27 Julho 2022
"As causas da pobreza do Iêmen são múltiplas e complexas. Mas, sem dúvida, o alto crescimento demográfico contribuiu para a crise atual", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 25-07-2022.
O Homo sapiens surgiu na África há mais de 200 mil anos e há cerca de 80 mil anos iniciou a jornada para dominar o mundo. O Iêmen foi o primeiro destino dos emigrantes que saíram da África. A “diáspora” africana atravessou o Estreito de Bab-al-Mandeb, que separa o sul da Península Arábica, de Djibuti, no nordeste da África. Naquela época o Iêmen era uma área fértil e rica em serviços ecossistêmicos e abrigou os primeiros seres humanos fora do continente africano. Mas tudo mudou no Iêmen ao longo dos séculos.
A população iemenita era de 4,7 milhões de habitantes em 1950 e passou para 30 milhões em 2020. O número de habitantes do Iêmen mais do que sextuplicou em 70 anos, um dos maiores crescimentos demográficos do mundo. As projeções da ONU indicam que a população do Iêmen pode chegar a 48,1 milhões de habitantes em 2050, decuplicando em um século.
A densidade demográfica do Iêmen que estava em 8,3 habitantes por km2 em 1950, chegou a 57 hab/km2 em 2020 e deve atingir 91 hab/km2 em 2050 (lembrando que a maior parte do território atual do país é constituída por desertos). Para efeito de comparação, a densidade demográfica da Rússia era de 6,3 hab/km2 em 1950, 8,9 hab/km2 em 2020 e deve diminuir para 8,3 hab/km2 em 2050.
Com tão elevado crescimento populacional, o Iêmen precisava ter um crescimento econômico bem superior para garantir o crescimento da renda per capita. Porém, o que aconteceu é que o Iêmen passou a ter dificuldade para manter uma harmonia social e entrou em uma grande recessão a partir de 2010.
O gráfico abaixo mostra que a renda per capita que era de US$ 3,3 mil, em 1990, subiu para US$ 4,4 mil em 2010, mas caiu para US$ 2,6 mil em 2015. A renda do iemenita que já era baixa, diminuiu ainda mais jogando o país na armadilha da pobreza, com uma renda per capita nos anos 2020 menor do que nos anos 1990.
Renda per capita (preços constantes em ppp) do Iêmen: 1990-2027
Fonte: FMI/WEO abril de 2022. (Foto: EcoDebate)
Assim, o que estava ruim piorou a partir de 2015 quando a guerra entre os separatistas do sul e as forças leais ao governo de Abd Rabbuh Mansur Hadi, com sede em Áden, entraram em conflito com os Houthis e as forças leais ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh. O conflito alimentado pela rivalidade entre as potências regionais do Oriente Médio – Arábia Saudita versus Irã – tem devastado o país. A renda per capita caiu para US$ 1,78 mil em 2022 e, mesmo o FMI projetando um aumento da renda até 2027, a renda per capita continuará muito menor do que o valor de 37 anos atrás.
As causas da pobreza do Iêmen são múltiplas e complexas. Mas, sem dúvida, o alto crescimento demográfico contribuiu para a crise atual. Em 2003, o demógrafo Paul Demeny publicou um artigo na prestigiosa revista Population and Development Review, mostrando os opostos da dinâmica demográfica do Iêmen (área 528 mil km²) e da Rússia (área de 17,1 milhões de km²). A Rússia, com a maior área territorial do mundo, terá uma população estabilizada entre 1950 e 2050, enquanto o Iêmen – um país pequeno e pobre – terá a população multiplicada por 10 em um século, conforme figura abaixo.
Pirâmide Populacional do Iêmen
Foto: EcoDebate
No referido artigo, Demeny aborda as diferenças entre a baixa taxa de fecundidade da Rússia (e dos países europeus) e a alta taxa de fecundidade do Iêmen e de outros países em desenvolvimento, principalmente no Oriente Médio e na África. Contudo, a redução do número médio dos filhos, mesmo com diferenciais significativos, se generalizou.
A taxa de fecundidade total (TFT) do Iêmen que estava acima de 8 filhos por mulher na segunda metade do século XX, caiu para 6 filhos na virada do milênio e chegou pouco abaixo de 4 filhos no quinquênio 2015-20. Portanto, o Iêmen está passando por uma transição tardia da fecundidade, mas que deve atingir uma TFT abaixo do nível de reposição na segunda metade do atual século. Esta queda da fecundidade é fundamental para a estabilização do crescimento demográfico no Iêmen, pois se o ritmo de crescimento da população não for reduzido pela redução do tamanho das famílias, poderá ser reduzida pelo aumento das taxas de mortalidade.
A renda per capita está caindo e a qualidade de vida e de condições ecológicas estão se degradando. O Iêmen tinha, em 1961, uma pegada ecológica per capita de 0,95 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 2,26 gha, tendo, portanto, superávit ambiental até o início da década de 1990. Porém, mesmo com a queda da pegada ecológica per capita para apenas 0,51 gha em 2018 (a média mundial é de 2,7 gha), a biocapacidade caiu para pífios 0,37 gha. O motivo desta tremenda queda da biocapacidade pode ser explicado pelo crescimento da população.
Foto: EcoDebate
Portanto, o Iêmen precisa de ajuda internacional para enfrentar a crise de fome e de baixa qualidade de vida, mas também precisa de ajuda para acelerar a queda das taxas de fecundidade e reverter o crescimento demográfico para a etapa do decrescimento. O país precisa acabar urgentemente com a guerra e garantir a recuperação social e ambiental.
As estatísticas mostram que o Iêmen só tem uma árvore para cada habitante e para garantir a regeneração ecológica precisa diminuir o número de habitantes e aumentar o número de árvores. O bem-estar social depende da paz entre os seres humanos e entre os seres humanos e a natureza.
Paul Demeny. Population Policy Dilemmas in Europe at the Dawn of the Twenty-First Century, Population and Development Review 29(1):1–28 (MARCH 2003). Disponível aqui.
William Ripple et. al. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, 05/11/19. Disponível aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Guerra, fome, ambiente e população na crise humanitária do Iêmen. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU