08 Janeiro 2016
A agenda papal para 2016 é densa e não só pelos compromissos jubilares que forçaram Francisco a cancelar a já anunciada visita a Milão (programada para maio próximo).
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicada no jornal Il Foglio, 05-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há as viagens internacionais – estas, sim, confirmadas –, primeiro ao México e, depois, à Polônia, para a Jornada Mundial da Juventude, para a Cracóvia que foi de João Paulo II, mas, acima de tudo, será preciso enfrentar as muitas emergências globais que alimentam a "Terceira Guerra Mundial em pedaços" que Bergoglio ilustrou várias vezes nas suas características essenciais.
Bombas, migrantes, Mediterrâneo transformado em um cemitério (como ele disse, ao falar ao Parlamento Europeu, em novembro de 2014) são todas partes de um mesmo problema, na visão geopolítica de Francisco. Elementos de uma crise que deve ser resolvida o mais rápido possível.
Ele mesmo ressaltou isso, ao se dirigir à Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro passado: "Não podemos nos dar ao luxo de adiar 'algumas agendas' ao futuro. O futuro nos pede decisões críticas e globais diante dos conflitos mundiais que aumentam o número dos excluídos e dos necessitados".
O problema, como observou o vaticanista do Boston Globe, John Allen, é que, para levar adiante uma agenda tão comprometedora, é preciso jogar por tabela, poder contar com um parceiro internacional de nível e – principalmente – de confiança.
Pio V, lembra Allen, remontando cinco séculos, venceu em Lepanto também porque tinha ao seu lado Filipe II, rei da Espanha. João Paulo II, para voltar a anos mais recentes, teve em Ronald Reagan o ombro que propiciou o desmoronamento do Muro de Berlim e o colapso da Cortina de Ferro.
Agora que o mundo está envolvido na possível "guerra dos 100 anos entre xiitas e sunitas" – como disse ao jornal La Stampa o chefe da inteligência do Hezbollah, Abu Zalah – com os cristãos no meio, despejados e forçados a a se refugiar em favelas curdas (não se sabe até quando), a questão do "parceiro" é vital. Até porque a situação assumiu os contornos de um novelo que parece impossível de se desfazer.
Não por acaso, em meados do ano passado, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, mas principalmente diplomata de carreira que nos últimos anos pôs a mão nos dossiês mais delicados (no limite do impossível) – das relações à China às com o Vietnã –, dizia que "o problema é realmente complexo, devemos estar conscientes disso. Provavelmente, ninguém tem a solução em mãos, porque há muitas causas que contribuem para esse fenômeno, e existem também muitas soluções que podem ser implementadas logo, e outras que requerem mais tempo".
Nada de "parceria" com a Rússia
A estreia internacional de Francisco havia sido o Ângelus pronunciado em setembro de 2013, quando ele se posicionou contra os bombardeios contra Damasco, que então pareciam iminentes. "Há um juízo de Deus e também um juízo da história sobre as nossas ações ao qual não se pode fugir! Nunca é o uso da violência que leva à paz. Guerra chama guerra, violência chama violência!", afirmava ele, acrescentando: "Com toda a minha força, peço às partes em conflito que escutem a voz da própria consciência".
Seguiu-se a vigília silenciosa de oração na Praça de São Pedro, o jejum, a longa carta enviada a Vladimir Putin (com uma bênção final) com a qual se pedia que ele fizesse o possível para evitar a escalada bélica no Oriente Próximo. Um entendimento que não passou despercebido, a tal ponto que, nos comentários daqueles dias, definiu-se o Kremlin justamente como o interlocutor privilegiado da Santa Sé no plano internacional. O parceiro, em suma, há muito tempo cobiçado.
Mas os desenvolvimentos ucranianos logo fizeram com que essa ideia desaparecesse. O clero católico local, irritado com as viagens de Putin a Roma, não tinha deixado de levantar a voz: "As palavras também podem machucar. Por isso, eu adverti o papa de que algumas afirmações da Santa Sé podem ser associadas à propaganda russa", dizia Sviatoslav Shevchuk, arcebispo maior de Kiev, sobre aquilo que Bergoglio tinha afirmado sobre a "guerra fratricida" em curso no país oriental. "Para descrever o que acontece na Ucrânia, só é possível usar uma palavra: invasão", afirmava.
Um quadro, em suma, que – como enfatizado pela revista Limes – punha "fim à parceria estratégica entre o Papa Francisco e Vladimir Putin". Daí a reaproximação com os Estados Unidos, embora com todas as cautelas necessárias, que, certamente – escreveu Allen –, serão ampliadas por uma eventual eleição de Hillary Clinton à Casa Branca.
A memória, de fato, vai aos anos em que era cotidianas as tensões entre o Vaticano e o governo estadunidense liderado por Bill Clinton sobre temas como o controle de natalidade (na época, o vice-presidente, Al Gore, não era considerado um interlocutor). E, depois, considerando a vis bélica de Hillary, muito mais pronunciada do que a incerta de Barack Obama, não se vê como as posições da Santa Sé e de Washington podem coincidir em referência ao caos do Oriente Médio.
Sem esquecer que, sobre as receitas para erradicar o câncer do califado que tende a erradicar a presença cristã daquelas terras, a divergência de pontos de vista com as hierarquias eclesiásticas locais é clara: se em Roma se diz que a solução não é a guerra, em Bagdá e Mosul se invocam os contingentes armados. Milícias cristãs autóctones, tropas ocidentais ou batalhões árabes sunitas, não importa: o importante é que cheguem as boots on the ground [as botas no chão].
Certamente, o parceiro internacional não pode ser a União Europeia, que, na frente da imigração, já tomou caminhos completamente alheios à linha papal. Se trovejar contra o muro construído pelo primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán era fácil, mais difícil é culpar a suspensão de Schengen decidida pela Suécia, o membro da União que até agora acolheu mais refugiados.
No mundo pós-americano, permaneceria a outra grande potência, a China. O fato de que o abraço com Pequim é um objetivo do pontificado bergogliano não é um mistério: conta o jesuitismo de Francisco, mas principalmente a consciência de que aquela terra é – somando os católicos "oficiais" reconhecidos pelo regime e os fiéis ao papa – o país mais cristão do mundo, em termos de números.
A Santa Sé trabalha, nos bastidores e com holofotes apagados, para reduzir as tensões, oscilando entre aqueles que – no clero local – não veem a hora de saudar o acordo e aqueles que, como o cardeal arcebispo emérito de Hong Kong, Joseph Zen Ze-kiun, implora que Roma não confie em Pequim.
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A guerra em pedaços solta faíscas, mas o papa ainda não encontrou (sérios) aliados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU