Exibição de documentário e exposição de fotos, mapas, e bonecos que simulam os massacres da história Yanomami fizeram parte da programação.
A reportagem é de Maria Edna de Brito, da Pastoral Indigenista de Roraima, e Ligia Apel, do Cimi Regional Norte I, publicada pelo Cini, 31-05-2022.
No dia 25 de maio, no Espaço Cultural Paricá, em Boa Vista (RR), o Movimento em Defesa de Roraima – um colegiado de cidadãos, cidadãs e organizações da sociedade civil – promoveu um dia de solidariedade aos povos Yanomami, Ye’kuana e Sanöma, e também de reflexões e debates em alusão aos 30 anos da demarcação da Terra Indígena Yanomami (TIY).
Exposição de fotos, mapas e artigos dos jornais locais de Roraima que contam a história de violências sofridas pelo povo Yanomami, feirinha de artesanatos, exibição de documentários, como “A Última Floresta”, e exposição de bonecos envoltos em plásticos pretos, com figuras de pessoas falecidas simulando os massacres e homicídios do povo Yanomami, fizeram parte da programação.
A exposição dos jornais denunciava invasões de garimpeiros, mortes, ameaças, chacinas, mapas das invasões, doenças, manifestações contra os Yanomami e a favor do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
30 anos de homologação da TI Yanomami: Movimento em Defesa de Roraima promove dia reflexão e solidariedade aos povos Yanomami, Ye’kuana e Sanöma – Foto: Maria Edna de Brito/Pastoral Indigenista de Roraima
As falas dos indígenas e dos amigos dos Yanomami, Ye’kuana e Sanöma, professores, estudantes, presidentes das associações indígenas Ye’kuana e Macuxi, organizações indigenistas, sindicatos de trabalhadores e coletivos e ativistas de direitos humanos repudiaram as violências que se revelam ao mundo: os assassinatos de indígenas dentro do território, as mortes das crianças, abusos de mulheres Yanomami, invasões ao território pelos rios e rotas aéreas, contaminação das águas, destruição da floresta, impedimento de instituições de saúde e autoridades para verificação in loco da situação das comunidades, vista grossa por parte dos governos estadual e federal, facilitando a entrada de garimpo ilegal na TI Yanomami. O grito de indignação ecoou por todas as vozes como genocídio institucionalizado.
Julio Ye’kuana, coordenador da Associação Ye’kuana, disse que é importante lembrar os 30 anos da demarcação da TIY pela sua significação ancestral. “Significa que a gente agradece aos mais velhos que depositaram sua luta e conseguiram demarcar a terra para a gente viver bem. Mas, a violência voltou como era antes”, diz com tristeza, manifestando a dor que sente ao ver sua terra invadida e ver seu povo andar por ela com medo.
As falas dos indígenas e dos amigos dos Yanomami, Ye’kuana e Sanöma repudiaram as violências que se revelam ao mundo: os assassinatos de indígenas dentro do território e a destruição das florestas. Foto: Maria Edna de Brito/Pastoral Indigenista de Roraima
“As mulheres e crianças têm medo de ir caçar, pescar, frequentar a roça. É muito triste”, repetiu por várias vezes e denunciou as águas poluídas e os peixes contaminados por mercúrio, enfatizando: “nós temos que continuar a lutar. Nossa luta não vai parar. Esse garimpo que invadiu nossa terra está afetando muito as populações indígenas, e não só indígenas, mas toda a população, porque está poluindo os rios, destruindo as florestas. Nosso sonho é viver em paz, sem garimpo e sem invasão”.
O representante do movimento universitário “Levante Popular da Juventude”, de Boa Vista, José Tomaz Wapichana, invocou a ancestralidade presente na luta atual e disse que ela não pode parar, pois é uma luta para manter a vida.
“Somos seres vivos, pisando nessa terra agora, atravessando essa temporalidade de tamanha crueldade contra nossos irmãos e contra a terra que sofre com a exploração de garimpo. Para além de nomes, bandeiras ou grupos, a ancestralidade, essa presença que se chama vida, perpassa por todos nós e nos envolve para a luta, nos chama ao engajamento”, ressaltou convicto que tamanha “maldade” é doença e como tal precisa ser entendida e combatida.
“Toda essa maldade criada é uma doença, que os yanomami chamam de ‘shawara’, uma doença que é tirada da terra. É a ganância pelo ouro. Mas, para que esse ouro? De quem é essa riqueza? E o que é essa riqueza? Que conceitos são esses que já não cabem mais no nosso entendimento? Porque essa doença não permite a vida para nenhum ser vivo”, questiona José Wapichana, lançando o desafio para se buscar a compreensão do que está acontecendo.
Gilmara Fernandes Ribeiro, representando a Pastoral Indigenista de Roraima e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Norte I, expressou repúdio e dor pelos últimos acontecimentos com as crianças e mulheres Yanomami tratadas como objeto de exploração sexual pelos garimpeiros dentro da TI Yanomami e fez um breve resgate das violências cometidas contra a população Yanomami.
“Historicamente, o garimpo vem massacrando os Yanomami. Temos o massacre de Haximu, em 1993, que jamais esqueceremos. Desde 2020, assistimos o retorno do processo de violência extrema, iniciado com o assassinato de dois indígenas isolados. De lá para cá tem acontecido uma escalada de genocídio, de massacre, de violência. Ano passado, em maio, por mais de um mês a comunidade Palimiu ficou sendo atacada por grupos de garimpeiros, com mortes de crianças. Jovem Yanomami foi assassinado por um avião que servia ao garimpo. Depois, outras crianças foram mortas pelo maquinário dos garimpeiros. E agora, nesse ano, a denúncia das atrocidades contra crianças e mulheres”, relatou a missionária, apontando para a política do estado aliada ao poder econômico como a principal responsável pelos acontecimentos.
“Historicamente, o garimpo vem massacrando os Yanomami. Temos o massacre de Haximu, em 1993, que jamais esqueceremos”, afirmou Gilmara Fernandes Ribeiro, do Cimi Regional Norte I. Foto: Maria Edna de Brito/Pastoral Indigenista de Roraima
“Uma política de um governo que está alicerçado em uma política anti-indígena. E aí perguntamos junto com as lideranças indígenas: quem é que ajuda a financiar o garimpo em TIs? Na estrutura, na logística? Porque não é um ‘garimpozinho’ que está lá, mas tem uma estrutura muito grande. E sabemos que tem toda uma classe política envolvida com financiamento, com patrocínio, com políticas favoráveis ao garimpo. Uma violência institucional. O Estado financia, o Estado apoia, o Estado promove e fica dizendo que está tudo bem”, enfatiza.
“Mais do que nunca, a gente vai precisar se juntar, se unir com mais força. Principalmente nos próximos meses e que, em outubro, a gente consiga mudar essa realidade”, completa, reassumindo o compromisso de seguir lutando junto com os Yanomami, Ye’kuana e Sanöma, para que possam viver a sua paz na sua floresta
30 anos homologação Yanomami: ato em solidariedade aos povos Yanomami, Ye’kuana e Sanöma. Foto: Maria Edna de Brito/Pastoral Indigenista de Roraima
Outras falas valorizaram as culturas indígenas, línguas e conhecimentos originais da natureza, das plantas medicinais, dos trabalhos artesanais, que estavam à venda, feitos pelas artesãs do povo Taurepang, que, no final, prepararam a “damorida”, comida indígena com pimenta, para alimentação dos participantes.
Um dos momentos mais importantes foi a manifestação que fechou a BR-174. Os participantes foram às ruas com cartazes e faixas que expunham suas reivindicações e denúncias: “SOS Yanomami, Genocídio não”, “Genocídio Yanomami: omissão é crime. Queremos justiça”, “30 anos de homologação da Terra Indígena Yanomami: Fora Bolsonaro! Fora Denarium!”.
Nesse tempo de tanto sofrimento para o povo Yanomami, parece que escuto um deles a dizer:
“A Terra Indígena Yanomami sempre foi dos Yanomami. Mas, há 30 anos vieram os napë [os não indígenas] e disseram que teríamos que mapear, demarcar, limitar, homologar, registrar para seguir a Constituição Federal de 1988. Como? Que estranho?! Se a terra, os rios, as cabeceiras das águas, as serras, as pedras, os lagos, as grandes águas, sempre foram dos Yanomami!? Como? Nossos hekurapë moram aqui há muito tempo. Vivemos da nossa ancestralidade! ”
O Yanomami continua: “escreveram no Artigo 231 da Constituição deles para eles, para os mesmos napë, que ‘são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens’. Nós já vivemos todas essas palavras antes dos napë pisarem aqui. Nós respeitamos a floresta. Os napë escreveram para eles mesmos e agora querem comemorar 30 anos que invadem nossa terra”.
E sussurra mais em minha cabeça: “agora comemoram 30 anos que mapearam, demarcaram, limitaram, homologaram, registraram e estão matando nossa gente. Vocês não podem comemorar, vocês têm que expulsar os seus parentes daqui. Não escutam a lei que vocês mesmos fizeram? Horemu, os napë, fazem as leis e não cumprem, wamakï horemu. Inaha ya pihiku”.