“Quanto mais forte a ilusão, mais é provável que haja depressão”. Entrevista com Juan-David Nasio

Fonte: Flickr

20 Julho 2022

 

La depresión es la pérdida de una ilusión. É a definição contundente e simplificada do psiquiatra e psicanalista franco-argentino Juan David Nasio, que repetirá com insistência e convicção durante esta conversa. Com esta fórmula demolidora, intitulou seu recente livro (publicado por Paidós).

 

Em tempos de covid, guerra - e medo de sua expansão global -, aumento do custo de vida, desemprego, incerteza e medo do futuro e um virtual racionamento da energia doméstica na Europa, a depressão aumenta e seus casos são potencializados. Com esse panorama de ânimos sociais no tobogã, Nasio se prepara para o novo desafio de uma coluna semanal de aconselhamento pela rádio. Em agosto, apresentará o livro em Buenos Aires.

 

Nasio está convencido que os pacientes com depressão eram pessoas altamente carregadas de ilusão. Sonhadores. Às vezes, excessivamente: com sonhos irrealizáveis, impossíveis. Quando algo os decepciona, essa ilusão tão forte se transforma em tristeza. Quanto mais forte a ilusão, mais é provável que haja depressão. Contudo, atenção, a depressão pode ser curada.

 

As diferentes formas de angústia percorrem o mundo e encontram motivos para se expressar dramaticamente em países como os Estados Unidos. A covid e os conflitos políticos e sociais provocaram aumentos no consumo de tabaco, álcool e drogas em porcentagens surpreendentes. O suicídio com armas de fogo em geral aumentou cerca de 2% durante a pandemia, mas a taxa entre os jovens aumentou 15% e quase a metade de todas as tentativas de suicídio dos jovens envolvem uma arma, segundo a associação Everytown for Gun Safety.

 

Por outro lado, foram prescritas cerca de 77 milhões de receitas para estimulantes em 2021, onze milhões a mais do que em 2017. A fratura política ancorada no controle das armas, a luta pelos direitos reprodutivos, as investigações sobre a insurreição de 6 de janeiro e a culpa da inflação também causam depressão e ansiedade. Por sua vez, o consumo de álcool entre jovens e adolescentes triplicou no México, entre 2020 e 2021, segundo um estudo realizado pelos Centros de Integração Juvenil (CIJ).

 

Em seu consultório – com vista para o Sena e a Torre Eiffel –, Nasio explica a sua visão da depressão e seus diferentes níveis e motivos, em um sábado de verão, após terminar a jornada de atendimento em seu consultório. “Há muita depressão neste momento, sobretudo a partir da covid. Agora, diminuiu um pouco, mas sempre houve muita depressão e aumentou com a covid”, afirma o analista que em 2021 já falava em “depressão covid-19”.

 

A entrevista é de María Laura Avignolo, publicada por Clarín-Revista Ñ, 15-07-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis a entrevista.

 

A covid e a crise econômica e financeira atual aumentam a depressão? Por quê?

 

Porque estamos falando que a ilusão, quando é forte, produz, antecipa, precede a eventual desilusão e a tristeza depois. Acontece que não é apenas a ilusão, existe também a angústia, outro fenômeno que leva à depressão.

 

Eu poderia ter chamado meu livro de “A depressão é a perda de uma ilusão” ou “A depressão é o extremo maior da angústia”. Às vezes, a angústia é tão intensa que a pessoa passa disto para a tristeza, transforma-se em desânimo, e aí temos outra variante para explicar a origem da depressão.

 

A covid, as crises financeiras, a guerra e a situação atual no planeta levam as pessoas a um nível de angústia mais alto do que o comum. E esse nível de angústia, sim, em certas pessoas, não em todas, já alto pela situação social, pode aumentar ainda mais e se transformar em depressão.

 

O que é a depressão? Tristeza, melancolia...?

 

Não é melancolia. Primeiro, a depressão é tristeza, pranto, decaimento. Segundo: há indiferença emocional e não se sente nada. Terceiro: a pessoa se autocrítica muito, há desvalorização e baixa estima. Às vezes, surge uma raiva contra si mesmo e contra os outros.

 

É preciso assumir a ideia de que uma pessoa deprimida é alguém triste, insensível, pouco emotiva e irritada consigo mesmo e com os outros. Essas três manifestações ou sintomas precisam durar quinze dias para se falar em depressão. Vejo isto em meu consultório. Infelizmente, existem muitas depressões, hoje é uma das doenças mentais mais frequentes.

 

Por que você diz que existe uma cruel desilusão?

 

Aprendi com meus pacientes. Os deprimidos foram pessoas muito carregadas de ilusão, sonhadoras, às vezes, excessivamente, com sonhos irrealizáveis, impossíveis. E assim essa ilusão tão forte se transforma em tristeza, em decepção. É preciso entender que a depressão está no nível de uma forte ilusão. Quanto mais forte a ilusão, mais é provável que haja depressão.

 

Quem está deprimido como chega ao consultório?

 

Mal. É uma pessoa decaída, angustiada, desanimada e irritada consigo mesma. Diz: “Fui um estúpido, enviaram-me uma carta de demissão sem sequer falar comigo, após trabalhar por 30 anos nessa empresa. Trataram-me mal. Eu não mereço isso.” As noções de justiça e injustiça são muito importantes nesse desencadeamento.

 

E por que existe tanta depressão?

 

Hoje, temos uma sociedade não só individualista, as pessoas têm muitas ilusões, às vezes, completamente irrealizáveis. Há um fenômeno social, com alto grau de ilusionismo, que cria um alto grau de decepção e de depressão.

 

Na população de pessoas deprimidas, de 60% a 70% são mulheres. Perguntam-me: por que as mulheres ficam deprimidas mais facilmente do que os homens? A resposta, dita com muita delicadeza, é que a mulher se ilude mais do que o homem. A mulher tende à ilusão, sobretudo do amor. É válido para todos, mas para as mulheres, o amor é o mais importante, o sentir-se amada.

 

Mas por que a mulher? Idealiza o amor?

 

Sim, idealiza o amor, idealiza ser amada e amar. O homem também ama o amor, mas sobretudo o poder, o desafio pelo poder, o sucesso. É claro que, na sociedade atual, as mulheres participam cada vez mais do poder. Há uma masculinização extraordinária.

 

Na França, a nova presidenta da Assembleia é uma mulher (Yaël Braun-Pivet), pela primeira vez em séculos. É indiscutível que o sentir-se amada, amar o amor prende a mulher a essa ilusão do amor e, então, fica mais facilmente desiludida e deprimida.

 

Todos podem ficar deprimidos? Quem são os mais vulneráveis à depressão?

 

Algo importante: nem todos nós podemos ficar deprimidos, nem vulneráveis à depressão, felizmente. Nem todos nós temos esta predisposição a um alto nível de ilusão ou a um alto nível de angústia.

 

Vejamos o caso desse senhor que sofre muita angústia no trabalho, que não consegue pegar elevador ou avião. São angústias locais, que em si não são graves, mas que já criam um ponto fraco, um calcanhar de Aquiles.

 

Essa é uma personalidade angustiada, pode ficar mais facilmente deprimida do que alguém que não tem um alto nível de ilusão. A ilusão é algo ruim? Não se deve ter ilusão? Não, a ilusão é uma necessidade absoluta na vida, é oxigênio. O que acontece é que há pessoas que se iludem demais.

 

Existe uma ilusão patológica.

 

Exatamente, essa é a palavra. São ilusões irrealizáveis, impossíveis, exageradas, infantis e quando essa pessoa tem tal ilusão, efetivamente se torna vulnerável à depressão.

 

Há um parâmetro? Quais são as causas da depressão?

 

Existem duas razões ou causas mais frequentes. Primeiro, a depressão ocorre após um forte choque emocional, que pode ser uma demissão, um luto inesperado, uma traição amorosa, algo que tem valor para nós e que perdemos. E esse choque emocional é a causa desencadeadora, mas não é a única causa da depressão. E segundo, para que haja depressão, também é preciso uma experiência traumática, um abandono, um trauma infantil, antes dos 16 anos.

 

Por exemplo, um menino de dez anos que sabe que seu pai vai morrer, ou um jovem de 15 anos, cujos pais se separam de forma muito violenta. São experiências traumáticas, com diferentes graus de violência e intensidade, que bagunçam o interior psicológico de uma pessoa e também o cérebro. Efetivamente, na depressão existem desarranjos cerebrais perfeitamente estabelecidos.

 

É possível haver tristeza sem depressão? Depende da personalidade de cada um?

 

Sim, claro, existe uma tristeza normal e outra que é depressiva. A comum é sempre uma perda de amor, algo que amamos, que não temos mais e ficamos tristes. Na tristeza da depressão, perco algo que para mim era vital, que desejo demais, me perco, toca meu ser. Na tristeza normal, perco algo que amo, mas fico bem, sigo me querendo bem.

 

Em seu livro, você aborda 18 casos de depressão. O que os une? Por que os escolheu?

 

Cada caso assume um aspecto diferente da depressão. Alguns mostram bem o problema do trauma, o do choque emocional, e outros mostram bem os três maiores sintomas que eu lhe dizia. Cada uma dessas 18 histórias comoventes apresenta um aspecto que eu queria mostrar: a origem, a causa desencadeadora e a apresentação atual.

 

Essas pessoas se curam?

 

Sim.

 

A mulher japonesa que matou o filho se cura?

 

Você fala de um caso terrível.

 

Deixou-me espantada.

 

É espantoso porque é um caso extremo de depressão, a melancolia. É o último grau da depressão. E sim, ela foi curada, e posso dizer que hoje ela, que matou um filho em um delírio de melancolia grave, passou três anos no hospital psiquiátrico e depois veio a Paris trabalhar na embaixada do Japão. Foi então que me consultou e, após dois anos de trabalho juntos, voltou ao seu país. Recebo cartas dela, estamos em contato. Casou-se novamente.

 

Existe uma nova forma de tratar a depressão, que você chama de “interpretação gráfica”. O que é e como alivia os pacientes?

 

Sou muito viciado em lápis e papel. Adoro traçar linhas, desenhar. Comecei a trabalhar com pacientes que estavam deprimidos e a pedir que fizessem um desenho. Às vezes, fazíamos juntos, para que eu entendesse bem quais eram os momentos importantes de sua vida.

 

Sobretudo, dois. Os momentos de união são aqueles em nossas vidas quando nos unimos a alguém, a um país, a um homem ou uma mulher, a um amigo, a uma casa. E depois temos momentos de separação, onde deixamos um lugar, uma pessoa, deixamos um amigo, nos separamos. Se me perguntassem quais são os dois momentos essenciais na história de um ser humano, eu diria que são aqueles em que o ser humano se une a algo e se separa de algo importante.

 

Então, comecei a trabalhar com os pacientes deprimidos, buscando traçar um esboço. Uma linha do tempo, onde o paciente marcava os momentos em que sofreu uma desilusão, onde teve os traumas e, além disso, outros momentos importantes na vida. E percebi que esse trabalho conjunto fazia muito bem para ele. Ajudava-o a entender, havia uma compreensão panorâmica de sua vida, onde de repente a vida ganha um sentido diferente. E havia pacientes que me diziam: “Doutor, posso levar o desenho comigo? Faço outro amanhã.” E isso ajuda.

 

É claro, existe a minha intervenção como terapeuta e, às vezes, também os medicamentos. Temos antidepressivos maravilhosos que permitem trabalharmos bem com a depressão.

 

Você acredita que a psicanálise pode modificar o cérebro?

 

Sim.

 

Como?

 

Com autenticidade, falar com o coração e dizer ao outro o que minha experiência me ensinou e o que eu sinto que ele sente. Eu trabalho com a tripla empatia, penso que esse é o nosso maior instrumento.

 

Um: empatia para sentir, imaginar e sentir o que a pessoa que está diante de mim sente. Por exemplo, uma senhora que está triste. Eu não estou triste, mas sinto sua tristeza.

 

Dois: imaginar e sentir o que a pessoa que está diante de mim não sente, mas que sentiu e esqueceu quando era criança. Ou seja, eu sinto o ódio, a raiva, o rancor que esta senhora sente porque está mal, deprimida e que ela percebe a questão de forma difusa, mas eu a sinto.

 

E a terceira é a empatia com ele, a que cerca o paciente, com sua mãe, irmã, amigo. Neste caso, eu sinto o que o marido sente: como é viver com ela, com uma mulher deprimida.

 

Então, trata-se de transmitir essas três empatias gerenciadas, sentidas e vivenciadas ao paciente quando corresponde, com delicadeza, escolhendo bem as palavras e com experiência. Eu tenho 57 anos de ofício, evidentemente sei conversar com o paciente e isso ajuda muito na cura da depressão.

 

E você como psicanalista, não fica deprimido depois de tudo isso? Como os psicanalistas lidam com a depressão, após ouvir essas histórias atrozes o dia todo?

 

Não, eu não fico deprimido. Até o momento não sofri nenhuma depressão. Eu amo o trabalho. Adoro estar aqui no consultório, escutar os pacientes. Às vezes, começo muito cedo e encerro muito tarde. Minha esposa me disse que eu abuso, que tenho muito trabalho e que deveria diminuir um pouco o ritmo.

 

Não sei como vou fazer isso, porque agora me surge um novo desafio. Solicitaram-me que, uma vez por semana, eu tenha uma participação na rádio e é como dar um seminário semanal. Então, não, não estou deprimido. Mas eu diria que fico preocupado, angustiado se posso ou não estar à altura do desafio.

 

Eu cumpro dois tipos de esforços: os alegres e os dolorosos. Estando com meus pacientes, sou como um peixe na água. Nado, sou tranquilo, sou eficaz, ando bem, os pacientes ficam contentes, me reconhecem e agradecem. É uma maravilha. Faço um esforço porque estou muito atento e não posso ir ao cinema, fico trabalhando, mas é um esforço tranquilo.

 

Ao contrário, o outro esforço é doloroso: ter que produzir e escrever. Muitos jovens pensam que é fácil escrever. Não, nunca é fácil escrever. Então, preciso de tempo para escrever. Por quê? Porque aí o esforço é grande.

 

E como você tolera a tristeza dos outros?

 

A tristeza é muito importante. Todos vivemos momentos de tristeza. E quando você tem um amigo, uma esposa ou um familiar que anda triste, não console a pessoa dizendo que isso vai passar. Cale a boca!

 

Esteja próximo da pessoa quando estiver mal, fique perto, sem a necessidade de falar e com empatia se aproxime, que ela viva o que você está sentindo e fale com as palavras que surgirem nesse momento, que são circunstanciais, mas não necessariamente palavras de consolo, algo que sou contra.

 

O conforto às vezes diminui a pessoa que já está sofrendo. Prefiro não consolar. Mas, sim, aproximar-me, que sinta que estou com ela, que compartilho o que está vivendo. Essa é a melhor companhia e a melhor terapia.

 

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