25 Fevereiro 2022
"Enquanto se gerencia a emergência, é necessário trabalhar em um método para sanar as tantas fraturas que dividem o mundo. É para este plano superior, mais do que para o interesse particular, que se deve olhar se queremos tentar trilhar o caminho, hoje mais difícil e necessário do que nunca, da paz", escreve Mauro Magatti, sociólogo e economista italiano, em artigo publicado por Avvenire, 24-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Invasão, tropas, bombardeios. O vocabulário de guerra que pensávamos ter consignado para sempre à história de repente volta a ocupar nossos corações e mentes. Justamente como dois anos atrás com a pandemia - que nos surpreendeu, caindo sobre nós da China - também neste fevereiro de 2022 somos testemunhas do início de um conflito no coração da Europa que Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, definiu "o mais perigoso desde 1945". Guerra e pandemia, portanto, palavras antigas que ressurgem das profundezas ancestrais dos acontecimentos humanos e adquirem novo significado no tempo em que vivemos.
Há vários anos o Papa Francisco vem usando a expressão "guerra mundial em pedaços" para dizer que a primeira fase da globalização - aquela que começou com a queda do Muro de Berlim, com o projeto de uma unificação planetária em nome do crescimento e do mercado - há muito deu origem a um quadro muito mais controverso. Onde as frentes de tensão e conflito se multiplicam. Terrorismo internacional, construção de muros, conflitos armados, guerras civis, perseguição de minorias étnicas e religiosas são as muitas expressões da desordem que reina em nível internacional.
Na fase madura do mundo globalizado, está em ato um processo lento e muito delicado de formação de áreas político-econômico-culturais homogêneas que buscam redefinir seu posicionamento estratégico em nível regional e global. Além das iniciativas que Putin vem perseguindo há vários anos para afirmar seu projeto neoimperial, há as reivindicações da China sobre Taiwan, as ambições da Turquia, o novo papel da Índia e o próprio crescimento da OTAN. Este é o processo de "confronto", calculado e incalculável, que está movendo em profundidade as grandes falhas do mundo e que corre o risco de gerar terremotos devastadores na superfície.
Em primeiro lugar, a tensão se desenrola nas tantas fronteiras não estabilizadas onde os projetos de poder confluem. A Ucrânia faz parte da história russa ou não? Disputas extremamente perigosas porque, como ensina a história, nunca têm uma solução definitiva.
A alternativa ao caminho que leva aos massacres, limpezas éticas, guerras fratricidas é a busca de composições que só podem nascer da escuta e do diálogo. Na multiplicação desses terrenos de batalha, fica evidente também a falácia do pensamento que imaginava a simples eliminação de toda fronteira: ter tentado negar a pluralidade das histórias culturais acabou produzindo, por reação, a afirmação violenta da fronteira. Como domínio, posse, fechamento.
Quando, ao contrário, sabemos que a fronteira é também o ponto de conjunção da diversidade e, portanto, lugar possível de diálogo e encontro. A guerra hoje ocorre no quadro de uma interdependência econômica e tecnológica que une interesses diferentes e muitas vezes divergentes. Isso significa que, muito além do teatro dos confrontos, também estamos lutando por meio de retaliações econômicas, comerciais e financeiras.
Uma guerra muito mais complexa e sofisticada que, no caso ucraniano, já começou: Putin está segurando a arma dos suprimentos de gás, trigo e milho; Biden já anunciou medidas como cortar os financiamentos ocidentais à dívida soberana russa. E não se pode esquecer o inevitável deslocamento da população: quantos refugiados chegarão à UE, com que consequências humanitárias e efeitos políticos? É justamente essa interdependência que deve preocupar, pois torna-se muito difícil para qualquer ator em campo calcular as consequências das próprias iniciativas.
Seria sensato reconhecer que ninguém sabe exatamente qual jogo está sendo jogado. Simplesmente porque ninguém jamais se moveu em um cenário desse tipo.
A guerra obviamente afeta o plano de comunicação. A propaganda sempre foi um recurso estratégico durante os conflitos. Há semanas, os dois lados travam batalha no plano comunicativo para tentar intervir nos recíprocos planos de ação. E com seu discurso à nação - e ao mundo inteiro - Putin deu uma forte aceleração. A frente de comunicação será muito importante nas próximas semanas e será bom não sermos pegos desprevenidos. Sabemos que o presidente russo já usou fake news para interferir em eventos eleitorais (não só) estadunidenses e muitos temem que ele não terá escrúpulos em usar a sabotagem informática. E como na pandemia - quando a simples contagem de mortes diárias não era capaz de fornecer o quadro do que estava acontecendo - será preciso entender como falar de um conflito que, para além dos episódios isolados, escapa às explicações superficiais do dia a dia.
No vínculo inseparável que hoje une as diferentes partes do mundo, e à luz das falhas profundas que se movem sob a crosta da globalização, o verdadeiro risco é que a guerra se torne uma espécie de estado permanente que vive momentos mais agudos de crise, em uma condição de conflito crônico. Agora, a emergência ucraniana deve ser enfrentada. Mas é importante desde já saber que não haverá vencedores. Enquanto se gerencia a emergência, é necessário trabalhar em um método para sanar as tantas fraturas que dividem o mundo. É para este plano superior, mais do que para o interesse particular, que se deve olhar se queremos tentar trilhar o caminho, hoje mais difícil e necessário do que nunca, da paz.
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Existe o risco de um estado de “guerra crônica”. Outros olhos, outro método - Instituto Humanitas Unisinos - IHU