30 Novembro 2016
O venezuelano Arturo Sosa Abascal, 68 anos, foi eleito há pouco tempo como o 30º sucessor de Santo Inácio de Loyola à frente da Companhia de Jesus, o chamado “papa negro”, primeiro latino-americano, primeiro enquanto reina um pontífice jesuíta.
A reportagem é de Luigi Accattoli, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 27-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Padre Arturo Sosa Abascal, a primeira mensagem que o senhor recebeu do papa jesuíta, depois da eleição como Geral da Companhia de Jesus, foi: “Seja corajoso”. O que ele queria dizer?
Eu entendi isso no rastro do chamado à saída que ele dirige a toda a Igreja: reformem-se e saiam, tenham a coragem de encontrar a humanidade de hoje com os seus problemas. A humanidade real e toda a humanidade, sem selecionar aquela que gostaríamos e sem pararmos naquela que já conhecemos. A coragem de pensar livremente e também de pensar algo que ainda não foi pensado. A coragem de não ter medo de incomodar o mundo e a Igreja, mas, acima de tudo, a nós mesmos. São escolhas exigentes. Para cumpri-las até o fim, a Companhia não deve parar para defender a si mesma e não deve se conformar com o que existe e nem com aquilo que a Igreja é.
Pouco depois dessa exortação vinda de Francisco, na primeira homilia como Geral, o senhor falou da audácia do improvável e até do impossível. A presença de um papa jesuíta não estaria contagiando vocês?
Não, não deixamos que isso chegue à cabeça. Não é de hoje que a espiritualidade da Companhia de Jesus busca um além, não se aquieta ao existente. É a regra do magis, isto é, do mais, como nós dizemos. Essa intuição me veio do mestre dos dominicanos, Bruno Cadorè, que, na homilia que proferiu para nós, como prólogo da Congregação Geral, convidou-nos a ter a audácia do improvável, propondo-a como a atitude justamente das pessoas de fé que tentam testemunhar Cristo diante da humanidade de hoje e, para fazer isso, precisam deixar para trás o medo e remar para o alto mar. Esse lembrete me agradou, mas me pareceu que se podia dizer mais, e, assim, cheguei à proposta de não parar no improvável e de visar ao impossível.
Nessa mira no impossível, não há algo de excessivo? Um ramo de loucura?
Sim. Mas é a loucura da fé. Porque miramos ao improvável e ao impossível – como é a obra de propor o Evangelho à humanidade de hoje – não nos baseando em uma audácia nossa, mas naquela que brota do chamado do Senhor. Se a nossa fé é como a de Maria, a mãe de Jesus e a Mãe da Companhia de Jesus, a nossa audácia pode chegar ao impossível, porque nada é impossível para Deus, como proclama o arcanjo Gabriel na cena da Anunciação.
A que impossível o senhor alude? No caso de Maria, tratava-se de conceber um filho sem o aporte de um homem, mas esse impossível lhe tinha sido proposto por um anjo: onde os jesuítas deveriam ir procurá-lo?
O impossível de que eu falo é sair dos esquemas que nos são impostos pela realidade que nos rodeia. Facilmente, a humanidade se convence de que não é possível outro mundo senão este, outra convivência senão aquela em que nos movemos. Portanto, trata-se de ir além do existente. Somos chamados a isso já como criaturas, porque somos feitos à imagem do Criador e, portanto, devemos ser criativos. Eu penso em todas as vezes que Jesus, nos Evangelhos, repreende os discípulos pela pouca fé e diz: se vocês tivessem apenas um grão, poderiam fazer isto e aquilo.
Que ajuda pode dar à humanidade de hoje a pedagogia da Companhia de Jesus (totalmente dirigida à formação do indivíduo, enquanto o mundo está totalmente voltado ao econômico e ao social)?
A pedagogia dos Exercícios Espirituais, como se intitula a obra mais importante do nosso fundador, é uma mensagem importante para a cultura de hoje, que é – sempre se diz – uma cultura da imagem, e Santo Inácio considera a imagem como muito importante. Ele sempre convida aquele que faz os Exercícios a contemplar Jesus, de acordo com as diversas cenas propostas pelos Evangelhos; não se trata de uma contemplação passiva, mas de uma visão do lugar e dos personagens, voltada a captar a dinâmica da ação evangélica na qual a pessoa pode se colocar para participar dela. Isto é, voltada a um discernimento e a uma decisão que não ficam no íntimo, mas se voltam para a ação.
Concordo, mas o senhor não considera que os Exercícios Espirituais ensinados por Inácio de Loyola são excessivamente introspectivos hoje?
De acordo com a minha experiência, os Exercícios Espirituais levam para fora. Eles entram para dar frutos. Tendem a motivar a pessoa a sair para os outros e para Deus. Trata-se – diz Inácio no parágrafo 189 dos Exercícios – de “sair do próprio amor, saber e interesse”. Nessa dinâmica, há profundidade teológica, porque o pecado não é só transgressão de um mandamento, mas também, no fundo, é fechamento em si mesmo, triunfo do egoísmo. Os Exercícios visam a superar esse fechamento, são guiados por uma lógica expansiva, que é a do lava-pés, em que Jesus diz: o que eu fiz a vocês, façam-no uns aos outros.
No passado, na sua pátria venezuelana, o senhor se “sujou as mãos” de várias formas com uma situação política sempre fervendo...
Muitas vezes, eu me sujei as mãos, mas depois também as lavei...
É verdade: o senhor admitiu que errou e corrigiu, pouco a pouco, análises e julgamentos, mas, por causa desses precedentes, a sua eleição também foi criticada pelas suas posições políticas passadas. O que responde às críticas?
Qualquer coisa que se diga ou se faça na Venezuela e sobre a Venezuela é criticada. O nosso drama é que não somos capazes de ouvir. Assim que alguém fala, tenta-se encaixá-lo, antes de ouvir o que ele tem a dizer. Essa situação de diálogo entre surdos já dura há mais de 25 anos, remonta a antes do chavismo. Muitas vezes, eu me encontrei em encontros em que alguém, depois de um discurso meu, seja qual fosse o conteúdo, vinha gritar na minha cara: mas o senhor é a favor ou contra? “Veja você”, eu respondia. Eu quero, para o povo da Venezuela, um mundo muito melhor do que aquele que existe agora, tenho certeza de que é possível realizá-lo, e foi por isso que eu me esforcei enquanto eu estava lá. Também estou convencido de que só se pode chegar a uma mudança de verdade pela via política, excluindo o uso da violência, e que o primeiro passo deve ser o de se entender entre diferentes, de se reconhecer uns aos outros.
Muitas vezes, as críticas que os jesuítas latino-americanos recebem são as mesmas que o papa jesuíta latino-americano recebe. O que o senhor diria a quem defende que vocês fazem política demais e uma política que parece ser quase sempre de esquerda, se hoje essa categoria ainda tem sentido?
A meu ver, nós fazemos pouca política: devemos fazer mais. Eu me refiro à política alta, não a das facções. Para entender esse meu favor à Política com maiúscula, também leve em conta que o meu campo de estudos é o das Ciências Políticas. Eu estou convicto de que, sem política, não é possível uma verdadeira vida humana, nem a luta pela justiça. O lema do general von Clausewitz de que a guerra é a “continuação da política com outros meios” é profundamente errado: a guerra nega a política, que é o lugar da construção da convivência. Ele declara a sua derrota. O cristão não pode se alienar da política, que tem a ver com a dimensão social do Evangelho. O meu compromisso – quando eu estava na Venezuela e também agora – é o de me colocar nesse nível do compromisso político. A diferença entre direita e esquerda me parece ser cada dia mais inútil, uma questão de rótulo. A substância é que nossa fé cristã nos leva à luta pela justiça. O fiel não pode se resignar a um mundo que está cheio de injustiças.
Em que o senhor pensa quando pronuncia essas palavras sobre as injustiças?
Penso no poder econômico que domina o planeta, o narcotráfico, o comércio de armas, o tráfico de pessoas. Penso no crescente e antievangélico fosso entre ricos e pobres: nas últimas décadas, essa lacuna cresceu. Na liturgia, invocamos o advento de um “reino de justiça, de amor e de paz”, e, portanto, o cristão não poderá aprovar essa tendência.
O que diz às pessoas de direita que se escandalizam com a sua suposta tendência à esquerda?
Eu não quero polemizar com aqueles que estão à direita. O meu raciocínio vai na direção daqueles que se opõem a toda mudança, e os inimigos do novo também podem estar à esquerda. Eu acho que esses opositores são pessoas ideologicamente rígidas e intimamente inseguras, que precisam manter as coisas firmes para encontrar segurança no já conhecido. Precisam de um terreno seguro para apoiar os pés, enquanto o Evangelho nos tira o chão e nos deixa no ar: “Eu vim para trazer fogo”, “Faço novas todas as coisas”.
Essas suas palavras para os inimigos da mudança se assemelham àquelas que Francisco muitas vezes dirige aos católicos que se opõem às reformas. O que o senhor diz sobre as contestações ao papa que vêm de dentro da Igreja?
Eu vejo as críticas que são feitas ao papa, hoje com mais liberdade do que ontem, como um fruto do clima que ele mesmo criou, convidando a um debate aberto e a dizer com franqueza a própria convicção. Várias vezes ele convidou à parrésia, que, justamente, significa dizer uma palavra franca. Francisco é capaz de ouvir opiniões diferentes das suas. Essa escuta é útil em todos os níveis da Igreja. O nosso tempo pede decisões novas, e, para ir ao novo, é necessário um amplo debate.
O que o senhor acha da carta dos quatro cardeais, entre eles o italiano Carlo Caffara, que pediram que o papa esclareça cinco “dúvidas” sobre a exortação Amoris laetitia? Francisco ainda não respondeu, e eles publicaram a carta: o senhor está preocupado com esses desdobramentos?
Não estou preocupado. Esses quatro tomaram a liberdade de expressão a qual o papa tinha convidado. Eu gosto que isso aconteça. Na nossa linguagem dos jesuítas, diz-se que é necessário conhecer a opinião de todos para fazer um verdadeiro discernimento comunitário. Naturalmente, o jogo deve ser leal: se alguém pede um esclarecimento porque não entendeu, estamos na lealdade. O caso seria diferente em relação àqueles que criticam instrumentalmente por um cálculo de conveniência ou que fazem perguntas para criar problemas.
Em um dos seus primeiros compromissos públicos depois da eleição, o senhor disse que, na China, hoje, estão presentes 12 jesuítas, e que o governo sabe da sua presença. O que dizer a esses pioneiros?
Obrigado por estarem aí, obrigado por terem respondido ao chamado a uma missão difícil. Eles fazem um trabalho não religioso: ensinam línguas, matemática, física, disciplinas econômicas e administrativas. Atestam uma possibilidade de convivência, de proximidade humana.
Matteo Ricci, grande jesuíta, tentou se fazer “chinês com os chineses”. Hoje, nós, europeus, deveríamos nos fazer africanos e árabes com os africanos e árabes que chegam aqui?
O critério da inculturação, ou seja, de entrar completamente na cultura do povo ao qual somos enviados, sempre esteve no centro da estratégia missionária dos jesuítas. Hoje, além disso, somos, de fato, uma Companhia multicultural. A maioria de nós não é mais europeia. O desafio de hoje é a interculturalidade: na Companhia, na Igreja, no mundo. Na mistura das pessoas, há algo do rosto de Deus.
Mas que Europa, que Estados Unidos da América teremos amanhã, com o crescimento dos imigrantes e a queda dos nativos?
Todos os povos nasceram da mistura, a Europa e os Estados Unidos mais do que os outros. E, a partir da mistura, obtiveram os seus grandes recursos. A chegada de pessoas novas é um trauma, mas também é uma esperança. Eu acho que a Europa e os Estados Unidos de amanhã serão melhores com essa variedade renovada. O esforço nos faz mais humanos, nos desloca das nossas convicções para nos ajudar a aceitar os recém-chegados. Quando jovem, eu li Teilhard de Chardin e, a partir desse jesuíta genial, aprendi a cultivar o otimismo dos tempos longos.
Por que a Companhia de Jesus não se atém mais à regra que proibia os jesuítas de aceitar cargos eclesiásticos como o episcopado, o cardinalato e o papado? Vocês não acreditam mais que o seu fundador tinha boas razões para proibir aos companheiros todo acesso ao poder?
Acreditamos que ele as tinha, e ainda nos atemos àquela regra, mas na novidade dos tempos. Eu explico a novidade com o exemplo dos párocos. O fundador não queria que os jesuítas fossem párocos, e nós não o fomos por muito tempo. Porque as paróquias, então, tinham benefícios, isto é, propriedades, configuravam uma situação segura, um prestígio social, enquanto o critério missionário ditado por Santo Inácio nos dirigia à escolha dos lugares esquecidos, das fronteiras, dos locais de que outros fugiam. Hoje, ser pároco não é mais fonte de prestígio, e hoje temos centenas de paróquias em todo o mundo. Algo semelhante vale para o episcopado. Eu estive recentemente no juramento do coirmão Paolo Bizzetti, que foi enviado para a Turquia como vigário apostólico de Anatólia para assumir o lugar do mártir Luigi Padovese e jurou sobre a Bíblia de Padovese que traz o sinal da bala que o matou. Para ser bispo lá, assim como em tantos lugares de missão, ninguém quer ir.
Mas algumas vezes vemos que um jesuíta se torna arcebispo de Milão ou de Buenos Aires...
Isso também acontecia no passado, tivemos cardeais jesuítas desde o século XVI. Para um nome conhecido, pense no cardeal e santo Roberto Belarmino. Isso significa que o papa os obrigou a aceitar essa nomeação. Você sabe que temos um voto de especial obediência ao papa.
O que Deus pede aos jesuítas nesta época de grandes transformações, e o que os jesuítas pedem a Deus?
Pedimos a consolação, que é a palavra inaciana que deve ser totalmente entendida: não é a alegria do coração, mas a confirmação interior da missão recebida. A segurança de que aquilo para o qual sou chamado é o que o Senhor quer de mim. A atitude de Jesus no Horto: afasta de mim este cálice, mas que seja feita a Tua vontade.
E Deus, o que lhes pede?
Eu acho que Ele nos pede, como sempre e a todos, para ir e anunciar o Evangelho. Especificamente, Ele nos pede para nos colocarmos nos postos de fronteira de que falávamos, naqueles novos ou perigosos, onde se arrisca a vida. E de ficar lá. Na Turquia, como se mencionava. Na China. Nos centros de acolhimento para os refugiados. Nas zonas das lutas tribais. Nas terras onde estão os mais pobres dos pobres.
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"Não podemos nos resignar a este mundo de injustiças." Entrevista com Arturo Sosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU