O estudioso Paolo Curtaz, do Vale de Aosta, na Itália, oferece aos leitores mais uma edição de um livro que ele esperava que não tivesse que ser mais impresso, esperando que os leitores tivessem entendido que Deus não manda a dor, mas a conhece, a compartilha e a redime. O fato é que, depois das de 2013 e 2019, eis que aparece mais uma edição. Preciosa, como sempre, dado o tema.
O comentário é de Roberto Mela, padre dehoniano italiano, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 09-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O templo da dor é um templo sagrado, no qual é preciso entrar na ponta dos pés, com humildade e silêncio. Um silêncio que deve sempre preparar uma escuta atenta e partícipe, sem a ânsia de ter que responder a todas as perguntas, explícitas ou implícitas, que são feitas pelas pessoas. Nada de pressa nem mesmo para defender Deus, arruinando desse modo um início de assunção das situações dolorosas para compartilhá-la e fazê-la amadurecer juntos.
Os três sábios ficam em silêncio diante da dor de Jó e depois começam com as suas defesas da doutrina tradicional da retribuição. Mas Deus não manda as cruzes – afirma Curtaz desde o início – repetindo a afirmação várias vezes no volume. Cada uma de suas reflexões é iluminada por um trecho bíblico e pelo relato de uma história verdadeira da qual ele foi protagonista, como amigo e confidente que podia ajudar a dissolver os caroços da dor.
Diante do mistério da dor estão as respostas dos homens, provenientes da sabedoria e da filosofia. Há quem negue a Deus, há quem afirme que este é o melhor dos mundos possíveis ou que é importante o modo como se vive a dor. A abordagem psicológica adverte para a dor como sinal providencial que desafia a um caminho de melhoria. O importante é não cultivá-la, para que não nos mate.
Curtaz está convencido de que é preciso buscar no além uma palavra que ilumine, a da revelação cristã. Esta também abrange a possibilidade do perdão, em relação a si mesmo e aos outros.
A doença é democrática, pode afetar a todos, e, portanto, as pessoas podem entrar no desânimo, mas também ser salvas pela partilha e por uma palavra de fé. A morte, particularmente a dos inocentes, é a maior prova da vida e da fé. E Jesus não a explica, mas faz um caminho de vida junto com Jairo e sua filhinha.
Diante do drama da morte de uma criança, porém, é melhor se calar, sugere Curtaz. Quem pôde conhecer que só existe o bom Deus revelado por Jesus confia na sua palavra. Confia e se confia. Não se sabe por que essas coisas ocorrem e Deus não intervém e deixa que elas sejam. Mas Deus está sempre presente na dor do ser humano. Uma história contada por Curtaz relembra como um casal recuperou a serenidade após a morte do filho com a guarda temporária de uma criança...
A dor também pode assumir o rosto do sofrimento psicológico. Deus manda o barco comum para salvar quem está prestes a se afogar no rio. É preciso acolhê-lo. É preciso aceitar as ajudas da ciência, mas também ir além, com a força que vem da oração e da palavra de Deus.
O paralítico da piscina de Betesda esperava por um salvador há 38 anos. Jesus o cura em plenitude, fazendo-o expressar explicitamente o seu desejo de vida.
Devemos querer curar, olhando na cara das causas até mesmo inconscientes do mal, vencendo com humildade os nossos demônios, deixando-nos ajudar em muitos níveis.
Muitas dores provêm dos outros, das relações que nos veem envolvidos e até sobrecarregados quando provocam amargas decepções de fracasso. As expectativas de bem e de plenitude não podem ser preenchidas por nenhuma pessoa humana. Somos feitos para repousar em Deus...
Abordar corretamente uma relação evita sofrimentos inúteis, aqueles decorrentes de expectativas impróprias em relação aos outros. Paulo também sofreu muito com pessoas das suas próprias comunidades: os judaizantes, aqueles que criavam divisões etc. Isso não o impediu de oferecer o seu sofrimento pelos seus irmãos de fé e pela sua própria conversão. Não o impediram de crescer e de crer.
A dor inútil, em vez disso, é aquela que provocamos a nós mesmos. “Inútil” é, para Curtaz, a dor que poderia ser evitada, uma dor que tem a ver com a nossa liberdade. Deus sempre respeita a nossa liberdade, porque, além de sermos criados à sua imagem, também nos tornamos a sua semelhança. É preciso assumir as nossas responsabilidades em relação a nós mesmos, aos outros, à criação.
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Para superar a insatisfação, é importante nos vermos na luz divina correta. A oração e a leitura do Evangelho ajudam a dar a justa dimensão aos eventos, evitando dores inúteis e descobrindo que somos chamados a realizar algo maior do que um legítimo sonho terreno qualquer.
Há também sofrimentos ligados à conquista de um objetivo, sofrimentos necessários como aqueles que são enfrentados para se chegar ao cume de uma montanha. São sofrimentos a serem acolhidos em uma lógica de crescimento que faz de mim um homem melhor e mais livre.
Jesus ressuscitado acompanha os discípulos de Emaús, vence a sua tristeza. Eles não devem parar na cruz, fixando a lagarta, mas acolher o Ressuscitado, dando-se conta da borboleta que desabrochou. A Palavra aquece, ilumina, e transforma a vida relida à luz do projeto de Deus.
A natureza também sofre e está nas dores de parto, lembra São Paulo. Ela não é assassina, mas deve ser respeitada, cultivada e contemplada por estar encaminhada ao cumprimento último descrito ao término do livro do Apocalipse. Ela é maior do que nós, seus hóspedes, jardineiros e zeladores. E nos fala de Deus, enquanto compartilha conosco um mesmo destino de glória.
São muitas, portanto, as tipologias da dor meditadas por Curtaz: a doença, o luto, o sofrimento psicológico, a dor provocada pelos outros, a dor inútil, a dor provocada pela natureza etc.
Existe também a dor do pecado, o “errar o alvo” constituído pelo projeto de Deus para nós. Não se fala mais do pecado, mas as consequências da liberdade mal utilizada podem ser constatadas dramaticamente a cada momento.
O pecado faz mal, torna-nos não humanos, está ligado muitas vezes a uma abordagem incorreta e falsa da vida. O exemplo do pecado de Davi com Betsabeia – com o assassinato de seu marido Urias – mostra o acúmulo de consequências negativas que se sucedem, mas também a feliz possibilidade do arrependimento e do perdão divino. A obra providencial do profeta Natã leva Davi a elevar o belíssimo salmo do arrependimento, o salmo 50.
Mais uma história de vida vivida e contada pelo autor, a de uma traição conjugal, confirma as consequências muitas vezes mortais dos afetos não protegidos, que erram o seu alvo ou desaparecem depois de tê-lo acertado inicialmente.
O autor se confessa como um homem não particularmente místico, mas também fala da dor ligada à ausência de Deus. É a noite do espírito em uma pessoa profundamente crente e orante. Jesus também experimentou a noite do espírito no Getsêmani e na cruz. Sua fé passou pelo crisol do sofrimento, para resplandecer mais do que ouro purificado. Podemos viver na alegria até mesmo nos momentos da provação – afirma Curtaz – porque a nossa fé está voltada para outro lugar. Os momentos de deserto ajudam a nos tornarmos autênticos e essenciais.
As últimas páginas do volume são muito ricas. O autor quer oferecer traços de luz que retomem muitas das reflexões anteriormente relatadas, mas com aprofundamentos e uma síntese final.
Evitar a dor inútil é o primeiro traço de luz que o autor propõe aos seus leitores. O Deus de Jesus é um Deus adulto, otimista em relação ao ser humano, que o deixa livre e chama à conversão quando provoca dor a si mesmo ou aos outros.
No entanto, sempre haverá pessoas incômodas com as quais é preciso se esclarecer, mas que, no fim, talvez devam ser apenas suportadas. Isso ocorre tanto na família quanto na comunidade cristã.
A fé e a oração devem guiar os nossos humores, o nosso caráter ou os eventos. Os vícios devem ser combatidos, mesmo que não seja politicamente correto lembrar disso. As dores inúteis provocadas pela inveja, pela arrogância, pela ambição desmedida, pela ganância devem ser evitadas.
O sofrimento a ser aceito e elaborado na oração e no Espírito é o único necessário. Distinguir as raízes dos sofrimentos pode exigir a ajuda de pessoas especializadas.
A Bíblia conhece a existência da dor do ser humano frágil, limitado, mortal. Tenta dar respostas ligando o sofrimento ao pecado. O fato é que a dor manifesta a natureza transitória do ser humano e o fato de ele estar destinado a um “algo mais” que, nesta vida, não conseguimos experimentar plenamente.
O sofrimento inevitável nos leva ao senso do limite e nos remete de alguma forma para Deus. O sofrimento inútil, por outro lado, deve ser evitado a todo o custo.
“Ainda quero viver”, disse o DJ Niccolò Fabi após experimentar o luto pela morte da filha, Lulù, de dois anos. Ele havia descoberto a nudez do ser. A emotividade está ferida. Mas a vontade é forte e pode voltar a viver, mas de uma forma diferente.
Os dois últimos capítulos dão algumas pistas sobre a reflexão de Jesus e o sofrimento de Deus. Curtaz repete que Deus é bom, não manda as cruzes e as punições, embora nos confronte com as consequências dos nossos erros. A dor que não nos é evitada pode se tornar uma oportunidade de mudança. Às vezes, ela é consequência do nosso pecado e nos convida à mudança e à conversão.
Citando a morte violenta dos judeus mortos por Pilatos e das vítimas do desabamento da torre de Siloé, Jesus não se refere a punições divinas, mas convida à conversão e a refletir também sobre as responsabilidades humanas dos males e sobre a precariedade da existência humana mortal.
É de enorme e decisiva consolação para o discípulo de Jesus, mas um bom anúncio para todo ser humano, o fato de Jesus em pessoa nos revelar o rosto e o coração do Pai.
Jesus também experimenta a dor da incompreensão, da rejeição, da disputa, do fracasso de uma amizade, da solidão, da eliminação dolorosa e dramática. A missão recebida do Pai parece aparentemente fracassada. Jesus trabalha e labuta, sofre e morre. Sabe o que é a dor.
Deus conhece a dor. Deus não é apenas o ser perfeitíssimo da reflexão filosófica. Ele é, acima de tudo, o Deus revelado pela Bíblia e por Jesus, Deus se revela como o amor apaixonado, cuja implicação é o sofrimento do amor que se dá, não correspondido.
Em Jesus, Deus conheceu a dor. Por amor, em Jesus, Deus se faz servo, escravo por amor. O nosso Deus não é um deus histérico e um imperador imprevisível e entediado. Ele aprendeu como a dor e a morte nos machucam.
Jesus chorou lágrimas amargas pela morte do amigo Lázaro. Jesus vai ver. Como se, até então, Deus não conhecesse o que é a dor, a morte. Ora, Deus sabe o que é dor. Assume toda a dor do mundo. O Filho de Deus quis aprender a sofrer, para redimir toda pena.
Deus não evita a nossa dor, mas a compartilha. Será suficiente para nos fazer mudar de ideia sobre Deus? Jesus escolhe a dor necessária para revelar a profundidade do amor do Pai pelos seres humanos. Na cruz, Jesus vive aquilo que ensinou. Perdoa, reza, assume a dor para testemunhar o amor. Isso nos salva do cinismo, do desespero, da falta de sentido. Entendemos o quanto Deus nos ama e nos leva consigo para uma nova dimensão salvífica. Essa dor nos salva porque manifesta amor e nos leva a uma nova compreensão da vida.
Um mistério é revelado: a dor também pode salvar. As fadigas do pai de família, a dor de quem respeita os tempos do amado, de quem aceita a dimensão de essencialidade que uma doença grave traz consigo podem abrir a inesperadas confidências com Deus que “salvam” e dão sentido a uma vida inteira.
Jesus não desceu da cruz para salvar a si mesmo. Ele não salvou a si mesmo, mas nos salvou. Salvou a mim. Nós preferimos evitar a dor, mas ela pode manifestar quem somos e nos revelar quem é Deus. Como discípulos, “o fato de vermos ao nosso lado um Deus que compartilha essa dor, que a conhece, nos salva […]. O evangelho ousa dizer uma enormidade: Deus não explica a dor, ele a assume e, assumindo-a, a transforma. O que mais eu poderia acrescentar?”, pergunta Curtaz (p. 232).
Existe o sofrimento de Deus, não como sua imperfeição ou falta, mas como paixão de amor, excesso de amor. Ao se expor à liberdade do ser humano, Deus se expõe à rejeição, à dor. O sofrimento nele “é o outro rosto do dom de si, da liberdade infinita que se dá, como um amante que espera ser correspondido e sofre se isso não acontece” (ibid.).
Deus sofre no rosto do pobre (Mt 25), mas a dor é salva e redimida pelo amor. Deus se identifica com o ser humano que sofre, que é ultrajado. Deus está lá, naquele jovem pendurado naquela forca, recorda-nos Wiesel.
Assim como há um sofrimento evitável e inútil, assim também há uma dor necessária, que pode ser apreendida como uma passagem para trazer à tona o essencial sobre si mesmo e sobre Deus. Continua firme o reconhecimento – reitera o autor mais vez – que Jesus nos revela um Deus que é Pai, é bom e nos ama, sempre e apesar de tudo.
Em Jesus, podemos descobrir que o sofrimento também pode salvar quando manifesta o amor, torna-se um sacrifício, um fazer sagrado.
Deus também sofre, porque ama. Deus não manda o sofrimento, mas o assume, o carrega sobre si e o redime. “É nesse sofrimento comum que olhamos para a frente, esperando céus novos e terra nova” (p. 242), conclui Curtaz.
Acreditamos que o livro dele poderá ajudar muitos leitores a se tranquilizar e a encontrar caminhos de libertação e de abandono no coração de um Deus redescoberto na pessoa de Jesus. Um Deus que está do lado do ser humano, sempre disposto a sofrer com ele para redimir também o lado obscuro da vida, iluminando-o com a sua luz e o seu amor divinos.
Sul dolore. Parole che non ti aspetti.
CURTAZ, Paolo. Sul dolore. Parole che non ti aspetti. Cinisello B.: Edizioni San Paolo, 2022, 256 páginas.