23 Novembro 2021
"Nossa responsabilidade ético-teológica é cuidar da vida com competência, humanidade, auxílio da tecnologia e muito amor", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Suicídio: como entender e lidar com essa trágica realidade (Vozes, 2021, 112 p.), de autoria de Evaldo A. D´Assumpção.
Uma sombra que desafia a todos nós. O suicídio é uma das perdas mais dolorosas, porque além da perda propriamente dita, muitas emoções e até preconceitos serão envolvidos, podendo até destruir parte de suas vidas. O número de suicídios, no mundo inteiro, cresce a cada dia. Nesse tempo de enfrentamento da pandemia, houve um aumento de 32%, numa ocorrência que no mundo atingia uma pessoa a cada 40 segundos. Muitos não gostam sequer de falar sobre isso. Todavia, o conhecimento de suas causas e dos sinais que o antecedem são fundamentais para preveni-lo. Esse é o propósito do livro: Suicídio: como entender e lidar com essa trágica realidade (Vozes, 2021, 112 p.), de autoria de Evaldo A. D´Assumpção, médico, biotanatólogo e bioeticista.
As reflexões iniciais (p. 9-28) trazem esclarecimentos sobre a etimologia da palavra suicídio (p. 9-10). Significa “matar a si próprio”. Foi usada pela primeira vez, em 1737 pelo francês Desfontaines. Entretanto, a expressão “suicidar-se”, que baseado na etimologia, é uma redundância, portanto uma forma errada de se expressar, tornou-se de uso tão comum, desde o século XIX, que foi assimilada e o seu uso está oficialmente consagrado no idioma português, tornando-se correta. Pode se grafar “se suicidou” tanto como “suicidou-se”.
Em seguida (p. 10-23), o autor faz notar que o suicídio pode ser classificado, do ponto de vista histórico e motivacional, nos seguintes tipos, com suas características específicas: a) punitivo (p. 10-11); b) eugênico (p. 11); c) preventivo (p. 11); d) solidário (p. 12); e) romântico (p. 12); f) heroico (p. 12-13); g) políticos (p. 13); h) altruísta (p. 13); i) ético (p. 13-14); j) religiosos (p. 14-15); k) resolutivo ou atômico (p. 15-23). As reflexões finais deste capítulo (p. 23-28), trazem dados estatísticos acerca do suicídio: números de suicídios em nível mundial e nacional, meios de suicídio (enforcamento, envenenamento, arma de fogo, objetos perfurocortantes), profissões nas quais se constatam maiores números de suicídios (médicos, policiais e jornalistas).
Na segunda reflexão (p. 29-40), olha-se especificamente para os tipos de suicídio. O autor destaca que “apesar de considerarmos o suicídio como procedimento único, existem diversas situações que sugerem diferentes tipos de suicídio” (p. 29). São elas: a) micro-suicídio: o autolesionamento realizado por algumas pessoas, talvez porque lhes falte coragem ou decisão de se matar (p. 29); b) equivalentes suicidas: a pessoa não deseja se suicidar, contudo, assume atitudes ou formas de vida que lhes proporcionam situações bem próximas de um autoextermínio (p. 29-31); c) real: é o suicídio propriamente dito (p. 31), e pode ser direto: é aquele no qual a pessoa toma uma atitude pessoal e direta contra si mesma (p. 32-34); indireto: uma variante da eutanásia/suicídio assistido (p. 34-36), endógeno: pela resistência a qualquer tipo de tratamento para uma doença (p. 36-39); induzido: através de técnicas de lavagem cerebral ou procedimentos que possam quebrar a vontade de uma pessoa (p. 39-40).
A terceira reflexão ocupa-se com a prevenção do suicídio (p. 41-46). A prevenção do suicídio é possível, pois estudos demonstram que cerca de 83% dos suicidas que fizeram contato com um médico de assistência primária, dentro do ano prévio à sua morte, e 66 % até um mês antes. As intervenções para a prevenção podem ser assim elencadas: a) educação e programas de prevenção (p. 41-42); b) pesquisas de indivíduos considerados de alto risco (p. 42); c) farmacoterapia (p. 42-43); d) psicoterapia (p. 43); e) seguimento psicológico de pessoas que tentaram suicídio (p. 43); f) restrição ao acesso de aras letais (p. 43); g) orientação para a mídia (p. 43); h) a depressão e outras condições psíquicas: esquizofrenia, alcoolismo, dependência de drogas (p. 43-46).
A quarta reflexão traz algumas considerações importantes para um melhor conhecimento do suicídio (p. 47-54). Isso porque o suicídio é um ato carregado de preconceitos, dores, sentimentos ambíguos por parte dos que ficam. Sobre este ato que sociólogos, psicólogos, médicos e religiosos se debruçam por toda uma vida buscando entender, sem lográ-lo inteiramente, o autor, traz algumas observações: a) o suicídio é um assunto proibido (p. 48); b) desperta sentimentos de culpa (p. 48-49); c) as tentativas de suicídio são pedidos de socorro (p. 49-50); d) a atenção para a fora de lidar com as frustrações (p. 50-51); e) estados depressivos como a depressão, alcoolismo e drogas, quando não tratados corretamente, são causas frequentes de suicídio (p. 51-53); f) atenção para as causas genéticas para o suicídio (p. 53-54).
Na quinta reflexão são apresentados os sinais de alerta e conceitos equivocados do suicídio (p. 55-58). É importante observar os seguintes sinais: sucessivas falas sobre uma possível vontade de se matar; problemas constantes na escola, com grupo de amigos, ou mesmo com a polícia; afastamento dos amigos e ou da família; mudanças súbitas de personalidade e ou de comportamento; começar a se desfazer de coisas que possui, e das quais demonstra gostar; súbita perda de interesse para com atividades sociais; surgimento de atitudes agressivas, que não costumava tomar; gravidez indesejada; uso abusivo de bebidas alcoólicas e ou de drogas; falta de adaptação ao término de relacionamento amoroso; obsessão por músicas, filmes ou literatura que abordem suicídio; autoextermínio recente de uma pessoa próxima; tentativas anteriores de suicídio (p. 55-56).
Quanto às ideias equivocadas sobre o suicídio: pessoas que falam que vão suicidar, nunca fazem; o suicídio ocorre sem aviso prévio; o suicida sempre quer morrer; quem tentou se matar uma vez, o fará sempre; melhora no tratamento antidepressivo de um provável suicida significa que o perigo já passou; o suicídio é mais frequente em determinada classe socioeconômica; suicídio é problema de família; suicídio é coisa de doente mental (p. 56-58).
Pessoas que ameaçam ou tentaram suicídio, tanto seus familiares, necessitam de cuidados especiais. Assim, os capítulos sexto e sétimos trazem sugestões de procedimentos para com o potencial suicida e seus familiares (p. 59-71), e, condutas sugeridas para familiares e amigos de quem se suicidou (p. 72-78). Quanto às condutas sugeridas para com o potencial suicida e seus familiares: a) a necessidade de escutar, assimilando cada palavra, cada pensamento, cada sentimento que o outro estiver expressando, empaticamente, ao invés de piedade ou simpatia pelo outro; b) conversar, pessoal e tranquilamente sobre seu desejo de interromper sua própria vida; c) colocar-se genuinamente disponível para escutar, atento às perguntas que podem abrir novas portas / ajudar na conversa; d) alguns temas podem ser trabalhados nessa conversa, dependendo da sensibilidade de quem atende e da percepção acurada do momento; e) conversar sobre o sentido do sofrimento na vida de todas as pessoas; f) trabalhar o perdão atendo-se pedagogicamente para suas características.
Quanto às condutas sugeridas para familiares e amigos de quem se suicidou as condutas sugeridas são semelhantes aos procedimentos indicados para os que tentam suicidar-se. Também os sobreviventes necessitam: ser escutados; expressar as emoções em qualquer situação de perda; o perdão. Bem conscientes dessa realidade, com certeza os sobreviventes não terão os sentimentos de culpa.
D'Assumpção salienta que por vezes algumas religiões, que deveria servir de consolo nessas circunstâncias, criam fantasias aterrorizantes, especialmente para o suicida, deixando os familiares em intenso sofrimento pelos horrores que aquela pessoa poderá estar passando. Tudo fruto de fundamentalismos rígidos, leituras pouco refletidas de textos sagrados, educação arcaica e desconhecimento do verdadeiro sentido da espiritualidade e da religiosidade, que devem ser sempre libertadores e nunca fontes de mais dor ou sofrimento (p. 77).
A este respeito o Apêndice (p. 79 -105), traz uma abordagem sobre: a) a capacidade de conviver com perdas e ganhos (p. 79-85); b) as razões do sofrimento (p. 85-93); c) as realidades que nos aguardam depois da morte (p. 93-105). Frente a isso ressalta que “a misericórdia de Deus, que nunca castiga seus filhos, pois sua pedagogia é muito superior à nossa, juízes implicáveis que somos” (p. 77).
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O suicídio é um verdadeiro “holocausto silencioso”, na expressão usada pelo Dr. Leocir Pessini ao tratar desta problemática. Num de seus escritos dizia que estamos diante de um grito marcado por um profundo sofrimento que clama por compreensão, cuidado e ajuda solidária, seja qual for o motivo que o tenha provocado. Nossa responsabilidade ético-teológica é cuidar da vida com competência, humanidade, auxílio da tecnologia e muito amor. Procurar compreender e, solidariamente, se comprometer com que sofre é o caminho a seguir.
Estamos de acordo com Júnia Drumond, psicóloga com aprimoramento em Luto e Tanatologia, quando diz que: “de maneira clara e objetiva, Dr. Evaldo aborda assuntos complexos e propõe importantes discussões sobre o suicídio. Com isso muitos estigmas que giram em torno do suicídio podem ser descontruídos e, assim, abrir espaço para uma comunicação de qualidade entre profissionais e quaisquer interessados no tema” (p. 7-8).
As informações contidas /oferecidas nesta obra ajudaram a ação pastoral e evangelizadora da Igreja a caminhar numa perspectiva preventiva frente a uma realidade da qual ninguém está isento. É, pois, fundamental conhecer as características de um potencial suicida, para tentar demovê-lo do seu propósito. Mas, também, para ajudar aos seus familiares no difícil processo de luto, quando ele é consumado.
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Suicídio: como entender e lidar com essa trágica realidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU