18 Mai 2022
É enganoso, senão até mesquinho, que os detratores atribuam a esmagadora vitória de Ferdinand “Bongbong” Marcos Jr. na eleição presidencial filipina do dia 9 de maio apenas à escassa educação e aos pobres que votaram nele. Os eleitores filipinos são tudo, menos ingênuos.
O comentário é de Benjamin Kang Lim, publicado em Settimana News, 17-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Apesar da bagagem política de Marcos Jr., os eleitores aceitaram apostar na esperança de que a sua sorte possa melhorar nos próximos seis anos, sob a orientação de um homem que consideram que tem o coração no lugar certo. Acredita-se que ele realmente se preocupa com os pobres da sociedade.
A pobreza, a crescente brecha de riqueza e a corrupção crônica ainda prevalecem no país de 110 milhões de habitantes, quase quatro décadas depois que seu pai, Ferdinand E. Marcos Sr., foi deposto como presidente na revolução do poder popular apoiada pelos militares.
Em uma incrível recuperação, Marcos Jr. obteve cerca de 31 milhões de votos (56%) na eleição deste mês, mais do que o dobro da sua concorrente que chegou no segundo lugar, a vice-presidente cessante Leni Robredo (27%), de acordo com resultados preliminares. A contagem final será anunciada no fim de maio.
A revolução do “People Power” de 1986 foi equiparada a um golpe de Estado, com o secretário de Defesa e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Marcos Sr. trocando de lado e apoiando o movimento. Embora Marcos Sr. pudesse ter ordenado aos legalistas do Exército que atirassem contra os manifestantes que contestavam a sua vitória na eleição presidencial daquele ano, ele não o fez, para evitar que uma guerra civil eclodisse.
Como e por que o filho daquela que a maioria da mídia filipina e ocidental chama de “ditador” e “cleptocrata” conseguiu fazer o que antes era inimaginável?
Alguns especialistas em política atribuíram a esmagadora vitória de Marcos Jr. à criação de alianças estratégicas com outras poderosas famílias políticas. Segundo as pesquisas, Sara Duterte-Carpio, filha do ex-presidente cessante, Rodrigo Duterte, teria sido uma vencedora quase certa para a presidência, mas se contentou com a vice-presidência em uma chapa conjunta. Os ex-presidentes Gloria Macapagal Arroyo e Joseph Estrada também tiraram a sorte com Marcos Jr.
A não apresentação de um candidato único por parte da oposição dividiu a votação. Os críticos gritaram o escândalo, atribuindo a culpa à desinformação nas mídias sociais e a uma campanha de uma década para limpar o passado da família. A campanha de Marcos Jr. certamente foi ajudada, mas as acusações de uma compra generalizada de votos não se sustentam.
Em uma declaração concedida após a vitória decisiva, Marcos Jr. disse ao mundo: “Não me julguem pelos meus antepassados, mas pelas minhas ações”, aparentemente para aplacar os temores de ser como seu pai, acusado de ter roubado bilhões de dólares, de generalizadas violações dos direitos humanos e de capitalismo clientelista.
Para chamar as coisas pelo seu nome, “o que não te mata te fortalece” – o aforismo do filósofo alemão do século XIX Friedrich Nietzsche – resume melhor a resiliência política dos Marcos. Durante os mais de cinco anos de exílio, eles não chafurdaram na autopiedade e não foram nem complacentes nem derrotistas.
O mundo inteiro havia desabado em torno dos cônjuges Marcos após a expulsão do patriarca da família. É difícil imaginar, para quem é estrangeiro, o que eles passaram no exílio: angústia, desespero, escárnio e demonização pela mídia. Marcos Sr. morreu no exílio no Havaí em 1989, e a sua família retornou à sua terra natal dois anos depois para enfrentar as acusações penais.
Nem todos merecem ou recebem uma segunda chance na vida. Aqueles que recebem uma nova possibilidade de vida devem se considerar afortunados e apreciar aquela que, muito provavelmente, é uma oportunidade única.
A primeira vez que os Marcos tiveram uma segunda chance foi em outubro de 1940, quando a Suprema Corte anulou a sentença de morte emitida por um tribunal provincial e absolveu Marcos Sr., então estudante de Direito de 23 anos de idade, pelo homicídio premeditado do rival político do seu pai na sua cidade natal, Ilocos Norte, cinco anos antes.
Um dia depois que seu rival havia derrotado o pai de Marcos, Mariano, em uma eleição local em 1935, os apoiadores do primeiro festejaram desfilando um caixão sobre um veículo, parando em frente à casa dos Marcos, buzinando e cantando “Mariano Marcos está morto”. No seu veredito, a Suprema Corte definiu o ato como “provocativo e humilhante”.
Filipinas (Fonte: Wikimedia Commons)
Enquanto estava atrás das grades, Marcos Sr. terminou os seus estudos na prestigiosa Universidade das Filipinas, passou no exame de habilitação para a profissão forense e se defendeu perante a mais alta corte nacional. Tornou-se um herói condecorado da Segunda Guerra Mundial, embora esse fato tenha sido contestado pelos detratores décadas depois. Ele se casou com uma rainha da beleza e se tornou o 10º presidente das Filipinas, depois de ter feito parte da Câmara dos Deputados e do Senado.
Marcos Sr. governou o país por cerca de 20 anos, nove dos quais sob a lei marcial, para enfrentar uma insurreição comunista, uma rebelião separatista muçulmana no sul e uma série de atentados em Manila.
Quando Marcos Sr. suspendeu os direitos civis em 1972, o ex-patrão colonial das Filipinas não o impediu, porque os Estados Unidos estavam atolados na Guerra do Vietnã e precisavam das bases navais e aéreas estadunidenses – Subic e Clark – nas Filipinas. Ambas as bases foram fechadas em 1991.
Agora, Marcos Jr. tem uma segunda chance para resgatar a reputação da família. O homem de 64 anos prometeu preencher a brecha entre todos os filipinos – o primeiro passo na direção certa, já que a reconciliação nacional é necessária para fazer o país renascer e reconquistar o seu antigo esplendor.
Para começar, o presidente no cargo poderia tentar refazer as relações com os jesuítas, que torceram abertamente por Robredo e José Maria Sison, o fundador em exílio do Partido Comunista das Filipinas, para pôr fim à mais longa rebelião comunista da Ásia.
Ele poderia tentar transformar os inimigos em amigos, nomeando como conselheiros os melhores e mais brilhantes que perderam nas eleições senatoriais, parlamentares e governamentais, ou pelo menos ouvi-los.
Seria inútil e pouco sábio para Marcos Jr. renomear lugares e infraestruturas, incluindo o Aeroporto Internacional de Manila, que leva o nome de Benigno Aquino Jr, arqui-inimigo de Marcos Sr., assassinado no seu retorno às Filipinas do exílio em 1983. A viúva de Aquino, Cory, assumiu a presidência em 1986, enquanto o filho e homônimo foi eleito presidente em 2010.
Para os fatalistas, tudo ocorre por uma razão: a vitória de Marcos Jr. é o destino da família e das Filipinas. Para os católicos, foi a vontade de Deus que age de modos misteriosos.
O passado é importante, mas o futuro é ainda mais. Dar a Marcos Jr. o benefício da dúvida significa dar uma segunda chance às Filipinas.
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Filipinas: uma segunda chance para a família Marcos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU