Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 24 Março 2018
Ocorreu nesta semana no Vaticano a reunião Pré-Sinodal com mais de 300 jovens do mundo inteiro. A reunião é preparatória para o Sínodo dos Bispos que ocorrerá em outubro de 2018. O Brasil conta com a participação de três jovens escolhidos pelas expressões juvenis da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, representando as Pastorais da Juventude, movimentos juvenis, congregações e novas comunidades, e dois jovens convocados por outras entidades eclesiais — Movimento Apostólico Schoenstatt Internacional e Fórum de Jovens da Cáritas Internationalis. A proposta desenvolvida para a reunião é de escuta aos jovens de todos os continentes para formulação das diretrizes a serem trabalhadas por padres e bispos que participarão do Sínodo.
A reunião Pré-Sinodal propõe-se ao diálogo direto com a juventude. Os jovens em Roma foram os responsáveis por apresentar os relatórios preparados nos seus países, construídos nas paróquias, grupos e dioceses do documento preparatório lançado em janeiro de 2017. Além do trabalho presencial, o Sínodo abriu o debate pelas redes sociais, incentivando a participação por meio de hashtags no Facebook, Instagram e questionários por e-mail. Ao final da reunião Pré-Sinodal será feito um relatório síntese das discussões.
Pela primeira vez na história um Sínodo trata a juventude como tema. A Igreja faz um movimento de reconhecimento dos atuais limites na evangelização dos jovens. Para isso a preparação desenvolveu-se em três áreas: dinâmicas socioculturais da juventude, fé e discernimento e pastoral juvenil vocacional. A intenção do Sínodo é desenvolver diretrizes que possibilitem o protagonismo juvenil e o acompanhamento dos seus anseios no mundo contemporâneo.
Para fazer uma contextualização do processo desenvolvido pelo Sínodo e debater sobre as expectativas de resultado na atual conjuntura, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU entrevistou por e-mail o Pe. Maicon André Malacarne. Segundo Pe. Maicon, “ouvir é um passo importantíssimo. É um grito da Igreja que quer se aproximar. Sabe que de alguma maneira não responde mais a perguntas que essa geração faz”.
Pe. Maicon Malacarne tem especialização em Juventudes no Mundo Contemporâneo, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - Faje e contribui com o boletim Centinela da Pastoral Juvenil Latinoamericana (Celam). Atualmente é assessor nacional da Pastoral da Juventude (CNBB), coordenador de pastoral da Diocese de Erexim, RS e pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Erechim.
Pe. Maicon Malacarne | Arquivo Pessoal
O Sínodo também será debatido no XVIII Simpósio Internacional IHU — A virada profética de Francisco: Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, que será realizado na Unisinos Porto Alegre entre os dias 21 e 24 de maio de 2018. A Profa. Dra. Carmen Oliveira, o Prof. Dr. Hilário Henrique Dick e o MS Rubens Nunes da Mota estarão na mesa-redonda Juventudes e o Sínodo 2018 — Perspectivas para um debate, no dia 21 de maio, às 14h30min.
IHU On-line — De que forma e com quem o Sínodo tem sido trabalhado no Brasil?
Maicon Malacarne — A CNBB provocou a juventude brasileira a envolver-se na preparação ao Sínodo 2018 nos instrumentos que o material preparatório propunha. A Conferência é responsável por receber e compilar os materiais enviados pelos jovens e, por uma comissão organizada para esse trabalho, enviar à Santa Sé. As Pastorais da Juventude, os Movimentos Juvenis, as Congregações e Novas Comunidades tiveram oportunidade de dizer sentimentos, visões, partilhar anseios e esperanças da juventude do Brasil. Isso era provocado em três dimensões: dinâmicas sociais e culturais, o discernimento para descoberta vocacional e os desafios de uma pastoral juvenil vocacional. As respostas podiam ser enviadas para um e-mail específico. Mais tarde, houve possibilidade de participação também por um questionário on-line.
Para além disso, o Sínodo tem a força de despertar para o debate os assuntos que pauta. Assim, as reuniões, formações, encontros de grupos de jovens (e outros) também foram e continuam sendo espaços para conversar sobre a temática da juventude, da fé e do discernimento vocacional. O material preparatório ajuda nesse sentido.
IHU On-line — A Igreja de hoje é capaz de despertar alguma esperança nos jovens? De que forma?
Maicon Malacarne — Talvez a esperança maior que o Sínodo propõe é ouvir a juventude. Estão sendo escutados, nessa etapa preparatória, jovens católicos, mas não só. Jovens de outras religiões, jovens sem religião e jovens ateus estão na roda de conversa. A Igreja quer ouvir. Quando se coloca numa atitude de escuta, também se reconhece humilde, limitada e aberta a novidade que a juventude coloca. Claro, não basta ouvir, precisa acolher, precisa deixar-se converter. Ouvir é um passo importantíssimo. É um grito da Igreja que quer se aproximar. Sabe que de alguma maneira não responde mais a perguntas que essa geração faz. Sabe que suas respostas não impactam mais a vida deles. Para isso, precisa ouvir/aproximar. Isso para mim gera esperança.
IHU On-line — A Igreja é capaz de ouvir a juventude em assuntos tão presentes para eles e ainda pouco debatidos na realidade eclesial, como afetividade e sexualidade, feminismo e os movimentos LGBTTI?
Maicon Malacarne — Quando dizemos querer ouvir, a atitude não pode ser parcial. Não é possível ouvir somente aquilo que se “quer”. O papado de Francisco, numa proposta de abertura e de fidelidade ao Evangelho, naquilo que ele chama de “Igreja em saída”, quer nos levar para esses “terrenos” ainda pouco pautados. É urgente debater temáticas como o feminismo, por exemplo, numa sociedade que se manifesta cada vez mais machista. É importante dizer que pautar significa ter maturidade de partilhar para além das polarizações: sou contra ou sou a favor. Aprofundar exige abertura de quem se coloca nesse movimento. Sim, penso que a Igreja é capaz de ouvir e dialogar sobre temas como os citados e outros mais. Temos espaços que já fazem isso com muita maturidade e que, não raro, são taxados de heréticos, excomungados etc. Geralmente, esses sinônimos vêm de quem não acredita no debate desses assuntos. Repito: aprofundar temáticas da vida das pessoas vai para além da polarização do debate, mas justamente em buscar um caminho de abertura, de discernimento e de contínua aproximação.
IHU On-line — Quais são as demandas da juventude latino-americana no diálogo com a Igreja?
Maicon Malacarne — Parece que a questão central que historicamente aparece no contexto juvenil latino-americano é a atenção à juventude empobrecida. Estamos há quase 40 anos da Conferência de Puebla em que foi pautada a opção preferencial pelos jovens e pelos pobres e essa realidade continua em estado de alerta. Os índices de desemprego dos jovens aumentou (no Brasil, segundo dados do estudo Tendências Globais de Emprego para a Juventude 2017, chega a 30% de desempregados jovens entre 15 e 24 anos). O acesso à educação também continua sendo um desafio. Para além disso, os jovens são as maiores vítimas da violência. Quando se fala em violência contra a juventude negra os números são ainda mais alarmantes (o Mapa da Violência traz dados bem impactantes para o Brasil). Não é difícil de ver que a onda de perda de direitos sociais na América Latina atinge em cheio essa categoria social. O impacto se dá em todas as dimensões da vida, como as citadas acima e outras. No âmbito da espiritualidade, assistimos crescer uma tendência conservadora e individualista. Coloca-se a urgente demanda de uma espiritualidade integral, conectada à vida.
IHU On-line — De que forma as diretrizes para a evangelização da juventude no Brasil, apontadas pelos Documentos 85 e 103 da CNBB, de 2007 e 2013, respectivamente, e a nível latino-americano o Civilização do Amor: Projeto e Missão, de 2012, impactam na sociedade e na Igreja?
Maicon Malacarne — Esses documentos citados, em maior ou menor grau, trazem presente uma perspectiva daquilo que a Igreja Católica propõe na sua ação. Parece que isso já é algo importante. Sistematizar seus conteúdos e práticas ajuda a apontar para um caminho. Ambos os documentos falam em uma perspectiva de educação na fé que leva em conta a formação integral. Isso significa que para a Igreja, além da relação dos jovens com Deus (já é muito pertinente pensar isso com profundidade), também se preocupa com o jovem naquilo que ele é, na sua relação com os outros, com a sociedade, com a política, com tudo que o envolve. A formação integral é algo que a Igreja propõe em qualquer ação com a juventude. Isso é impactante à medida que provoca o protagonismo juvenil nas relações que estabelece com a totalidade das coisas.
IHU On-line — O pontificado de Francisco promove transformações no processo de evangelização da juventude latino-americana e brasileira? Como?
Maicon Malacarne — Papa Francisco propõe uma eclesiologia a partir dos pobres: quero uma Igreja pobre e para os pobres. Retoma, assim, as opções das Conferências Episcopais Latino-Americanas. Talvez essa seja uma transformação que volta em cheio. Provocar a partir dos pobres a fidelidade ao Evangelho. É bom lembrar que a Pastoral da Juventude Latino-Americana também sempre acompanhou com clareza essa opção preferencial.
Outro elemento que merece destaque é a provocação que o bispo de Roma faz para o protagonismo juvenil. Pensar isso, necessariamente, é transformador. Coloca-se a necessidade de espaços que sejam organizados pelos jovens. Para além de jovens que “obedecem” adultos, o protagonismo defendido por Francisco provoca para a organização pastoral a partir e pelos jovens. Sem organização assim não é possível pensar uma ação transformadora com a juventude.
Ainda, Francisco tem provocado para esse Sínodo a questão do discernimento vocacional. Qualquer discernimento exige acompanhamento. Não é alguém que “manda”, é alguém que acompanha. A expressão acompanhar deriva de “comer o mesmo pão”. O discernir exige pessoas próximas, que “comem o mesmo pão da juventude”, para contribuir na construção do seu projeto de vida. Penso que não há como pensar hoje uma pastoral vocacional e uma evangelização da juventude sem pauta, prioritariamente, o protagonismo e o acompanhamento aos projetos de vida.
Por fim, acho que ainda vale destacar o último livro escrito por Francisco que se chama Deus é jovem (2018). De alguma maneira, Francisco apresenta a juventude como uma realidade teológica. Há mais tempo essa é uma perspectiva apontada pela Pastoral da Juventude Latino-Americana. Vale lembrar de um ícone desse pensamento que é o jesuíta Pe. Hilário Dick — destaque para o livro O divino no jovem (São Paulo: CCJ, 2009). Apresentar essa realidade é dizer que em toda juventude se revela Deus.
IHU On-line — O Sínodo propõe um diálogo com a juventude via redes sociais. Quais as expectativas com relação a esses debates? E, em um momento de avanço dos discursos violentos entre os jovens nessas mídias, como evitar que o diálogo seja contaminado?
Maicon Malacarne — A pergunta é muito exigente. Não podia ser diferente a proposta do Sínodo de embarcar no diálogo pelas redes sociais. É uma das realidades mais concretas da juventude. Precisa acontecer ali o debate. Muitos jovens se escondem nesse espaço para dizer aquilo que não conseguem dizer no off-line. É um campo também em disputa. Penso que não há “receitas mágicas” de como isso pode ser feito. É necessário compreender a realidade dos discursos violentos que as redes revelam e buscar os elementos que extrapolam. Não dá para negar que, mesmo nesse contexto, as redes são uma das dimensões mais reais da realidade juvenil e, assim, podem contribuir na proposta sinodal.
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A Igreja é capaz de escutar e 'esperançar' a juventude? Entrevista com Maicon Malacarne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU