04 Abril 2022
Não é muito frequente que algumas dezenas de bispos católicos dos Estados Unidos estejam reunidos em um só lugar, fora das reuniões regulares da Conferência Episcopal do país. Mas, na semana passada em Chicago, bispos de todos os Estados Unidos e alguns de outras partes do mundo se engajaram em um diálogo com teólogos, acadêmicos e jornalistas sobre o estado da Igreja.
A reportagem é de Michael J. O’Loughlin, publicada em America, 29-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O encontro procurou abordar o modo como os católicos podem escapar da polarização política que domina as suas vidas e o modo como podem contribuir para uma vida civil melhor e um discurso público mais caridoso.
O congresso despertou curiosidade nas mídias sociais, em parte porque uma missa especial foi celebrada na Catedral do Santo Nome de Chicago, em resposta ao apelo do Papa Francisco para rezar pela paz na Ucrânia. Essa missa, presidida pelo cardeal Blase Cupich, foi concelebrada por dezenas de bispos, incluindo o arcebispo Christophe Pierre, núncio apostólico nos Estados Unidos, que liderou a assembleia na leitura da oração do papa pela paz.
Mas, como Michael Sean Winters observou no National Catholic Reporter, o congresso em si mesmo era “difícil de descrever”, pois foi “realizado sob a Regra da Chatham House, o que significa que os participantes concordaram que poderiam falar depois sobre o conteúdo das discussões, mas não revelar quem havia fez qualquer comentário em particular”.
Mas, como participante do congresso (eu moderei um painel sobre o cenário da mídia católica em rápida evolução), alguns itens me chamaram a atenção.
Em primeiro lugar, parecia haver uma disposição dos bispos de ouvirem seus colaboradores leigos.
Duas das palestras foram proferidas por teólogos leigos – Massimo Faggioli, da Villanova University, e Therese Lysaught, da Loyola University Chicago –, e os painéis foram compostos por especialistas leigos em teologia, mídia e economia. Cardeais e bispos fizeram perguntas ponderadas e ofereceram observações, mas grande parte da conversa veio dos leigos (assim, eu me pergunto se as regras da Chatham House eram necessárias. Como jornalista, eu diria que provavelmente não, já que a transparência é boa, e a mensagem no congresso foi esperançosa. Mas talvez a promessa de anonimato tenha tornado mais fácil para os bispos concordarem em participar).
Lysaught, que apresentou um trabalho sobre as guerras culturais políticas e as divisões na Igreja, disse que, para ela, o espírito de colaboração se destacou.
“É a primeira vez em meus 30 anos de carreira como teóloga católica que sou convidada a passar dois dias me reunindo, comendo, ouvindo e discutindo a Igreja, a teologia e as realidades pastorais com os bispos”, disse ela em um e-mail após o congresso. “Fiquei impressionada com a atenção com que eles ouviram, com a honestidade dos seus comentários e pelo fato de vê-los em um debate tão sério uns com os outros, assim como com os outros participantes do encontro.”
Ela disse esperar que essas conversas demonstrem aos bispos que eles têm um reservatório de apoio disponível por parte de leigos católicos que desejam ver seus líderes serem bem-sucedidos.
“Eu espero que eles tenham saído com a sensação de que são apoiados, de que há esperança para a Igreja nos Estados Unidos, de que há um grande grupo de acadêmicos e leigos que os apoiam e de que construir relacionamentos e se envolver em debates uns com os outros e esses acadêmicos e leigos apenas fortalecerão a sua capacidade de liderar a Igreja e até irão facilitá-la”, disse ela.
Em segundo lugar, os participantes reconheceram que as ameaças à implementação do Concílio Vaticano II devem ser levadas mais a sério e que a ênfase do Papa Francisco na sinodalidade pode ser o caminho para combater esses ataques.
Mark Massa, SJ, chefe do Boisi Center for Religion and American Public Life do Boston College – que co-organizou o encontro junto com o Hank Center for the Catholic Intellectual Heritage da Loyola University Chicago e o Center on Religion and Culture da Fordham University – disse que entender a resistência às reformas conciliares explica por que alguns católicos se opõem ao Papa Francisco.
“Queremos mostrar que essa oposição ao Papa Francisco, não universalmente, mas em grande parte, é uma oposição ao Vaticano II”, disse o Pe. Massa ao The Torch, um jornal estudantil do Boston College. “Francisco está tentando descontar o cheque que o Vaticano II assinou: a sinodalidade era a grande questão.”
Em terceiro lugar, talvez a parte mais frutífera do congresso tenha sido as interações possibilitadas pelo fato de o evento ser exclusivamente presencial, durante as refeições e os cafezinhos, e os encontros rápidos em um elevador.
“Nossa tradição católica coloca uma ênfase singular no valor da relação e do diálogo face a face”, disse Mike Murphy, que lidera o Hank Center. “Depois de dois anos difíceis com as comunidades ‘amputadas’, eu vejo novamente o porquê disso.”
Ele acrescentou: “Foi útil a preparação para o congresso via Zoom, mas nada pode substituir o poder da presença pessoal, e muitos falaram sobre isso, sobre como a proximidade faz toda a diferença”.
Alguns bispos falaram abertamente sobre os desafios do ressurgimento da pandemia, sobre como as rotinas foram alteradas e sobre muitas pessoas que simplesmente não estão voltando às paróquias. Outros explicaram que o cenário midiático católico pode ser frustrante, especialmente quando os meios de comunicação se descrevem como católicos, mas parecem empenhados em atacar o papa ou outros fiéis. Essas mesmas mídias, porém, estão alcançando os rebanhos desses bispos, oferecendo um fluxo constante de raiva e fofoca que as lideranças da Igreja parecem incapazes de conter.
Finalmente, os organizadores esperam que o encontro se torne uma oportunidade regular para que os bispos se reúnam entre si e com especialistas leigos para avaliarem os desafios que a Igreja tem pela frente.
“É um encontro de abertura, que esperamos que se torne um evento anual ou semestral, oferecendo um fórum no qual bispos e teólogos podem conversar francamente entre si sobre coisas importantes que realmente ficam escondidas na imprensa”, disse o Pe. Massa.
Houve esforços semelhantes no passado. O congresso de Chicago parece uma reminiscência de um encontro realizado no Boston College em 2017, no qual bispos e teólogos dialogaram sobre a implementação da Amoris laetita, a encíclica de 2015 do Papa Francisco sobre a vida familiar. E, nas faculdades e universidades católicas de todo o país, debates ponderados sobre os desafios enfrentados pela Igreja são realizados regularmente. O efeito desse tipo de reunião não é quantificável, mas o fato de estarem ocorrendo, especialmente em uma era de hiperpartidarismo e polarização, é um sinal de esperança e de possibilidades.
“Em um ambiente de polarização radical, a Igreja está em uma posição singular para oferecer remédios práticos”, disse-me Murphy. “Por que? Ela conheceu e viveu tais tensões por toda a sua existência. De modo imperfeito, mas autêntico, com sólidos períodos de luz, esperança e crescimento.”
Ele acrescentou: “O desafio é habitar as tensões de forma frutífera, pois esse é o verdadeiro dom do Evangelho, que é central para o modo de proceder da Igreja”.
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EUA. Bispos conversam abertamente com teólogos leigos sobre o Papa Francisco, a Igreja e o Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU