02 Mai 2022
"O problema com a guerra é pará-la, não a vencer. A vitória na guerra é um mito, ligado ao reino da violência e da morte".
A opinião é de Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Fine Settimana, 30-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Gostaria de refletir por um momento contra a ideologia da vitória. Nos últimos dias, falou-se em muitas partes (Ucrânia, Estados Unidos, Europa), não mais em parar a guerra e passar para as negociações, mas em querer a vitória! Biden: reduzir o peso da Rússia. Zelensky: avançar até a vitória. O problema com a guerra é pará-la, não a vencer. A vitória na guerra é um mito, ligado ao reino da violência e da morte.
A vitória na guerra é um mito trágico, porque premia as armas e a violência, a primazia em matar e destruir, não premia quem tem razão e o direito.
Uma vitória bélica é sempre a semente de uma nova guerra, de revanche. Quem vence é prisioneiro de sua vitória. O poder embota a razão e o sentimento humano. A vitória na guerra é um mito trágico: é um olhar curto, tolo, cego, arauto de novos desastres. A vontade de dominar é a perda da humanidade que vem dos outros.
A resistência, por outro lado, é o direito humano em ação. A resistência limita-contêm-interrompe a violência, não a duplica: pretende repelir, mas não subjugar o agressor.
A resistência usa a força humana que sabe suportar sem sofrer, que sabe desobedecer à prepotência: de fato, todo poder consiste em ser obedecido, a desobediência corajosa esvazia o poder injusto.
A resistência também custa sacrifícios e vidas humanas, mas esse preço é um ato de viver, e promove vida livre: com essa forte consciência, morriam pela nossa liberdade os membros da resistência, armados e não armados, contrários ao nazi-fascismo. Lemos suas últimas cartas nesta praça, de vida e esperança, de amor, não de ódio e morte. É por isso que eles estão vivos até hoje.
A resistência não é guerra: resistência essencialmente não é, como a guerra, matar, não é, como a guerra, morrer no ato de matar. A resistência merece a ajuda de todos, a guerra deve ser impedida por todos.
A resistência também sabe morrer, mas para deixar de matar. A resistência é para o direito humano, a guerra é para produzir mais morte, mais dominação.
Quem quer vencer na guerra afunda sob o poder da morte, é servo da morte, cai na trágica ilusão de viver dando a morte. Esta é a vitória na guerra, completamente diferente da resistência.
A vitória bélica celebra a violência que mata. Quem matar mais vence na guerra. É a competição mais suja. Querer a vitória é querer a guerra, não a paz. Ouvimos Putin, Biden e Zelensky: vencer! A Itália também entrou na guerra em 1940 com essa linguagem desumana.
Vencer significa vincular, ligar. O vencido era conduzido acorrentado atrás do carro de triunfo: uma imagem arcaica do reino da guerra-morte-contra-morte. O espírito de vencer é a subjugação, é "reduzir abaixo" de si.
A liberdade de vencer é a convivência justa e pacífica dos povos, humanidade realizada. A vitória justa é a abolição da guerra, bem como a produção e comércio de armas que inflamam e alimentam a guerra.
A guerra é um jogo trágico de espelhos, sem saída. Humanidade é sair da guerra, aquela dos outros como a nossa. A vida de todos está em jogo.
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“A resistência merece a ajuda de todos, a guerra deve ser impedida por todos.” Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU