Uma vala comum no Mediterrâneo

Bote de migrantes atravessando o Mar Mediterrâneo. Foto: Médicos Sem Fronteiras

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14 Setembro 2022

 

"É esta a Europa berço dos direitos? Não, não pode ser enquanto também não olhar para o sul do Mar Mediterrâneo, para encará-lo diretamente nos olhos, lá onde estão suas próprias raízes, que parece ter esquecido", escreve Karima Moual, em artigo publicado por La Stampa, 13-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Vamos falar claramente: o Mar Mediterrâneo é agora aquela vala comum para todos os migrantes desesperados do Sul, deliberadamente sem nomes e sem rostos que bem fotografa a desconsideração do chamado mundo civil, aquele berço dos direitos chamado Europa. Torna-se realmente difícil para quem, por trabalho, acompanha o fenômeno migratório, fazer uma síntese mais suave. Quanto mais os anos passam e mais nada muda a não ser para pior, empurrando cada vez mais fundo o limite da desumanidade, em relação àqueles que só pedem um porto seguro para se salvarem.

 

Segundo a agência das Nações Unidas, mais de 1.200 pessoas morreram ou desapareceram na tentativa de chegar à Europa este ano. Europa. Essa bela palavra para eles, muito provavelmente, significava sobrevivência e um novo começo, uma pena que tenha sido esvaziada pelo cinismo, pela ganância e pela miopia política de quem agora prefere virar as costas ou terceirizar para qualquer um a gestão de um fenômeno que diz respeito à história da nossa humanidade. E apesar de todos os indicadores demográficos e econômicos mostrarem que o nosso continente está próximo da aposentadoria com uma difícil troca geracional para mantê-lo vivo, insistimos em nos fechar não apenas para os migrantes econômicos, mas também para os mais desesperados, aqueles que fogem de guerras e misérias.

 

Silêncio, olhos fechados, porque ao invés de olhar para aquela alma enegrecida como breu é melhor descrever esta tragédia humana, como invasão, homens sozinhos com o celular, futuros criminosos, ladrões de pão e trabalho, portadores de decadência e degradação. Ou preto ou branco. Não há espaço para matizes. Nenhum empenho de se envolver para gerenciar o fenômeno na linha de frente sem álibis, mas arregaçando as mangas. Porque é verdade, a imigração é um recurso ou uma praga, e nós decidimos por preguiça que será uma praga. Mas a imigração, dados em mãos, com campos de refugiados e pobreza absoluta, é mais sofrida pelos países vizinhos ao Sul. Na África como no Oriente Médio. É um dado incômodo, são imagens que chegam pouco.

 

Assim como aquelas de onde se abriu o novo tráfico. Aquele do Líbano, que rapidamente fizemos questão de esquecer junto com aquela nuvem de cinzas de seu porto que explodiu, enterrando definitivamente um dos mais belos países do mundo árabe.

 

Morrer de sede, fome e queimaduras solares é horrível. Inferno em mar aberto. Isso nos entregaram os corpos que chegaram a Pozzallo. É esta a Europa berço dos direitos? Não, não pode ser enquanto também não olhar para o sul do Mar Mediterrâneo, para encará-lo diretamente nos olhos, lá onde estão suas próprias raízes, que parece ter esquecido.

 

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