24 Mai 2022
"O Ocidente, desanimado por décadas de empobrecimento e perda de centralidade, humilhado pela emergência de novas potências do modelo autoritário e alternativo, encontra em Kiev o próprio orgulho e, com ele, a própria unidade", escreve o cientista político italiano Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perugia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 23-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
É evidente o motivo pelo que os ocidentais estão tão alvoroçados com a guerra na Ucrânia a ponto de discutir fervorosamente sobre as armas e quase esquecer que uma negociação com a Rússia virá inevitavelmente após o conflito: a inesperada e forte resistência ucraniana lembrou-lhes que existem valores pelos quais vale a pena lutar e devolveu a todo o Ocidente o orgulho de seu modelo após anos de depressão.
Se há alguém, bastante externo à tradição cultural democrática ocidental, disposto a lutar para a ter, isso significa que se trata de um talento e não algo “obsoleto”, segundo a definição de Vladimir Putin.
O Ocidente, desanimado por décadas de empobrecimento e perda de centralidade, humilhado pela emergência de novas potências do modelo autoritário e alternativo, encontra em Kiev o próprio orgulho e, com ele, a própria unidade.
Entre outras coisas, isso explica por que os mais exaltados entre os europeus sejam precisamente aqueles que estão mais em busca de identidade e temerosos em relação ao futuro. Tudo isso é positivo: o despertar dos sonâmbulos devolve força e conteúdo à democracia.
Na história já aconteceu: é próprio das democracias nunca estarem prontas diante da agressão, mas serem capazes de desenvolver uma reação incrível, a da liberdade.
No entanto, isso não é suficiente para construir o futuro pacífico e justo que todos os democratas almejam.
Em primeiro lugar, devemos reconhecer os nossos erros: a agressão russa não apaga as guerras equivocadas que o Ocidente impôs ao mundo, por exemplo, no Oriente Médio ou no Norte da África. Além disso, há necessidade de se pensar em uma alternativa: não podemos nem imaginar um retorno para trás nem continuar com o sistema atual. Demasiada desigualdade (que produz ressentimento e raiva) e demasiada arrogância contra as identidades alheias nos levaram ao impasse atual.
Embora a guerra na Ucrânia seja um fracasso para a Rússia, a resistência e o sucesso militar ucraniano não resolvem todos os problemas. Duas outras coisas são necessárias com certa urgência: um novo modelo econômico não predatório como o atual, ou seja, que não aumente as desigualdades; um sistema de segurança internacional paralelo que não exclua, mas envolva.
Essas são questões muito difíceis. No primeiro caso, trata-se de superar o hiperliberalismo com uma nova forma mista que assegure a todos bens de primeira necessidade e bases sociais e sanitárias igualitárias de partida, inclusive as educacionais. Não existe meritocracia que possa funcionar sem esse nível básico igualitário.
No segundo caso, é necessário chegar a um acordo de regras internacionais compartilhadas: não é mais aceitável que sejam desencadeadas guerras e crises, tanto internas quanto externas, de parte de ninguém. A ONU poderá funcionar com eficácia apenas sob tais condições. Ambas são processos complexos, a serem enfrentados de forma incremental. Por enquanto, ninguém tem uma varinha mágica: isso só poderá ser feito juntos.
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O orgulho do Ocidente pode levar a novas regras. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU