23 Agosto 2022
"A Rússia, a despeito de ter o território mais extenso do mundo, tem uma população que é menos de 2% da população mundial e um PIB que é cerca de 2% da economia global", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 22-08-2022.
A Rússia é o maior país do mundo em termos geográficos, com 17,1 milhões de km², mais do dobro da área do Brasil. Foi o país que sofreu as maiores perdas humanas durante as duas Guerras Mundiais do século XX e possui uma das menores densidades demográficas, apenas 9 habitantes por km².
A população russa era de 102,6 milhões de habitantes em 1950 (quase o dobro da população brasileira da época) e cresceu nas décadas seguintes até alcançar o pico populacional em 1993, com 149 milhões de habitantes. A partir de 1994 o número de habitantes começou a cair de forma lenta, mas deve acelerar o decrescimento nas próximas décadas e as novas estimativas da ONU (revisão 2022) indicam, na projeção média (a mais provável), um montante pouco abaixo de 110 milhões em 2100. Na projeção alta a população pode chegar a 170 milhões e na projeção baixa pode chegar a 70 milhões de pessoas (como mostra o gráfico abaixo, do painel da esquerda).
A população russa de 15-59 anos aumentou durante toda a segunda metade do século passado, mas atingiu o pico de quase 100 milhões de pessoas no início do atual século e deve apresentar um grande declínio para menos de 60 milhões de pessoas em 2100 (conforme mostra o gráfico abaixo, no painel da direita). Ou seja, a densidade demográfica vai diminuir ainda mais e a Rússia terá uma oferta de força de trabalho cada vez menor.
Os gráficos abaixo mostram a evolução das taxas de fecundidade e a expectativa de vida. A Rússia já tinha uma fecundidade baixa no fim da Segunda Guerra. A taxa de fecundidade estava em torno de 3 filhos por mulher na década de 1950, caiu abaixo do nível de reposição na década seguinte, recuperou ligeiramente nos anos de 1980 e voltou a cair e chegou em um nível baixíssimo com o fim da União Soviética (URSS).
Nos anos 2000 houve uma recuperação da fecundidade, mas sem retomar ao nível de reposição. Durante a pandemia da covid-19 voltou a cair e, segundo a Divisão de População da ONU, pode se manter no restante do século entre 1,7 e 1,8 filho por mulher (como mostra o gráfico abaixo, painel da esquerda). Vários países adotam políticas de incentivo ao segundo ou terceiro filho para manter a taxa de fecundidade acima do nível de reposição.
Curiosamente, o presidente Vladimir Putin reeditou um decreto da era stalinista, e pretende garantir um prêmio com medalha e ajuda financeira equivalente a US$ 16,5 mil às mães russas que tiverem pelo menos dez filhos. O dinheiro só será entregue assim que o décimo filho vivo completar um ano de idade. O objetivo do programa “Mãe Heroína” de Putin seria encorajar a população a ter famílias numerosas para evitar o decrescimento populacional e garantir a geração de jovens para tocar a economia e as ambições militares da ideologia da Grande Rússia.
Evidentemente é uma política machista que busca resolver a questão demográfica da Rússia via o útero feminino e o rebaixamento do status das mulheres na sociedade. De certa forma, a “Mãe Heroína”, recria a política de Hitler “Kinder, Küche, Kirche” (crianças, cozinha, igreja), como elementos que deveriam guiar a vida de uma boa mulher nazista. Este tipo de prêmio não deu certo na época de Stalin e Hitler e, com grande probabilidade, não dará certo no século XXI.
A expectativa de vida ao nascer aumentou rapidamente no pós-guerra e chegou a quase 70 anos na década de 1960. Mas, surpreendentemente, a expectativa de vida caiu nos anos seguintes e atingiu um recorde de baixa na época da desintegração da URSS. Houve recuperação nas duas primeiras décadas do século XXI, mas uma nova queda entre 2020 e 2021, decorrente do aumento de óbitos provocados pela pandemia da covid-19. Na projeção média da Divisão de População da ONU, a expectativa de vida deve chegar a 85 anos em 2100 (como mostra o gráfico acima, painel da direita).
A nova dinâmica demográfica implica diminuição dos grupos jovens e de aumento da proporção dos grupos mais idosos. O gráfico abaixo (da esquerda) mostra que a população de 0 a 14 anos da Rússia já vem caindo em ondas desde a década de 1960 e deve diminuir de cerca de 40 milhões para menos de 20 milhões de crianças e adolescentes. O número de idosos (gráfico da direita) tem crescido continuamente, passando 5 milhões em meados do século passado para 45 milhões na metade do atual século. Mas entre 1950 e 2100 deve haver uma diminuição também no número de idosos.
População jovem e população idosa - Rússia | Fonte: EcoDebate
Esta mudança da estrutura etária, provocada pelo avanço da transição demográfica se expressa na transformação da pirâmide populacional, conforme mostrado nos gráficos abaixo. A pirâmide etária russa de 1950 tinha vários “dentes” que registram os efeitos na mortalidade e na natalidade durante a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. A pirâmide de 1950 mostra uma entrada na faixa de 30 a 40 anos que é resultado da queda da natalidade durante a 1ª Guerra Mundial.
A entrada na faixa de 5 a 10 anos reflete a queda da natalidade durante a 2ª Guerra Mundial. Nota-se que no lado direito da pirâmide existe um grande superávit de mulheres em relação aos homens, ao contrário, por exemplo, do que mostram as pirâmides da China e da Índia que possuem uma razão de sexo com superioridade masculina.
Na pirâmide russa de 2022 nota-se uma grande entrada na faixa etária de 20 a 35 anos que reflete a queda da natalidade pós fim da URSS. Já na pirâmide de 2100 aquelas fortes entradas desaparecem, pois as projeções não consideram a priori grandes conflitos nas próximas décadas. A pirâmide da Rússia para o final do século tem uma forma mais parecida com um retângulo, refletindo a longa permanência das taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição.
A razão de dependência da Rússia caiu antes da Segunda Guerra, subiu no pós-Guerra, voltou a cair entre 1960 e 1980, subiu novamente no final do século passado e chegou ao menor valor por vota de 2010. A razão de dependência já iniciou a trajetória de aumento, mas não deve ultrapassar a marca de 100, pois a população russa mantém expectativa de vida abaixo do nível alcançado pelas nações desenvolvidas.
Após o fim da URSS, a Rússia passou por um período de crise econômica e a participação do PIB russo no PIB global caiu de 5% para 3%. Recuperou um pouco nos anos seguintes, mas chega atualmente à metade do que era em 1990 (gráfico do lado esquerdo). A renda per capita russa (em preços correntes em poder de paridade de compra) estava em torno de US$ 10 mil na virada do milênio e passou para cerca de US$ 30 mil atualmente, acima da renda média mundial (lado direito).
A Rússia tinha um pequeno déficit ambiental no início da década de 1990 e com o decrescimento populacional passou a ter um superávit. Segundo o Instituto Global Footprint Network, em 1992, a Rússia tinham uma Pegada Ecológica per capita de 6,8 hectares globais (gha) e uma Biocapacidade per capita de 6,62 gha. Mas nos últimos 30 anos a Pegada Ecológica per capita caiu para 5,31 gha, com uma Biocapacidade de 6,72 gha em 2018. Assim, o superávit ecológico per capita passou para 1,42 gha, conforme mostra a figura abaixo.
A Rússia, a despeito de ter o território mais extenso do mundo, tem uma população que é menos de 2% da população mundial e um PIB que é cerca de 2% da economia global, mas gasta muitos recursos com o seu poderio militar e iniciou uma desastrosa e injusta invasão do país vizinho e irmão que é a Ucrânia. Uma ação bélica da dimensão atual apresenta um alto custo para a Rússia, mas, especialmente, para a Ucrânia e também para o mundo. O livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”, de Paul Kennedy, mostra que a disjunção entre poderio militar e poderio econômico leva ao declínio dos impérios. O melhor caminho para a Rússia seria aprofundar uma aliança pacífica com seus vizinhos, a China, os BRICS e o mundo. A “declaração conjunta” da Russa e da China, no dia 7 de fevereiro de 2022, propondo uma “refundação” da ordem mundial estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial poderia ser levada à frente em um planejamento de longo prazo para concorrer com o Ocidente pela via pacífica, avançando na democracia, na concorrência comercial e no avanço científico e tecnológico. O confronto não é bom para ninguém.
A Rússia tem uma grande parte do seu território ligado ao Ártico e o degelo do polo Norte tem aberto oportunidades de negócios com a abertura de rotas de navegação. Mas enquanto a Rússia retira vantagens da redução do gelo do Ártico e o aquecimento global ameaça toda a humanidade e a biodiversidade da Terra. Neste sentido, o real compromisso da Rússia com o meio ambiente seria fundamental para todo o Planeta.
ALVES, JED. A população da Rússia em 2100, Ecodebate, 05/10/2012. Disponível aqui.
ALVES, JED. O decrescimento demográfico da Rússia, Ecodebate, 15/06/2018. Disponível aqui.
ALVES, JED. O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa, Ecodebate, 14/10/2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. O tamanho demográfico e econômico da Rússia, Ecodebate, 21/03/2022. Disponível aqui.
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A população da Rússia de 1950 a 2100. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU