05 Abril 2022
A vitória dos trabalhadores da Amazon é uma história de Davi e Golias: de um sindicato independente contra uma das empresas mais poderosas do mundo. Aqui estão os detalhes de como se formou o primeiro sindicato da Amazon nos Estados Unidos.
A reportagem é de Alex N. Press, publicada por Jacobin, 03-04-2022. A tradução é do Cepat.
Em um evento que tem poucos paralelos na história do movimento trabalhista estadunidense pós-Ronald Reagan, os trabalhadores dos armazéns da Amazon nos Estados Unidos conquistaram pela primeira vez o reconhecimento de um sindicato. A votação, monitorada pela Comissão Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB) no JFK8, um centro de distribuição situado em Staten Island, foi de 2.654 a favor da sindicalização ao Sindicato dos Trabalhadores da Amazon e 2.131 contra, em uma unidade com 8.325 eleitores. Os 67 votos impugnados e 11 anulados não serão decisivos, dada a margem de vitória do sindicato.
É difícil exagerar os obstáculos que os trabalhadores de Nova York enfrentaram para chegar tão longe. Os arquivos do Departamento do Trabalho divulgados ontem [sábado, 02 de abril] mostram que a Amazon gastou 4,3 milhões de dólares em consultores para destruir o sindicato, uma quantia inédita para qualquer empresa. Geralmente, leva anos até mesmo para as megacorporações acumularem esse tipo de conta com os especialistas da indústria exclusivamente estadunidense de especialistas antissindicais. Muitos dos consultores que comandavam a guerra da Amazon contra a sindicalização cobravam US$ 3.200 por dia.
Em Staten Island, os trabalhadores disseram que os agentes antissindicais eram uma presença regular no JFK8, distribuindo propaganda antissindical nos banheiros dos armazéns, nos corredores e para os trabalhadores por meio de correspondências, postagens no Instagram, telefonemas, mensagens de texto e vídeos projetados em telas dentro da unidade. O Sindicato de Trabalhadores da Amazon, por sua vez, tem clareza quanto às demandas dos trabalhadores: salário mínimo de US$ 30 por hora, aumento das folgas remuneradas e dos dias de férias, descansos remunerados durante o dia, representação sindical em qualquer reunião disciplinar e forte apoio para o cuidado das crianças.
Os líderes da campanha sindical enfrentaram nada menos que prisões, uma vez que a polícia de Nova York prendeu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon, Christian Smalls, junto com os trabalhadores Brett Daniels e Jason Anthony, em 23 de fevereiro deste ano, depois que a Amazon chamou a polícia por um suposto arrombamento. A julgar pela votação de hoje, esses esforços foram contraproducentes, fazendo a Amazon parecer mais repressiva e hipócrita do que nunca aos olhos dos trabalhadores.
O esforço do JFK8 também é notável por outro motivo. O Sindicato dos Trabalhadores da Amazon é independente, ou seja, não é filiado a nenhum sindicato existente. Smalls, o fundador do sindicato, também é único. Ele se iniciou na organização sindical quando, nos primeiros dias da pandemia, ajudou a organizar um protesto em frente ao JFK8 em resposta ao que considerou medidas inadequadas de saúde e segurança tomadas pela Amazon enquanto a Covid-19 varria a cidade. Em resposta, a empresa o demitiu, e gravações vazadas revelaram que altos funcionários da Amazon haviam feito uma campanha de difamação contra ele, com o conselheiro geral da Amazon, David Zapolsky, descrevendo Smalls como “nem inteligente nem eloquente” em uma reunião com Jeff Bezos.
Essa caracterização indignou Smalls, que há muito tempo vem apontando a falta de trabalhadores negros inclusive em postos de gestão de baixo escalão na Amazon – ele próprio teve promoções negadas durante anos – como evidência de que o racismo está embutido na empresa. Isso o levou, como me disse durante o verão, a tentar “fazê-los engolir essas palavras”.
Trata-se de alguém que foi demitido de forma muito pessoal e pública, que tomou o ressentimento que sentia pelo que seu empregador fez com ele e o direcionou para a luta. À luz da vitória de hoje, vale a pena citar a explicação de Smalls sobre como ele entendeu sua transformação de não ativista em militante, alguém determinado a organizar o JFK8:
“É engraçado, porque eu digo isso o tempo todo: a Amazon me preparou para isso. Embora não fosse gerente, tenho feito um trabalho de gerente nos últimos quatro anos e meio. Os princípios de liderança que eu tinha na Amazon facilitaram a transição para o ativismo que estou fazendo.
Estou usando muitos dos princípios que aprendi na Amazon contra eles. O meu favorito é: ‘tenha coragem e comprometa-se’. Eles odiavam o fato de eu usar isso o tempo todo. Mas é, provavelmente, por isso que nunca fui promovido: tive coragem, defendi o que achava ser certo e me comprometi com a transformação. Outro princípio é “ver, assumir e resolver”, que é provavelmente um dos meus princípios originais: vi os problemas, assumi-os e agora tento resolvê-los.
Ironicamente, quando eles planejaram me difamar, disseram que queriam transformar-me no rosto negativo do sindicalismo. Essas foram suas palavras. Então, de certa forma, estou tentando fazê-los comer essas palavras. Não tenho mais nada para fazer. Ainda estou desempregado, não consigo encontrar emprego em nenhum lugar. Este é o meu trabalho em tempo completo, e desta vez estou numa equipe diferente.”
Na primavera de 2021, Smalls começou a organizar seus ex-colegas de trabalho, estabelecendo sua base em um ponto de ônibus público fora do JFK8, onde muitos dos trabalhadores do armazém passavam a caminho do armazém. O esforço logo foi acompanhado por outros que ainda trabalham no JFK8: Derrick Palmer, por exemplo, que anteriormente foi supervisionado por Smalls no JFK8 e que trabalhou na Amazon durante seis anos. O grupo organizou churrasquinhos ao ar livre, distribuiu panfletos, divulgou sua mensagem em redes sociais como o TikTok e criou um comitê organizador dentro da unidade.
A Amazon manteve um fluxo constante de propaganda contra esse esforço, mas o Sindicato dos Trabalhadores da Amazon também foi em frente. Conforme informou o Labor Notes, o comitê organizador de 25 pessoas rebateu a mensagem da administração, ligando e sentando-se na sala de descanso do armazém para falar sobre as preocupações dos trabalhadores. Agora, conseguiram o primeiro sindicato da Amazon nos Estados Unidos.
A abordagem do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon vai contra o que é considerado senso comum no movimento sindical. O Sindicato dos Trabalhadores da Amazon não tinha pessoal remunerado; tinha apenas um advogado contra o exército de especialistas jurídicos da Amazon e não tinha experiência em negociar um contrato. No entanto, o Sindicato dos Trabalhadores da Amazon insistiu que isso era uma vantagem, dado o método comprovado pelo empregador da chamada “terceirização” de um sindicato, que é quando o patrão rotula um sindicato de “entidade externa” em vez de simplesmente ser composto pelos próprios trabalhadores.
Embora se trate de uma propaganda de manual, e os trabalhadores muitas vezes a rebatam apontando que os sindicatos são dirigidos pelos próprios trabalhadores – explicando que, independentemente das falhas que os sindicatos existentes possam ter, cabe aos trabalhadores votar os contratos ou rejeitá-los, escolher os comitês de negociação e delegados sindicais etc. –, o caráter independente do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon permitiu que os trabalhadores do JFK8 contornassem completamente o argumento da empresa.
As fotos do primeiro dia da contagem de votos da NLRB no Brooklyn destacaram a natureza de Davi e Golias da luta entre o sindicato independente e uma das empresas mais poderosas do mundo. Em uma delas, tirada por Lauren Kaori Gurley, da Vice, que cobriu o esforço do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon desde o início, os líderes deste ficam do lado de fora do prédio da NLRB, abraçados. Em outra, Smalls está sozinho, falando a respeito dos advogados da Amazon na sala de contagem dos votos: “Adoro vê-los se contorcendo”.
Com esta vitória histórica vem o próximo desafio do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon: conseguir o primeiro contrato. Nos Estados Unidos, é normal que os empregadores tenham longas lutas na mesa de negociação – alguns estudos mostram que menos da metade das unidades de negociação chegam a um primeiro contrato no ano da sindicalização – e não é inédito que uma empresa feche uma unidade em vez de aceitar um contrato sindical. A Amazon é a vanguarda do antissindicalismo e da ditadura patronal, então a probabilidade de que oponha essa resistência é alta. É por isso que travou guerra contra esses esforços sindicais incipientes: a Amazon sabe tão bem quanto os trabalhadores que, uma vez que os trabalhadores de um lugar se organizam, abrem um precedente e inspiram outros em outros lugares. Afinal, basta olhar para a Starbucks, em que se vive uma onda sindical em escala nacional na franquia de café estadunidense.
O movimento sindical mais amplo terá que recalibrar suas premissas sobre a organização da Amazon, dada a vitória do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon, e oferecer total solidariedade aos trabalhadores em sua luta por um primeiro contrato. A distância e as tensões entre o Sindicato dos Trabalhadores da Amazon e outros sindicatos são reais e não desaparecerão da noite para o dia. Mas será necessária a total cooperação do movimento trabalhista para que a vitória do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon se dissemine para as centenas de unidades da Amazon nos Estados Unidos. A empresa emprega mais de um milhão de pessoas em todo o país – sem contar os muitos motoristas e outros trabalhadores empregados indiretamente por meio de terceiros – e esse número só está crescendo à medida que a Amazon abocanha parcela crescente da economia.
A Amazon é um império, com operações em expansão que exercem influência sobre os trabalhadores em inúmeras indústrias. Existem muitos braços: Whole Foods, onde a Amazon monitora agressivamente a organização potencial e onde os esforços de organização estão em seus estágios iniciais; Amazon Fresh, onde os trabalhadores de uma unidade situada em Seattle já começaram a se organizar; a legião de trabalhadores de colarinho branco da Amazon, alguns dos quais foram demitidos por sua organização, e que têm uma série de problemas no local de trabalho, mesmo que suas condições estejam a um mundo de distância das do JFK8; os entregadores, cujo salário é muito inferior ao de seus colegas sindicalizados na UPS e cuja própria existência mina os padrões existentes.
Esses esforços de organização nos armazéns da Amazon são importantes para todos, pois existimos dentro de um sistema de vigilância e controle que está se espalhando e do qual a Amazon é pioneiro. A vitória no JFK8 é apenas um pé na porta. Mas quase todo mundo dizia que os trabalhadores não conseguiriam chegar tão longe, que essas campanhas não chegariam a lugar nenhum, que a Amazon era grande demais para enfrentar antes que o movimento trabalhista estivesse muito, muito mais forte. Essas considerações não eram infundadas, mas também não eram inteiramente corretas.
Enquanto a Amazon existir, ela precisa ser organizada. Não há como contornar isso, e há trabalhadores que estão assumindo essa tarefa. Agora é a hora de aprender com eles. É imperativo que tenham sucesso.
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Estados Unidos. Um novo capítulo para os trabalhadores da Amazon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU