22 Dezembro 2016
A Obra perde o seu guia. Dentro de um mês a eleição no novo Prelado. Agora se desencadeia uma guerra entre as correntes: uma, paladina dos migrantes, outra, dos poderes reacionários. Do papa às finanças: as relações da organização.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Lettera 3, 16-12-2016. A tradução é de Luisa Rabolini.
São 140 os grandes eleitores da Opus Dei, laicos e sacerdotes que deverão indicar o sucessor do monsenhor Javier Echevarría, o Prelado na direção da organização que desapareceu em 12 de dezembro último, aos 84 anos. Echevarría foi eleito em 1994, quando o pontífice ainda era João Paulo II. Karol Wojtyla teve uma relação especial com A Obra, elevou-a a “prelatura pessoal”, uma espécie de diocese sem território, ou melhor, cujo território coincide com o mundo inteiro e que responde, de fato, diretamente ao papa. Trata-se de uma instituição única na geografia da Igreja, criada pelo Concílio Vaticano II para satisfazer específicas finalidades pastorais. Fato que não impede que bispos da Opus Dei estejam na condução de importantes dioceses e que clero e fiéis façam parte tanto da Igreja local como da organização.
Dupla fidelidade, então? Pode ser, mas o mesmo dilema também atinge tantos outros movimentos, organizações e ordens católicas. E no mais, para manter a união, existe o próprio papa, ao menos nas intenções. Não se creia que Francisco, por ser jesuíta, não tenha na devida conta a Opus Dei. No último 7 de novembro, Bergoglio teve um encontro com monsenhor Echevarría. Claro, não faltaram problemas, contudo por parte dessa organização considerada historicamente conservadora – embora não anti-moderna – não foram lançadas farpas contra o pontífice nem irromperam motins injuriosos, embora para alguns de seus membros Francisco, com suas aberturas, tenha causado eventualmente o revirar dos olhos. O futuro que espera a Opus Dei não é nada irrelevante: o Prelado recém desaparecido fazia parte do núcleo histórico, tinha conhecido Josemaria Escrivá de Balaguer, o fundador. O que vai acontecer agora?
Dom Matteo Fabbri, vigário apostólico para a Itália, indagado a respeito pelo jornal Avvenire, explicou: “A Opus Dei entra em uma fase de plena maturidade, monsenhor Echevarría tinha conhecido pessoalmente o fundador e trabalhou a seu lado por muitos anos. Agora é a nossa vez: a Obra irá crescer na medida em que mais saibamos encarnar seu espírito na nossa vida e nos nossos tempos. Recebemos uma herança que desejamos gere muitos frutos para a Igreja inteira e para todas as almas”. Ou seja, também a Opus Dei vai mudar, vai se adaptar aos tempos e a uma Igreja que com Francisco passa da fidelidade absoluta ao dogma para o método da misericórdia, ou seja, do perdão, da escuta e também, inclusive, da capacidade de escolher por parte do crente. Vale dizer que a consciência do indivíduo ganha espaço. Somando-se tudo, essa atenção ao caminho de fé pessoal tem algo próprio da espiritualidade opusiana, que talvez no futuro possa vir a ser menos regulamentada, porém não menos fiel à intuição do fundador: a vida e a espiritualidade cristãs vividas – também – através das obras.
A escolha do novo Prelado recairá ainda sobre a Espanha, o país berço do Opus Dei, vai se orientar para a América Latina ou está aberto o caminho para os Estados Unidos?
Nas semanas passadas também a Companhia de Jesus elegeu o seu novo superior Geral, o venezuelano Arturo Sosa Abascal, que ocupou o lugar do espanhol Adolfo Nicolás. Nicolás é o segundo superior dos jesuítas – entre os 30 sucessores de Santo Inácio de Loyola – que se aposenta mesmo tendo sido eleito de forma vitalícia. Talvez a Opus também venha a se adaptar ao aumento médio da expectativa de vida que está impondo algumas regras novas inclusive à Igreja. De fato, agora o vigário da organização fundada por Escrivà, monsenhor Fernando Ocáriz, convocará dentro de um mês um Congresso geral.
