26 Abril 2022
Na noite de 10 de abril, depois de tomar conhecimento dos resultados do primeiro turno das eleições francesas, Tahar Ben Jelloun teve um sonho, aliás, um pesadelo: que na noite de 24 de abril, Marine le Pen seria eleita presidente. A voz do escritor chega até nós neste contexto bastante confuso:
"Estou aliviado, mas isso não significa que Emmanuel Macron foi um presidente sem defeitos e terá que se empenhar muito para resolver esses defeitos".
Chegamos ao ponto. O escritor marroquino, que escreveu páginas importantes no confronto entre o Magreb e a França, também com um livro intitulado "O racismo explicado à minha filha", publicado há quase vinte anos e depois adotado por escolas de todo o mundo. A campanha eleitoral para o Eliseu nunca havia posto em confronto os princípios de 1789 porque nunca um representante da extrema direita, sempre mantida fora do recinto republicano da política francesa, havia chegado à soleira da presidência como foi o caso de Marine Le Pen. E isso porque Emmanuel Macron não foi um presidente querido: sempre suspeito de estar do lado dos ricos, fez parecer sua adversária como a paladina dos pobres.
O resultado das eleições contém vários primados. Pela primeira vez, um presidente é reeleito sem ter sofrido oposição interna pela convivência com um primeiro-ministro de outro partido.
Pela primeira vez, a taxa de abstenção na votação foi muito alta.
A entrevista Tahar Ben Jelloun é de Cesare Martinetti, publicada por La Stampa, 25-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Monsieur Ben Jelloun, vamos começar do início. Você diz que está aliviada que o pesadelo de Marine Le Pen presidente tenha acabado, mas logo diz que Macron precisa mudar. O quê?
Ele deve mudar de política. Tem grandes responsabilidades. É a primeira vez que um presidente é reeleito sem um primeiro ministro do mesmo partido. É um fato histórico, é importante. Ele destruiu a direita e a esquerda históricas. Agora pedimos a ele que destrua a extrema direita. E não sei se ele vai conseguir. Porque há milhões de franceses que votaram em Marine Le Pen e que, portanto, representam um peso político e humano na república.
Marine Le Pen, no discurso proferido logo após o anúncio dos resultados, disse que 43% dos votos recebidos dos francês são uma vitória sensacional para ela. Ela está certa?
Claro que está certa. É a primeira vez que isso acontece em cinquenta anos, a extrema direita nunca foi tão forte. É democracia, deve ser reconhecido. Mas seu projeto era o que conhecemos e Macron deve tornar ação de governo suas intenções contra o racismo, contra os programas de fechamento do país, contra a Europa de Marine Le Pen.
O que deve fazer na prática?
Em primeiro lugar deve ser mais modesto e ouvir as pessoas quando falam com ele. Esse é o seu principal problema, é tão arrogante, tão seguro de si que não ouve realmente as pessoas. E é uma pena.
Daqui a um mês haverá eleições legislativas para eleger o parlamento, a Assemblée Nationale. O que prevê?
Vamos ver o que vai acontecer, se por acaso os dois partidos históricos da direita e da esquerda acordarem e tomarem a maioria, haverá um problema de coordenação e será dramático, porque neste caso Macron terá vencido para nada.
O presidente não tem partido, tem um movimento, que há cinco anos, na esteira de sua vitória, conquistou a maioria parlamentar. Se não conseguir, terá de nomear um primeiro-ministro diferente. O líder de extrema esquerda Mélenchon já se propôs. O que você acha?
Efetivamente, poderia acontecer com o grupo de Mélenchon, que obviamente não segue a linha de Macron. Ele é um populista um pouco mais à esquerda, um pouco demagogo, eu realmente não acredito que poderia ser um casamento feliz. Na verdade, seria um grande problema. Mas, em geral, quando os franceses votam em um presidente, também lhe dão a maioria para governar. Claro, desta vez a situação é um pouco particular.
Mas a convivência com a esquerda não seria uma forma de equilibrar um presidente considerado muito à direita?
Acredito que seria melhor um governo coerente com o presidente. Caso contrário, vai recomeçar um balé com Mélenchon ou com o Partido Socialista, caso nas eleições legislativas consiga despertar da morte dessas eleições presidenciais. É importante que o presidente possa ter maioria nas eleições políticas.
Na sua opinião, quais são as prioridades agora?
Trabalhar para toda a França, para os franceses, para os imigrantes, em colaboração com o Magrebe que ele não conhece muito bem. E além disso ele precisa abrir um canteiro de obras para a cultura que esteve completamente ausente no seu quinquênio.
Mesmo no debate com Marine Le Pen não se falou sobre isso. É preciso dar os meios à cultura e é importante que exista um bom ministro.
Le Pen defendeu o projeto da preferência nacional que significava "a França aos franceses". Como os muçulmanos vivenciaram essa campanha?
Com preocupação, ou melhor, com medo. A grande maioria dos imigrantes são pessoas tranquilas que trabalham e pagam impostos. Ao lado de Marine Le Pen estavam Eric Zemmour e Marion Marechal que representam uma direita mais extrema, ainda mais malvada.
Diz-se que no primeiro turno os muçulmanos votaram em massa em Mélenchon. É verdade?
Sei que no segundo turno votaram em Macron. Também a minha família, como nos periferias, todos foram votar. Com a proposta de banir o véu nos espaços públicos, Marine Le Pen também desrespeitou as pessoas. O véu é proibido nas repartições públicas, nas escolas é normal. Mas não no espaço público, não é possível proibir as pessoas de saírem de casa com um chapéu na cabeça e nem com um lenço.
O que Macron deve fazer agora, diante de um país tão dividido?
Dar segurança aos franceses. Cuidar dos pobres. E enfrentar o problema do poder de compra porque o aumento do custo de vida é realmente terrível.
Então Marine Le Pen estava certa em colocá-lo no centro de seu programa?
Sim, ela estava certa. Inshallah.
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“Macron venceu o pesadelo xenófobo, agora precisa superar a sua arrogância”. Entrevista com Tahar Ben Jelloun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU