações pastorais: – Reafirmar a “opção preferencial” pelos jovens proclamada em Puebla, não só de modo afetivo mas também efetivamente; isto deve significar uma opção concreta por uma pastoral juvenil orgânica, onde haja um acompanhamento e apoio real com diálogo mútuo entre jovens, pastores e comunidades. A efetiva opção pelos jovens exige maiores recursos pessoais e materiais por parte das paróquias e das dioceses. Esta pastoral juvenil deve ter sempre uma dimensão vocacional." (SD 114).
Em Aparecida (2007), a Igreja é chamada a estimular a pastoral dos adolescentes, com suas próprias características, pois o adolescente procura uma experiência de amizade com Jesus (DAp 442) e, além disso, os jovens e adolescentes constituem a grande maioria da América Latina e do Caribe e representam enorme potencial para o presente e o futuro da Igreja e de nossos povos, como discípulos missionários (DAp 443).
Aparecida ainda acentua a importância da Pastoral da Juventude pois ela “ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados” (DAp 446e).
Na Exortação Apostólica Christus Vivit, elaborada depois e como fruto do Sínodo sobre a Juventude (2019), o papa Francisco pergunta: "Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos a todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nossos olhos mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas. Não tenhais medo de ir e levar Cristo a todos os ambientes, até às periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor». E convida-nos a levar, sem medo, o anúncio missionário aos locais onde nos encontrarmos e às pessoas com quem convivermos: no bairro, no estudo, no desporto, nas saídas com os amigos, no voluntariado ou no emprego, é sempre bom e oportuno partilhar a alegria do Evangelho. É assim que o Senhor Se vai aproximando de todos; e pensou em vós, jovens, como seus instrumentos para irradiar luz e esperança, porque quer contar com a vossa coragem, frescor e entusiasmo" (CV 177).
Quando levamos em conta todos os documentos da Igreja que estimulam e valorizam a participação da juventude, todas as últimas JMJs, a recente priorização da Juventude pela Assembleia Eclesial e tantos outros bons propósitos, nos perguntamos: Eles ajudaram ou fizeram realmente a juventude ocupar o seu espaço dentro da Igreja e na sociedade? Sim e Não!
Há comunidades, paróquias, dioceses nas quais a juventude é protagonista e tem grande envolvimento na participação e nas tomadas de decisão. Elas – comunidades, paróquias, dioceses - entenderam o ensinamento de Puebla que afirma que os jovens devem sentir que são Igreja, experimentando-a como lugar de comunhão e participação. E ainda, que, aceitam suas críticas e os quer gradualmente responsáveis na sua construção e os enviam como testemunhas e missionários, especialmente à grande massa juvenil (DP 1184).
No entanto, há muitas comunidades, paróquias e dioceses parecidas com realidades da Europa, onde a participação é maioritariamente de adultos e idosos. Em certas realidades, e não são poucas, a juventude ainda está afastada e não tem vontade de participar porque “incomoda muito”, tamanha a falta de sensibilidade, de acolhida e vontade dos adultos de conviver com esta faixa etária. Muitos jovens não veem nenhum “atrativo” na Igreja. Também é verdade que não se preparam suficientemente pessoas para assessorarem a juventude. Esta assessoria faz muita falta e faz toda a diferença.
Algumas perguntas para ajudar na nossa reflexão:
Ainda:
A Igreja sempre foi conduzida por um adulto, aliás, na maior parte do tempo e nos últimos séculos, por um idoso. Isto, porém, não tira a importância do quanto ela foi ajudada a mudar e avançar a partir da visão e audácia de muitos jovens e muitas jovens que a desafiaram: Paulo de Tarso, Francisco e Clara de Assis, Terezinha do Menino Jesus, Joana D’arc, Agostinho, Rosa de Lima, Carlos Lwanga, entre tantos outros e outras.
A Assembleia Eclesial aponta esta prioridade da Juventude justamente porque temos longo caminho a percorrer. As comunidades cristãs devem “criar” estes espaços para os adolescentes e jovens. Os adolescentes e jovens, quando perceberem que não têm este espaço, devem “conquistar”, “exigir” até que consigam. Quando é conquistado, tem ainda mais valor.
Jovens, adolescentes, adultos, crianças, idosos, vulneráveis, descartados, todos e todas fazem parte deste Povo de Deus a caminho.
O papa Francisco enviou aos Jovens uma belíssima mensagem em preparação para a 37ª Jornada Mundial da Juventude, a realizar-se em Lisboa, em 2023, baseado no texto bíblico de Atos dos Apóstolos 26, 16, quando Jesus diz a Paulo: “Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste!”. Eis o que o Papa propõe aos jovens de hoje:
– Levanta-te e testemunha a tua experiência de cego que encontrou a luz, viu o bem e a beleza de Deus em si mesmo, nos outros e na comunhão da Igreja que vence toda a solidão.
– Levanta-te e testemunha o amor e o respeito que se podem estabelecer nas relações humanas, na vida familiar, no diálogo entre pais e filhos, entre jovens e idosos.
– Levanta-te e defende a justiça social, a verdade e a retidão, os direitos humanos, os perseguidos, os pobres e vulneráveis, aqueles que não têm voz na sociedade, os imigrantes.
– Levanta-te e testemunha o novo olhar que te faz ver a criação com olhos cheios de maravilha, te faz reconhecer a Terra como a nossa casa comum e te dá a coragem de defender a ecologia integral.
– Levanta-te e testemunha que as existências fracassadas podem ser reconstruídas, as pessoas já mortas no espírito podem ressuscitar, as pessoas escravizadas podem voltar a ser livres, os corações oprimidos pela tristeza podem reencontrar a esperança”.
– Levanta-te e testemunha com alegria que Cristo vive! Espalha a sua mensagem de amor e salvação entre os teus coetâneos, na escola, na universidade, no trabalho, no mundo digital, por todo o lado. (Mensagem do papa Francisco em preparação para a 36ª Jornada Mundial da Juventude)
Para que este caminho da Sinodalidade seja realmente autêntico, é fundamental a participação e a contribuição dos Jovens na missão da Igreja, especialmente trazendo o que eles têm de melhor: a provocação, a inquietação e a alegria.