O organismo eletivo é composto por 140 pessoas e é formado por membros nominados vitaliciamente pelo Prelado (Echevarría e o seu predecessor Álvaro del Portillo) entre os fieis das diferentes nações onde a Obra está presente. Os membros do Congresso podem ser laicos ou sacerdotes e devem ter pelo menos 32 anos, além de pertencer à Opus Dei por no mínimo nove. Uma vez encerrada a eleição, essa deve ser confirmada pelo papa. Para ser eleito Prelado, o candidato deve atender alguns requisitos mínimos: deve ser membro do Congresso geral (ou seja, pertencer ao grupo dos 140), estar na Prelatura por pelo menos 10 anos, ser sacerdote por cinco e ter ao menos 40 anos de idade. A escolha recairá mais uma vez sobre a Espanha, o País berço da Opus Dei, irá se orientar para a América Latina – mesclando então tradição hispânica e latino-americana – ou irá ser aberto o caminho para os Estados Unidos?
Também a Opus Dei está mudando – colocando fé numa linha tradicionalista – quando entre os homens de ponta emerge o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, defensor dos imigrados segundo a lição de Francisco e candidato à sucessão de Echevarría. Não é mais o tempo de personalidades ligadas aos conflitos do passado, como o cardeal peruano e arcebispo de Lima, Juan Luis Cipriani Thorne, que encarna a Obra ligada aos velhos poderes reacionários da América Latina (por isso criticado, inclusive, dentro da Igreja), mas que, todavia, está no páreo. Eis então que o futuro Prelado será escolhido levando em consideração a existência dessas diversas tendências. Não que hoje a relação entre Opus Dei e poder tenha se invertido, a atenção ao espírito do capitalismo como principal motor do mundo, que necessita mais que tudo de uma correção visando a caridade cristã, ainda permanece, mas pesam os novos problemas da globalização.
A Opus Dei é muitas coisas juntas e não faltam expoentes das finanças. Basta lembrar o ex-presidente do Ior Ettore Gotti Tedeschi e ao seu grupo de origem, Santander, desde sempre próximo à Obra. Ainda do mundo opusiano, vem um dos membros atuais do Conselho de superintendência do Ior – nomeado sob o pontificado de Bergoglio – Mauricio Larrain, presidente do Santander Chile e da business school da universidade de Los Andes, sempre no País sul americano, um dos ateneus da Opus espalhados pelo mundo. Por outro lado, a junta diretiva laica do Ior recebeu três novos candidatos justamente nesses dias, entre os quais um outro homem oriundo do Santander espanhol, Javier Marin Romano, que no grupo desempenhou funções de primeiríssimo plano e no passado esteve bem próximo ao patriarca do poderoso banco ibérico, Emilio Botin, também amigo da Opus Dei.
Dessa forma, entre finanças e política, nomes importantes não faltam; contudo nesses anos também foram muitas as iniciativas sociais e de promoção humana desenvolvidas no Terceiro mundo, assim como – paralelamente – foi sendo construído um sistema universitário ligado à organização. Existe nisso tudo algo que se assemelha muito à Companhia de Jesus, mesmo que não seja fácil encontrara entre as fileiras da Opus expoentes da teologia da libertação ou teólogos que se arrisquem um pouco mais nas interpretações da Escrituras. Algum banqueiro, porém, como por exemplo Mario Draghi, também estudou com os jesuítas. A Opus conta hoje com 90 mil membros; desses, pouco mais de 2 mil são padres, segundo os números oficiais. Mas, qual o peso da prelatura no Vaticano? O atual chefe da Secretaria para a economia, o cardeal australiano George Pell, mesmo não sendo totalmente opusiano, é simpatizante da organização.
Pell opôs-se às novidades no campo doutrinal e pastoral de Francisco, mesmo assim foi nomeado pelo papa argentino para reorganizar os quadros econômicos da Santa Sé. Uma obra exigente e que está demorando (os novos balanços ainda não foram publicados). Enfim, é também da Opus Dei o monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda, ex garoto prodígio das finanças fora do Vaticano, que acabou no escândalo do Vatileaks, processado pelo próprio Vaticano e condenado sob a acusação, bastante séria, de ter traído a confiança do papa e o ambiente reservado da Santa Sé. Entre luzes e sombras, passado e presente, também a Opus Dei é chamada agora a escolhas importantes.
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Opus Dei na encruzilhada: a possível virada passa pelo Congresso geral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU