19 Setembro 2022
"Infelizmente há milhares que não ouvem esse conselho e todos os anos se matam. Mas o problema subjacente também permanece para outros. Até quando conseguiremos mascarar a crise de fins e de sentido que está devorando não as sociedades mais pobres, mas as mais ricas, as nossas?", escreve Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, na Itália, em artigo publicado originalmente no sítio da arquidiocese e republicado por Settimana News, 18-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Poucas pessoas sabem que o dia 10 de setembro é considerado em todo o mundo como um dia de prevenção ao suicídio, criado em 2003. Segundo a International Association for Suicide Prevention (IASP), associação internacional filiada à Organização Mundial da Saúde - OMS, que lida com esse problema todos os anos no mundo, os suicídios são responsáveis por mais de 800 mil mortes: um suicídio a cada 40 segundos, e são a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos.
Deve-se também considerar que, para cada morte por suicídio, estima-se que mais de vinte pessoas tentaram tirar a própria vida sem sucesso e ainda mais aqueles que pelo menos uma vez na vida pensaram seriamente sobre fazê-lo.
No que diz respeito à Itália, de acordo com os últimos dados disponíveis, cerca de quatro mil pessoas cometem suicídio todos os anos, a maioria (quase 80%) homens. Em geral, as taxas de mortalidade por suicídio são maiores nas regiões norte e nordeste, enquanto os valores mais baixos são registrados nas regiões meridionais, tanto para homens quanto para mulheres.
É impressionante que o suicídio, na Itália, represente a segunda causa de morte mais frequente entre homens entre 15 e 29 anos, com um número de vítimas semelhante ao causado por tumores (13% do total) e apenas inferior ao causado por acidentes rodoviários (35% do total); para as mulheres da mesma idade, por outro lado, a mortalidade por suicídio ocupa o terceiro lugar no ranking de causas de morte, com proporção semelhante à das doenças cardiovasculares (8% do total) e precedida apenas pelos óbitos por câncer (26 %) e por acidentes rodoviários (24%).
O fenômeno, apesar da dificuldade de se dispor de dados seguros e atualizados, parece ter se agravado ainda mais com a pandemia e com o profundo desconforto causado pelas limitações a ela vinculadas. Foi assim também em outros países. 44% dos adolescentes, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, no início de 2021 se sentiam sem esperança e continuamente tristes.
De acordo com o ISTAT, nesse mesmo ano na Itália havia 220 mil jovens entre 14 e 19 anos que estavam insatisfeitos com suas vidas e, mais geralmente, numa condição de baixo bem-estar psicológico. Se, de fato, os muito jovens foram os menos afetados pelos efeitos físicos da pandemia, foram profundamente atingidos pelos confinamentos e pelas limitações que estes acarretaram em termos de relações sociais.
Basta pensar nas modalidades do ensino a distância, em que a atividade escolar se realizou por muito tempo - normalmente uma das principais ocasiões de relacionamento pessoal entre crianças e adolescentes -, para perceber o preço que nossos jovens tiveram que pagar nesses últimos dois anos. Isso sem falar nos obstáculos às atividades mais propriamente ligadas ao tempo livre e ao lazer.
É compreensível que os únicos pedidos de ajuda recebidos no ano passado no Telefono Amico Italia de pessoas com pensamento suicida ou preocupadas com o possível suicídio de um conhecido tenham crescido 55% em relação a 2020 e quase quadruplicado em relação a 2019, antes da pandemia.
Mais uma vez, os dados relativos aos jovens são particularmente preocupantes: 28% dos pedidos de ajuda são de menores de 26 anos. E 2022 não parece trazer melhorias: no primeiro semestre, os pedidos de ajuda foram mais de 2.700, 28% de jovens até 25 anos.
Para além deste agravamento ligado à pandemia, as causas pelas quais uma pessoa - em particular um jovem - tira a vida ou tenta fazê-lo são obviamente as mais diversas. Como podem ser diferentes os fatores concomitantes que facilitam tal escolha. De qualquer forma, sem falar em verdadeiras doenças mentais - os dados de que dispomos excluem isso -, é claro que quem realiza esse gesto extremo costuma viver em uma situação psicológica de extremo desconforto.
Daí uma série de conselhos de bom senso fornecidos pelos especialistas da Associação para a Prevenção de Suicídios a quem está ao lado de alguém que parece estar passando por esse problema. No entanto, cabe se questionar se, para além das motivações particulares, não existe uma ligação mais profunda entre essa tendência generalizada ao suicídio e a condição mais geral dos homens e mulheres, sobretudo dos jovens - do nosso tempo.
Chama a atenção que o fenômeno diga respeito principalmente às sociedades capitalistas mais avançadas (fora da zona ocidental, afeta fortemente o Japão) e, na Itália, as regiões economicamente mais desenvolvidas. A experiência cotidiana nos mostra, principalmente no mundo dos jovens, que o enorme aumento das oportunidades - computadores, celulares, viagens - favorece uma precocidade cada vez maior das novas gerações em relação às anteriores, mas ao mesmo tempo é acompanhada de uma fragilidade igualmente evidente.
É como se o aumento exponencial dos meios à disposição gerasse uma crescente incerteza sobre os fins para os quais vale a pena utilizá-los. Nossa sociedade oferece tudo, exceto um sentido que tenha validade para dar valor e significado ao que está agora ao alcance da mão. A disseminação do consumismo selvagem, que, com o declínio da pandemia, retomou a sua corrida imparável, é provavelmente uma resposta a essa situação íntima de desconforto. Tentamos preencher com objetos, ou com comida (os restaurantes foram os primeiros a voltarem a ficar lotados, após o lockdown) o vazio sem nome que acompanha as pessoas desde a mais tenra idade.
O lugar que antes era ocupado pela religião agora está vago (ao contrário dos locais de diversão física, as igrejas permaneceram semidesertas), mas não parece haver algum substituto. Certamente não a política: são sideralmente distantes os tempos em que os jovens contestavam o sistema em nome das teorias de Marcuse.
Hoje, a maioria deles não dá a mínima para política, e mesmo aqueles que vão votar muitas vezes o fazem sob a pressão de motivações contingentes. Ninguém mais pensa que quer ou pode explodir a banca do mundo capitalista e se contenta em sentar à mesa de jogo na esperança de receber boas cartas. Quando não tenta até garantir as próprias chances de sucesso às custas de jogadores mais fracos, impedindo-os de vir jogar conosco ou mantendo-os em uma situação de inferioridade.
Nem mesmo os objetivos tradicionais da vida privada, ligados à família, parecem ter sobrevivido a essa grande crise de sentido. O amor continua a ser falado nas canções, mas é cada vez mais difícil concebê-lo em termos daquela responsabilidade mútua que antes era chamada de fidelidade.
Hoje, na maioria dos casos, "fica-se juntos enquanto estiver bom ficar juntos". Isso leva muitos a preferir a coabitação ao casamento. Mas mesmo quando há casamento, agora existe o divórcio "rápido". De qualquer forma, se um dos dois mudar de ideia, pior para o outro.
Isso explica por que, na Itália, cada vez menos filhos estão nascendo. Pode-se tomar distância do presente, relativizando os vínculos; do futuro seria mais difícil fazê-lo. Não podemos dizer a um filho que vamos ficar com ele enquanto estiver bom ficar com ele.
Resta viver o “momento fugaz”, que, no entanto, está exposto a todas as contradições e frustrações a que estamos expostos no dia a dia.
Daí a corrida para se desligar como for possível nas noitadas na discoteca ou nos bares e atrás do último produto da moda, agarrando-se ao celular para trocar palavras que muitas vezes são conversas vazias. Esse mal-estar existencial radical com a vida pode assumir a forma extrema de uma escolha de morte. Mas talvez já uma vida consignada a esses mecanismos a assoma, tornando-a quase supérflua.
Como dizem, com amarga ironia, em uma canção de Battiato, significativamente intitulada “Um breve convite para adiar o suicídio”: “Ok, você está certo, / se você quer se matar. / Viver é uma ofensa / que desperta indignação... / Mas por enquanto, adia... / é só um breve convite, adia. / (...) Essa aparência de vida / tornou o suicídio antiquado. / Esta aparência de vida, senhor, / não a merece... / Apenas uma melhor".
Infelizmente há milhares que não ouvem esse conselho e todos os anos se matam. Mas o problema subjacente também permanece para outros. Até quando conseguiremos mascarar a crise de fins e de sentido que está devorando não as sociedades mais pobres, mas as mais ricas, as nossas?
No entanto, fala-se de tudo – a pandemia e as vacinas, a guerra na Ucrânia, as sanções, a crise do gás e o aumento das contas de luz, as próximas eleições – mas nunca sobre esta crise. Não que aqueles temas não sejam importantes e urgentes. Mas não são eles que podem dar ou tirar sentido às nossas vidas e às de nossos filhos.
Então, neste dia dedicado à prevenção, vamos voltar a falar sobre isso também. Talvez os primeiros a fazer deveriam ser aqueles que creem, padres ou leigos, católicos ou não. Mas o encontro com o sentido da vida não diz respeito apenas a quem segue uma religião. Todos somos chamados a buscá-lo. Conscientes de que o maior presente que podemos dar aos mais jovens hoje já é o testemunho dessa busca.
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Por que os jovens se matam? Artigo de Giuseppe Savagnone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU