"Numa carta emitida imediatamente após o motu proprio do Papa Francisco, o prelado do Opus Dei, Fernando Ocáriz, declarava aceitar totalmente as disposições do Papa Francisco, como respondente ao carisma do Opus Dei, que desejava poder desenvolver- cada vez mais graças às indicações do Papa Francisco e ao empenho de todos os membros do Opus Dei", escreve Giancarlo Rocca, sacerdote da Pia Sociedade de São Paulo, diretor do Dizionario degli istituti di perfezione (DIP) e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação e Pontifícia Universidade Lateranense/Claretianum, em artigo publicado por Settimana News, 31-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após a publicação da constituição apostólica Praedicate Evangelium de 19 de março de 2022, que reorganizava a Cúria Romana, era inevitável esperar uma intervenção no Opus Dei. Era apenas uma questão de saber quando isso aconteceria. De fato, na Praedicate Evangelium se declarava expressamente, no artigo 117, que o Dicastério para o Clero teria competência sobre as prelazias pessoais, e a única existente atualmente é aquela do Opus Dei.
A intervenção do Papa Francisco pode ser examinada de diferentes pontos de vista.
Exceto a premissa inicial do Papa Francisco, que valida a missão do Opus Dei de difundir o chamado à santidade através da santificação do trabalho e dos empenhos familiares, a questão fundamental é se a prelazia do Opus Dei é uma estrutura hierárquica da Igreja ou uma instituição particular da Igreja, uma Prelazia, com tarefas específicas. Portanto, vale a pena refazer, ainda que brevemente, essa história.
O Concílio Vaticano II menciona, no decreto de 1965 Presbyterorum ordinis 10, as prelazias pessoais, no âmbito de uma melhor distribuição do clero e para iniciativas apostólicas particulares, e igualmente no decreto, também de 1965, Ad Gentes 20 e 27, mas nunca o Concílio fala da possibilidade de incorporar leigos em uma prelazia pessoal. Várias outras explicações sobre as prelazias pessoais podem ser encontradas no motu proprio Ecclesiae sanctae (I, 4), de 1966, com detalhes sobre a formação do clero da prelazia em seminários específicos nacionais ou internacionais, e mais uma vez se especifica que os leigos, celibatários ou casados, não são incorporados à prelazia, mas podem colaborar na sua missão mediante convenções especiais.
Uma mudança total de perspectiva e um afastamento decisivo das ideias do Concílio Vaticano II podem ser encontrados no Schema de preparação para o Código de Direito Canônico. O texto, de 1980, insere as prelazias pessoais entre as estruturas hierárquicas da Igreja (Pontífice, Bispos, etc.), no cânon 335 § 2 as prelazias pessoais são equiparadas às territoriais, e no cânon 337 as prelazias pessoais são apresentadas cum populo proprio.
O Código de Direito Canônico de 1983, porém, não incorporou as indicações do Schema, já não incluiu as prelazias pessoais entre as estruturas hierárquicas da Igreja (Seção II), mas simplesmente no Livro II. De populo Dei, e especificamente na primeira parte que trata dos fiéis.
Daí a questão, que surgiu de imediato, se a prelazia pessoal do Opus Dei deveria ser incluída entre as estruturas hierárquicas. A formulação mais coerente, na realidade, é a do Código de Direito Canônico de 1983, que fala a respeito nos cânones 294-297, e especifica que os sacerdotes e diáconos são incardinados na prelazia, enquanto os leigos podem colaborar em suas obras com convenções particulares, a serem especificadas nos estatutos. Portanto, os leigos não são membros da prelazia, mantêm sua própria diocese, seu próprio bispo, sua própria paróquia. Pode-se acrescentar também que a união jurídica pactual dos leigos com a prelazia é inferior à incorporação em um instituto religioso ou sociedade de vida apostólica ou instituto secular. De fato, o cânon 296 prevê como matéria a convenção com os leigos, apenas a atividade apostólica externa, que é depois submetida à aprovação do Ordinário local (cânon 297).
O Papa Francisco simplesmente retomou e confirmou o Código de Direito Canônico de 1983. A Prelazia do Opus Dei não é uma estrutura hierárquica da Igreja e, portanto, a submete ao Dicastério para o Clero, como estrutura fundamentalmente clerical. O Opus Dei, consequentemente, deixa o lugar que ocupava anteriormente no Dicastério para os Bispos, graças ao fato de dois de seus prelados terem sido nomeados bispos: Álvaro del Portillo († 1994), primeiro prelado, mas bispo apenas desde 1990; Javier Echevarría († 2016), segundo prelado e bispo desde 1995; Fernando Ocáriz, terceiro prelado desde 2017, mas não agraciado com a dignidade episcopal pelo Papa Francisco. As eventuais questões introduzidas por essa modificação serão discutidas com o Dicastério para o Clero e os outros Dicastérios competentes da Cúria Romana.
(Mais detalhes a respeito em G. Rocca, L’”Opus Dei”. Appunti e documenti per una storia, Roma 1985, p. 111; e mais recentemente G. Ghirlanda, Il diritto nella Chiesa mistero di comunione. Compendio di diritto ecclesiale, sexta edição, Roma 2015, pp. 208-211. Para o Schema cf: Pontifícia Commissio Codice iuris canonici recognoscendo, Schema Codicis iuris Canonici, Editoria Livraria Vaticana 1980, pp. 80-81).
O Papa Francisco no artigo 2 de seu motu próprio modifica o que foi estabelecido na constituição apostólica Ut sit de 1982, que estabelecia que o Opus Dei como prelazia era obrigada a apresentar de cinco em cinco anos um relatório sobre o seu estado de vida ao Dicastério para os Bispos. Agora a obrigação é fixada a cada ano. Sobre esta decisão do Papa Francisco, mais de um comentarista se perguntou como era o comportamento do Opus Dei, ou seja, se apresentava regularmente os relatórios devidos para o período em que era instituto secular, ou seja, de 1950 a 1982, e desde 1982 até hoje, quando estava sob a dependência do Dicastério dos Bispos.
A terceira alteração solicitada pelo Papa Francisco diz respeito aos estatutos próprios da prelazia, que devem ser reformulados tendo em conta esse redimensionamento. O Opus Dei já havia sofrido uma mudança notável precisamente no que se refere aos leigos e às leigas associadas. No período em que o Opus Dei era um instituto secular, considerado aliás um modelo dos institutos seculares, seus membros - numerários e numerárias - tinham os três votos clássicos, a obrigação da vida comum, o uso do cilício, o círculo semanal breve (uma espécie de capítulo das culpas), o testamento antes da incorporação definitiva, e várias outras práticas ascéticas que a aproximavam do mundo dos religiosos.
Pode-se notar aqui que os institutos seculares fundados pelo Pe. Agostino Gemelli, ou seja, os Missionários e as Missionárias da Realeza de Cristo, não tinham a obrigação da vida comum, e da mesma forma o instituto de Cristo Rei, fundado por Giuseppe Lazzati justamente em virtude de sua secularidade.
Para justificar essa sua posição, o Opus Dei, nas palavras de Álvaro del Portillo, escrevia que pode haver institutos seculares que podem ir além do mínimo previsto pela Provida mater, precisamente para favorecer uma vida espiritual mais sólida e profunda de seus membros. Tudo isso mudou em 1982, quando o Opus Dei se tornou prelazia e foi obrigada a anular a incorporação que numerários e numerárias tinham no Opus Dei como instituto secular com os votos.
A intervenção do Papa Francisco obriga a outro esclarecimento: os leigos não são incorporados à prelazia, mas têm uma relação pactual que deve ser regulamentada nos estatutos a serem revistos pelo Opus Dei, que terá que submetê-los à aprovação da autoridade competente.
O Papa Francisco acrescenta que, sendo as insígnias episcopais reservadas aos bispos, o prelado do Opus Dei, sendo sua prelazia uma instituição não hierárquica e sujeita ao Dicastério para o clero, não pode aspirar a eles; aliás, o Papa Francisco estabelece que nem mesmo no futuro o prelado poderá usufruir da ordem episcopal.
A história das honrarias pontifícias solicitadas pelo Opus Dei desde as suas origens já foi tratada e os principais elementos estão aqui resumidos (mais detalhes podem ser encontrados em G. Rocca, L 'Opus Dei, cit., e Id., "Diccionario de San Josemaría Escrivá de Balaguer. Notas de leitura", in Revue d'Histoire Ecclésiatique 2017, pp. 244-266, em especial pp. 252-254).
Sabe-se que foram numerosas as tentativas de fazer com que Escrivá fosse nomeado à dignidade episcopal. A primeira já em 1942, quando Escrivá tinha 40 anos, e tinha sido apresentado ao Generalíssimo Franco como uma pessoa de muito boa concepção moral, totalmente aderente ao Movimento e simpatizante do Partido.
A questão foi retomada em 1945, desta vez com a motivação - novamente dirigida ao Generalíssimo Franco - de que Escrivá teria sido um excelente bispo castrense. Não resultou nada, mas a candidatura a bispo voltou em 1950, desta vez para uma sede residencial, a de Vitória. Novamente nada aconteceu.
Depois, após 1955, uma nota apontava que entre os vários "varones ilustres" merecedores da dignidade de bispo, havia ainda Escrivá, e dizia-se então que era o superior do primeiro instituto secular aprovado na Igreja. E mais uma vez a proposta não teve resultado.
Que houve forte oposição da Santa Sé à nomeação de Escrivá como bispo fica claro em uma carta que o ministro espanhol das Relações Exteriores escreveu em 1956, de Madri, ao embaixador espanhol junto à Santa Sé em Roma, Fernando M. Castiella. O ministro, depois de falar com o então secretário-geral do Opus Dei, Antonio Pérez, informava que os responsáveis pelo Opus Dei estavam agora convencidos de que não seria possível que Escrivá fosse promovido à dignidade episcopal, e haviam passado a propor a nomeação como bispo pelo menos de Álvaro del Portillo.
Ao que foi exposto até agora, pode-se acrescentar outro elemento, que não era conhecido quando os estudos indicados acima foram publicados devido à falta de acesso aos arquivos do Vaticano. O novo elemento diz respeito à proposta apresentada em setembro de 1948 pelos bispos das dioceses espanholas de Tuy e Madrid-Alcalá, que propunham à Santa Sé a nomeação de Escrivá como bispo por ser muito conveniente para a sua pessoa e para o trabalho que dirigia. A iniciativa, no entanto, encerrou-se com um "Non expedire" com o esclarecimento de que tal nomeação não teria sido útil para o Opus Dei, e, conforme documentado acima, a oposição da Santa Sé à nomeação de Escrivá como bispo foi mantida.
Coerente com esta orientação, o Papa Francisco esclarece que não é necessário um bispo para dirigir o Opus Dei, mas tudo pode estar dentro da linha de uma fidelidade ao carisma que todos os institutos devem buscar. Na prática, sem dizê-lo, o Papa Francisco estabelece uma analogia com o carisma próprio de cada instituto religioso ou secular ou sociedade de vida apostólica, que deve verificar suas obras e seu governo não com base na autoridade hierárquica, mas na fidelidade às aspirações e diretrizes de seu fundador sob a orientação da Igreja.
O título que agora é concedido ao Prelado do Opus Dei ("Protonotário Apostólico" e "Reverendo Monsenhor") faz parte das boas normas da etiqueta vaticana. Também se encontram nos institutos religiosos, e aqueles que conhecem a correspondência antiga entre os religiosos sabem que - ainda no final do século XIX - ao superior geral cabia o título de "Reverendíssimo", ao provincial e ao procurador geral o de "Muito reverendo"; de "Reverendo" aos superiores locais, enquanto aquele de "Padre" se dirigia aos simples sacerdotes, e "irmão" aos que não o eram.
(Mais detalhes neste sentido em E. Boaga, Titoli onorifici, in Dizionario degli istituti di perfezione 9 (1997), pp. 1177-1181).
Numa carta emitida imediatamente após o motu proprio do Papa Francisco, o prelado do Opus Dei, Fernando Ocáriz, declarava aceitar totalmente as disposições do Papa Francisco, como respondente ao carisma do Opus Dei, que desejava poder desenvolver- cada vez mais graças às indicações do Papa Francisco e ao empenho de todos os membros do Opus Dei.