19 Abril 2014
"O grito de Jesus na Cruz antes da morte: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, relatado no Evangelho de Marcos (Mc 15 33,34), “nos apresenta o verdadeiro homem, de carne e osso, que sofre da mesma maneira que qualquer ser humano sofre”, afirma o teólogo e pastor.
As diversas passagens bíblicas revelam um Deus presente e não ausente, um Deus que se revela na sarça, no espinheiro insignificante, na brisa leve, no imperceptível, na manjedoura e até mesmo na cruz, assinala o teólogo e pastor luterano Carlos Dreher à IHU On-Line. “Não é à toa que Paulo afirma que essa Palavra da Cruz é ‘escândalo para os judeus e loucura para os gentios’. O mundo não consegue compreender que Deus se revele na fraqueza. Porém, Ele, insistentemente, nos mostra que é Deus de perto, e não de longe. É Deus encarnado, que arma uma tenda no meio de nós, que vê o sofrimento, ouve os calmos e desce até o fundo do poço por nós”, afirma, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
O grito de Jesus na Cruz antes da morte: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, relatado no Evangelho de Marcos (Mc 15 33,34), “nos apresenta o verdadeiro homem, de carne e osso, que sofre da mesma maneira que qualquer ser humano sofre”, interpreta o teólogo. E também revela a divindade de Deus, que se rebaixa à condição humana e se entrega à morte por nós. “Jesus é verdadeiro Deus. Então isso significa que Deus mesmo está ali pregado, sofrendo. Neste sentido, ele grita junto com Jesus. Não silencia, mas sofre com aquele ser humano arrebentado.”
Para Dreher, a morte de Jesus na Cruz revela que “Deus está conosco também no sofrimento, também na cruz”, porque “Deus não ‘silencia’ diante do sofrimento humano, tampouco se ausenta. Ele está, sempre, no meio de nós. (...) Ele estava nas câmaras de gás do holocausto, Ele estava em meio aos povos indígenas brutalmente assassinados pelos conquistadores, e ainda está no meio deles. Ele está em meio aos pobres do mundo inteiro.
Ele estava nos porões da tortura. Afinal, Ele mesmo foi brutalmente torturado na Cruz. Como não estaria conosco sempre?” E acrescenta: “Os relatos de Páscoa fazem questão de mostrar Jesus ressurreto com as marcas da cruz. Tomé, inclusive, põe o dedo nas feridas. Neste sentido, a Ressurreição anuncia que o último inimigo foi vencido. Nem mesmo a morte pode separar-nos do amor incondicional da Deus”.
Carlos Arthur Dreher é graduado, mestre e doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia - EST. Atualmente é professor das Faculdades EST.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como os protestantes interpretam a morte de Jesus relatada nos Evangelhos Sinóticos?
Carlos Arthur Dreher - Escrevo como luterano. O Cristo Crucificado tem uma importância fundamental na teologia luterana. Foi através da morte de Jesus Cristo na cruz que nossos pecados foram perdoados. É por este sacrifício por nós que somos justificados por Deus. O justo morreu pelos pecadores. Através do seu sangue fomos redimidos.
IHU On-Line - Qual é o significado do grito de Jesus na cruz antes da morte: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” e como podemos entender o silêncio de Deus a partir desse dito de Jesus antes da morte?
Carlos Arthur Dreher - É preciso lembrar que já a Igreja antiga confessava — e assim nós confessamos hoje — que Jesus Cristo é simultaneamente verdadeiro homem e verdadeiro Deus. O grito de Jesus na cruz nos apresenta o verdadeiro homem, de carne e osso, que sofre da mesma maneira que qualquer ser humano sofre. Jesus, como bom judeu, retoma o Salmo 22 e faz uso dele em sua lamentação no desespero da morte iminente. O ser humano Jesus sente-se abandonado naquele momento, como qualquer ser humano se sentiria. A cruz dói, faz sofrer horrivelmente.
Por outro lado, em Jesus, Deus mesmo se entrega à morte, por nós. Jesus é verdadeiro Deus. Então isso significa que Deus mesmo está ali pregado, sofrendo. Neste sentido, ele grita junto com Jesus. Não silencia, mas sofre com aquele ser humano arrebentado.
Este é, talvez, um dos significados mais importantes da Cruz: Deus está conosco também no sofrimento, também na cruz. Para nós, cristãos, não há momento algum em que Deus não esteja conosco. Até na morte ele está conosco, como estava com o Filho.
IHU On-Line - Como o senhor interpreta o 2º capítulo da Carta de Paulo aos
"Este é, talvez, um dos significados mais importantes da Cruz: Deus está conosco também no sofrimento, também na cruz"
Filipenses, quando diz que Jesus despojou-se tomando a condição de servo, tornando-se homem e se rebaixando, tornando-se obediente até a morte, numa cruz? O que significa esse rebaixamento e esvaziamento de Deus?
Carlos Arthur Dreher - Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Inverto a afirmação do dogma, que já utilizei acima. Sendo Deus, Jesus abriu mão de qualquer privilégio e veio ao mundo como ser humano como qualquer um de nós. Deus se faz ser humano! Isto significa que Ele se esvazia de sua divindade. Por amor a nós, Ele vem sofrer como nós sofremos, até o fim, até a morte. E não qualquer morte, mas morte de cruz!
IHU On-Line - A morte foi necessária para falarmos da ressurreição e da esperança na vida eterna em Cristo?
Carlos Arthur Dreher - É difícil, se não impossível, separar Cruz e Ressurreição. O Ressurreto é o Crucificado. Os relatos de Páscoa fazem questão de mostrar Jesus ressurreto com as marcas da cruz. Tomé, inclusive, põe o dedo nas feridas. Neste sentido, a Ressurreição anuncia que o último inimigo foi vencido. Nem mesmo a morte pode separar-nos do amor incondicional de Deus. Contudo, deve-se ressaltar que o Ressurreto é o mesmo Crucificado.
A Cruz, por sua vez, nos mostra que o amor de Deus por nós é tão imenso, tão absoluto, que Ele dá Seu Filho na Cruz por nós, para que seu sacrifício expie nossos pecados. Sim, Deus mesmo se entrega por nós. Com a Ressurreição, Ele proclama, com todas as letras, que não quer a morte. Quer a vida, vida em abundância, vida eterna.
IHU On-Line - Que interpretação os luteranos fazem da cruz?
"Para nós, cristãos, não há momento algum em que Deus não esteja conosco"
Carlos Arthur Dreher - A Cruz nos apresenta Deus sub contrario, isto é, sob o seu contrário, sob o seu oposto. Diversas passagens na Bíblia nos revelam Deus assim. Ele se revela numa sarça, um espinheiro insignificante (Êx 3); numa brisa leve, quase imperceptível (1 Rs 19); numa manjedoura; e, por fim, numa cruz. Não é à toa que Paulo afirma que essa Palavra da Cruz é “escândalo para os judeus e loucura para os gentios”. O mundo não consegue compreender que Deus se revele na fraqueza. Porém, Ele, insistentemente, nos mostra que é Deus de perto, e não de longe. É Deus encarnado, que arma uma tenda no meio de nós, que vê o sofrimento, ouve os calmos e desce até o fundo do poço por nós.
“Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” (1 Coríntios 1.23,25)
Deus não “silencia” diante do sofrimento humano, tampouco se ausenta. Ele está, sempre, no meio de nós. Também na dor, também no sofrimento, também na cruz. Ele estava nas câmaras de gás do holocausto, Ele estava em meio aos povos indígenas brutalmente assassinados pelos conquistadores, e ainda está no meio deles. Ele está em meio aos pobres do mundo inteiro. Ele estava nos porões da tortura. Afinal, Ele mesmo foi brutalmente torturado na Cruz. Como não estaria conosco sempre?
Quem crê assim em Deus não silencia diante dos desmandos do mundo, não silencia diante da morte, mas proclama sempre a vitória de Deus sobre escravidão, sofrimento, injustiça e morte.
O Senhor Crucificado ressuscitou! Aleluia!
(Por Márcia Junges e Patricia Fachin)
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Deus que sofre e se revela na fraqueza não silencia. Entrevista especial com Carlos Dreher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU