04 Junho 2022
“Independentemente de quem vencer as eleições de 19 de junho, fica claro que, diante de um cenário altamente polarizado, as contradições que atravessam a sociedade colombiana intensificarão os cenários conflituosos diante de dois candidatos cuja vitória dependerá do medo causado pela eventual chegada do rival ao governo”. A reflexão é de Daniel Kersffeld, em artigo publicado por Página/12, 03-06-2022. A tradução é do Cepat.
Daniel Kersffeld é doutor em Estudos Latino-Americanos (UNAM) e pesquisador CONICET-Universidad Torcuato di Tella.
Mais do que a vitória da esquerda, a principal consequência das eleições de 29 de maio é o suposto esgotamento do ciclo político do uribismo, fundado pelo ex-presidente Álvaro Uribe com sua chegada ao governo em 2002 e que se constituiu, após duas décadas, no principal eixo da política interna e externa da Colômbia.
Nesse sentido, pela primeira vez, passam para o segundo turno dois candidatos, Gustavo Petro e Rodolfo Hernández, não identificados com o uribismo, cujo representante oficial, Federico “Fico” Gutiérrez mal alcançou o terceiro lugar com 24%. Trata-se da pior derrota do partido no poder e do atual presidente Iván Duque, que, dessa maneira, não consegue garantir sua continuidade nas urnas.
A “errônea” defesa de Adolf Hitler quando tentou exaltar a figura de Albert Einstein, as críticas ao papel da mulher na política e na vida cotidiana, a violência verbal (e até física) contra adversários, etc. alimentaram a polêmica e a visibilidade pública de Hernández, até um mês atrás um personagem periférico na política colombiana e cujo nível de preferências começou a aumentar à medida que o oficialista Gutiérrez parou de crescer.
No entanto, seria reducionista caracterizar Hernández simplesmente como um “populista”. De qualquer forma, o fundamental aqui é seu pensamento conservador (e em vários pontos reacionário) diante da atual agenda política da Colômbia. Fortemente ancorado na mídia e nas redes sociais, o agora chamado “Trump colombiano” poderia triunfar, em princípio, somando os votos de seu ex-rival Gutiérrez, tornando-se assim o candidato oficial do establishment (o que ao mesmo tempo poderia enfraquecê-lo ao identificá-lo como representante da classe política da qual afirma ser crítico).
Gustavo Petro, por sua vez, conseguiu o que nenhum outro candidato da esquerda conseguiu em toda a história da Colômbia: tornar-se uma referência política excludente, cujo apelo vai além de uma tradicional classe operária ou camponesa e que, em vez disso, interpela a sociedade mobilizada nos protestos dos últimos anos.
Sua aposta para sair vitorioso no segundo turno é, sem dúvida, mais complexa do que a de Hernández: diante das dificuldades de somar votos vindos dos demais candidatos, e como garantia de sucesso, levanta a possibilidade de um milhão de eleitores a mais do que os que teve no 29 de maio.
Sem serem “antissistema” (termo usado para classificar erroneamente ambos os candidatos), o que estará realmente em jogo no segundo turno será o tipo de confronto escolhido contra o establishment, plenamente identificado com um uribismo que, na derrota eleitoral, encontre uma maneira de se fortalecer e perseverar diante das mudanças que estão por vir.
Se Hernández buscará a expansão e a incorporação de setores periféricos como os que ele representa, Petro, por outro lado, será quem deverá enfrentar maiores desafios diante das elites e das oligarquias regionais.
Três perguntas para concluir:
Que capacidade terá o uribismo para se reconfigurar em uma nova etapa da vida política colombiana em que, em princípio, já se sabe que nenhum representante dessa corrente poderá chegar ao governo?
Nesse sentido, é concebível que o uribismo volte a estar na oposição (como aconteceu durante o governo de Santos, especialmente desde a assinatura dos Acordos de Paz), embora possamos imaginar que haverá um diálogo fluido caso Hernández chegue ao governo.
Caso o Petro vença o segundo turno, como será uma política externa que, há mais de um século, foi estabelecida com base no alinhamento incondicional com os Estados Unidos?
Sem dúvida, surgem questões, em princípio, em torno da adesão da Colômbia à OTAN, do multimilionário apoio econômico de Washington para a luta contra o narcotráfico, etc.
No caso de Hernández vencer, como poderá garantir sua própria governabilidade em um cenário em que 40% dos eleitores optaram por uma mudança radical na política colombiana e cuja institucionalidade foi posta à prova nos últimos protestos de 2020 e, especialmente, de 2021?
Independentemente de quem vencer as eleições de 19 de junho, fica claro que, diante de um cenário altamente polarizado, as contradições que atravessam a sociedade colombiana intensificarão os cenários conflituosos diante de dois candidatos cuja vitória dependerá do medo causado pela eventual chegada do rival ao governo.
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Colômbia: uma divisão que não vai se resolver no segundo turno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU