03 Janeiro 2022
“Era um visionário, sempre do lado certo da história”. Ele diz que está "triste, mas não surpreso" com a morte de Desmond Tutu, Igoni Barrett, uma das vozes mais originais da nova geração de escritores africanos. “Eu não sou religioso, mas ele foi um farol para mim também. Ele queria, sabia, falar com todos”, diz o autor nigeriano de Lagos que em Black Ass explorou o tema da identidade e do racismo com um senso de ironia que também distinguia o arcebispo, “campeão dos direitos humanos”.
Blackass: A Novel
“Entre as citações de Tutu que considero entre as mais irônicas, mas verdadeiras, está esta: “Sejam gentis com os brancos, eles precisam de vocês para redescobrir sua humanidade”. Ele se referia aos brancos de seu país no pior momento do apartheid, mas essa atitude parece fundamental em muitas partes do mundo inclusive hoje. Eu concordo com Tutu que os sistemas de privilégios dos brancos podem corromper a humanidade daqueles que se beneficiam deles".
A entrevista com Igoni Barrett é de Alessandra Muglia, publicada por Corriere della Sera, 27-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em que mais ele foi um visionário, na sua opinião?
Tutu trouxe à pauta o problema das alterações climáticas na África quando ainda se pensava que os verdadeiros problemas aqui fossem outros. Em um de seus últimos discursos públicos de que me lembro, em 2015, o definiu como “um dos maiores desafios morais de nosso tempo” com uma petição ao presidente Obama e ao secretário da ONU, Ban Ki-Moon.
Tutu cunhou a expressão "apartheid na adaptação" às mudanças climáticas como desafio para o futuro. Hoje se fala do apartheid das vacinas.
Prefiro me manter fiel ao sentido original do termo: apartheid se refere à discriminações entre habitantes de um mesmo país.
Outras suas tomadas de posição "proféticas"?
Tutu continuou a zelar pela nação do arco-íris, fustigando o ANC no poder. Ele denunciou sua deriva nepotista e a corrupção com o presidente Jacob Zuma, já no início de seu mandato, quando ainda era um líder forte e querido: assumiu posições impopulares, preocupando-se apenas com a verdade. Em 2011, disse que a era Zuma era pior do que o apartheid. Não é de admirar que, dois anos depois, Tutu não tenha sido convidado para o funeral de estado do companheiro de lutas e Nobel Mandela. A História provou que ele estava certo: em 2018, Zuma foi deposto e depois condenado.
Ele disse: "Prefiro ir para o inferno a adorar um Deus homofóbico".
Teve um grande impacto no combate às atitudes contra os homossexuais que ainda são muitos difundidas, mesmo onde são proibidas.
Sua capacidade de visão abraçava o mundo.
Eu me lembro, eu era um estudante, quando depois das palavras de Colin Powell à ONU sobre a intervenção no Iraque em 2003, ele criticou os Estados Unidos. Ele expressou a nossa frustração.
Expor as feridas não para buscar vingança, mas para curá-las e alcançar a paz. O método da comissão de reconciliação na África do Sul pós-apartheid ainda é atual?
A Nigéria tentou replicar esse modelo após a morte do general Abacha. A comissão ajudou o país a trazer à luz os crimes cometidos pelos militares, facilitando a transição para a democracia. Funcionou aqui, pode funcionar noutro local.
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Desmond Tutu: “Um visionário, capaz de inspirar mundos diferentes”. Entrevista com Igoni Barrett - Instituto Humanitas Unisinos - IHU