24 Mai 2022
No dia da abertura da Assembleia Geral da CEI, a coordenação ItalyChurchToo torna pública a carta enviada às mais altas autoridades do clero, de Bassetti a Parolin. As associações pedem uma investigação super partes – da qual a Igreja se mantenha de fora – sobre as vítimas de padres pedófilos na Itália, na esteira de experiências semelhantes realizadas em toda a Europa. "Seria revolucionária, mas também muito incômoda. Porque demonstraria que a Itália é o país com o maior número de padres pedófilos do mundo", diz o presidente da Rede L’Abuso Francesco Zanardi
A reportagem é de de Paolo Frosina e Francesco A. Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 23-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Pedimos a plena colaboração da Igreja italiana em uma investigação independente, conduzida por profissionais respeitados e super partes, que lance luz sobre os abusos cometidos pelo clero na Itália, que veja unidos os esforços de diferentes e altíssimos profissionais e que utilize simultaneamente métodos qualitativos, quantitativos e documentais".
Este é o pedido dirigido à Conferência Episcopal (CEI) pela Coordenação contra os Abusos na Igreja Católica - ItalyChurchToo, nascida em fevereiro passado para pedir um "Spotlight italiano" em nome das vítimas de abuso, do laicato católico, de instâncias de diálogo inter-religioso, da cidadania e algumas mídias sensíveis.
O apelo consta de uma carta entregue em 10 de maio ao presidente em saída da CEI, cardeal Gualtiero Bassetti, a todo o episcopado italiano, ao secretário de Estado vaticano, cardeal Pietro Parolin, ao prefeito da Congregação para a Doutrina da fé, cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer, ao prefeito da Congregação para o Clero, Lazarus You Heung-sik, e ao secretário geral do Sínodo dos Bispos, cardeal Mario Grech.
O documento é divulgado no dia de abertura da assembleia geral da CEI, convocada para escolher o novo presidente do episcopado italiano. Mas durante os trabalhos - que como já é tradição serão abertos pelo Papa – é prevista também uma comunicação sobre as atividades e as propostas de combate aos abusos promovidas pelo Serviço Nacional para a Proteção dos Menores. Há meses, de fato, a CEI vem discutindo a possibilidade de iniciar uma comissão independente sobre a pedofilia do clero também na Itália, na esteira de experiências semelhantes realizadas no exterior.
Por exemplo, a comissão Sauvè na França, que em outubro de 2021 entregou um relatório no qual estima 216 mil vítimas de abuso por 3.200 sacerdotes a partir de 1950. Ou o relatório choque alemão sobre a Arquidiocese de Munique e Freising, dirigido pelo Papa Emérito Bento XVI entre 1977 e 1981: pelo menos 497 vítimas e 235 abusadores no período 1945-2019.
Ou ainda a comissão governamental que será criada na Espanha após a megainvestigação de El Pais, que sozinha revelou mais de trezentos casos de abusos nos últimos cinquenta anos. Nesse sentido, a ItalyChurchToo esclareceu: "Rejeitamos de antemão qualquer hipótese de trabalho realizado com instrumentos e recursos internos à própria Igreja, que não teria as características de terceirização necessária e resultaria não credível, carente e, em última análise, inútil senão mesmo prejudicial".
“Até um milhão de potenciais vítimas” - “Uma verdadeira comissão independente seria revolucionária, mas também muito incômoda. Porque demonstraria que a Itália é o país com o maior número de padres pedófilos do mundo”, diz ao fattoquotidiano.it Francesco Zanardi, 51, que sobreviveu aos abusos de Dom Nello Giraudo - o pároco de Savona condenado por violências contra menores - e presidente da Rete l'Abuso, a associação de vítimas do clero italiano. “Basta usar a estatística”, explica: “Na França os padres são 22 mil e a comissão identificou mais de três mil pedófilos e mais de duzentos mil abusos. Como na Itália os padres são 52.000, com base em estudos independentes, é razoável pensar que os pedófilos poderiam ser o triplo, nove ou dez mil. E os abusos até um milhão”.
No domingo, no site da Rete l'Abuso, Zanardi criticou a recente participação da CEI no Observatório Ministerial para a luta contra a pedofilia e a pornografia infantil, definida como "um lifting generosamente oferecido pelo governo italiano ao clero": “A pedofilia eclesiástica não pode ser comparada à das pessoas comuns, pois é coberta por uma hierarquia poderosa. Por isso, o Observatório não basta, mas é necessária uma comissão de investigação ad hoc, composta por especialistas qualificados, da qual participem também representantes das vítimas. E que seja seguida por uma comissão parlamentar capaz de preparar instrumentos legislativos de prevenção, por exemplo a obrigação de denúncia de parte de quem testemunhe um abuso, que já existe na França, Alemanha e Suíça”, afirma.
Abrir os arquivos - Os pedidos da Coordenação aos bispos italianos são no total sete. “Pedimos que sejam abertos e disponibilizados os arquivos das dioceses, conventos, mosteiros, paróquias, centros pastorais, escolas e instituições escolares e educativas católicas; que sejam criados canais de colaboração efetiva com as instituições do Estado italiano para que os culpados de crimes contra menores sejam processados”, lê-se na carta. “Não estamos dispostos a aceitar sinergias com instituições estatais que não contemplem uma investigação séria do passado, um envolvimento direto das vítimas e uma indenização proporcional aos danos causados. É necessário que as responsabilidades pessoais diretas, bem como as omissões e coberturas indevidas, que fazem com que as vítimas sejam revitimizadas, sejam apuradas e divulgadas, em todos os níveis, para que se possa atribuir corretamente as consequências das suas ações, às quais todos e todas somos chamados”.
E mais ainda: "Pedimos que seja abordado o nó crítico da falta de terceirização dos centros de escuta diocesanos existentes, elaborando uma proposta alternativa que ofereça figuras profissionais neutras e competentes, para tornar menos oneroso psicologicamente e mais fácil e mais rigorosa a coleta de histórias e testemunhos. Pedimos que as vítimas e suas famílias sejam ouvidas, acolhidas e indenizadas, inclusive financeiramente, pelos danos biológicos, psicológicos, morais e econômicos sofridos, mesmo cientes de que nada jamais poderá compensar o sofrimento padecido.
E que ao mesmo tempo sejam contemplados caminhos para a responsabilização dos autores dos crimes diante das vítimas, numa perspectiva de justiça restaurativa. Pedimos a aplicação rigorosa das regras estabelecidas pelo Papa Francisco, em particular contidas no motu proprio Vos estis lux mundi, que sanciona em primeiro lugar a obrigação moral e jurídica de denunciar os abusos contra menores e pessoas vulneráveis, ou contra qualquer pessoa com violência, ameaças ou abuso de autoridade".
Por fim, a Comissão pede aos bispos que se tornem "promotores da eliminação dos termos de prescrição dos abusos, como já está acontecendo em outros países: o amadurecimento da consciência dos abusos exige das vítimas, como agora já atestado em âmbito científico, tempos muito longos que, hoje, fatalmente fazem com que a maioria das denúncias seja prescrita”. Para Zanardi, a extinção desses crimes “está em contradição com a Convenção da ONU sobre os direitos da infância e da adolescência, ratificada pela Itália: em média, as vítimas têm tempos de reação muito longos antes de denunciar, até vinte ou trinta anos.
Assim as hierarquias eclesiásticas são incentivadas a manter os casos escondidos o maior tempo possível, e quando eles vêm à luz os magistrados são obrigados a pedir o arquivamento”. Por fim, a carta pede "a extensão também ao clero e ao voluntariado ativo na Igreja da obrigatoriedade do certificado antipedofilia, conforme previsto na Convenção de Lanzarote, adotada pelo Conselho da Europa e ratificada pelo governo italiano, a fim de restituir maior transparência às instituições eclesiásticas”.
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Itália. “Uma comissão independente sobre os abusos”: o apelo aos bispos do comitê anti-pedofilia. “Abram os arquivos e ajudem a verdade e a justiça” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU