17 Dezembro 2021
"Uma coisa que chama a atenção é o enfraquecimento da Companhia. Quando entrei no noviciado, éramos 33.000 Jesuítas. Quantos somos agora? Mais ou menos a metade. E vamos continuar diminuindo em número. Este fato é comum a muitas Ordens e Congregações religiosas", escreve o jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado por La Civiltà Cattolica, 18-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sábado, 4 de dezembro, às 18h45, no final do primeiro dia da sua viagem apostólica à Grécia, o Papa Francisco regressou à Nunciatura onde, à sua espera, estava um grupo de sete dos nove jesuítas que trabalhavam na Grécia, ou seja, os membros da comunidade de Atenas. Da mesma comunidade fazia parte D. Theodoros Kodidis, arcebispo de Atenas desde 18 de setembro. O Papa entrou no salão da Nunciatura, cumprimentando pessoalmente os presentes. Depois, sentados em círculo, começou uma conversa espontânea que durou uma hora. Todos se apresentaram, falando sobre si mesmos e iniciando um breve diálogo com Francisco, que pediu para fazer perguntas de forma livre e espontânea.
O superior, pe. Pierre Salembier, recorda que a comunidade faz parte da Província francófona da França e Bélgica, enquanto, tempos atrás, estava ligada à Província da Sicília. Apresentou-se pessoalmente, lembrando-lhe que estiveram juntos na Congregação dos Procuradores que se realizou em 1987[1]. Ele havia sido professor em Bordeaux e depois foi convidado a se mudar para Atenas. Depois dele se apresenta um irmão jesuíta[2], Georges Marangos, que toca órgão e é ecônomo.
O Papa intervém dizendo:
Vou fazer uma confissão: quando era provincial tinha que pedir informações para admitir jesuítas à ordenação sacerdotal e verifiquei que as melhores informações eram dadas pelos irmãos. Lembro-me certa uma vez: havia um estudante de teologia que estava terminando os estudos, que era particularmente bom, inteligente, simpático. Os irmãos, porém, me diziam: “Cuidado, mande-o trabalhar um pouco antes da ordenação”. Eles "viam por baixo da água". Eu me pergunto por que os irmãos jesuítas têm a capacidade de compreender o essencial de uma vida. Talvez porque saibam combinar a afetividade com o trabalho das mãos. Eles tocam a realidade com as mãos. Nós, padres, às vezes somos abstratos. Os irmãos são concretos e compreendem bem os conflitos e as dificuldades: têm bom olho. Quando se fala da "promoção" do irmão, deve-se sempre considerar que tudo - até os estudos - deve ser pensado como instrumento para a sua própria vocação que vai muito além das coisas que ele conhece.
Depois se apresenta o pe. Pierre Chongk Tzoun-Chan, coreano, jesuíta há 21 anos. Atualmente é pároco da paróquia Coração de Cristo Salvador e colaborador do “Centro Arrupe”, um instituto para as crianças refugiadas que ele próprio fundou, mas do qual agora é apenas colaborador. Francisco comenta:
Duas coisas. A primeira: você fala grego muito bem! Você é um coreano universal! A segunda: há uma coisa que você disse que é muito importante. Você fundou uma obra, o “Centro Arrupe”. Você é um "pai" fundador, expressou sua criatividade e sabe bem o que é este Centro e qual é sua natureza e propósito. Você me disse que não é mais responsável. Isso é uma coisa muito boa. Quando alguém inicia um processo, deve deixar que se desenvolva, deixar a obra crescer e depois se retirar. Todo jesuíta deve fazer isso. Nenhuma obra pertence a ele, porque pertence ao Senhor. Assim, expressa indiferença criativa. Deve ser pai e deixar que a criança cresça. A Companhia de Jesus entrou em crise de fecundidade quando quis regular todo desenvolvimento criativo com o Epítome[3]. O padre Pedro Arrupe[4] veio como Geral e fez o contrário: renovou a espiritualidade da Companhia e a fez crescer. Essa é uma grande atitude: fazer tudo bem e depois se retirar, sem ser possessivo. É preciso ser pais, não senhores, ter a fecundidade do pai. Inácio nas Constituições diz uma coisa maravilhosa: que os grandes princípios devem ser encarnados nas circunstâncias do lugar, do tempo e das pessoas. E isso graças ao discernimento. Um jesuíta que age sem discernimento não é um jesuíta.
Apresenta-se o pe. Sébastien Freris. Ele tem 84 anos e fez vários trabalhos pastorais na paróquia e com os jovens. Diz ao Papa que outrora a comunidade era grande e muito ativa, dando muito ao país. Muitas de suas obras foram de natureza cultural e intelectual, de abertura ao diálogo. Uma dessas atividades foi a publicação de uma revista. Agora a situação é de fraqueza. Os Jesuítas fazem o que podem com as poucas forças disponíveis.
O Papa intervém comentando:
Uma coisa que chama a atenção é o enfraquecimento da Companhia. Quando entrei no noviciado, éramos 33.000 Jesuítas. Quantos somos agora? Mais ou menos a metade. E vamos continuar diminuindo em número. Este fato é comum a muitas Ordens e Congregações religiosas. Tem um significado e devemos nos perguntar qual é. Em última análise, essa redução não depende de nós. A vocação é enviada pelo Senhor. Se não vier, não depende de nós. Acredito que o Senhor esteja nos dando um ensinamento para a vida religiosa. Para nós, tem um significado no sentido da humildade. Nos Exercícios Espirituais, Inácio sempre aponta para isso: para a humildade.
Sobre a crise vocacional, o jesuíta não pode ficar ao nível da explicação sociológica. Esta é, na melhor das hipóteses, meia verdade. A verdade mais profunda é que o Senhor nos conduz a esta humildade dos números para abrir a cada um a via ao “terceiro grau de humildade”[5], que é a única fecundidade jesuíta que vale. O terceiro grau de humildade é o objetivo dos Exercícios. A grande revista científica não existe mais: o que o Senhor quer dizer com isso? Humildade, humildade! Não sei se fui claro. Temos que nos acostumar com a humildade.
Pe. Freris intervém: “Tem razão, mas a minha pergunta é: qual é o nosso futuro? Quando éramos jovens, sonhávamos com um diálogo com a Igreja Ortodoxa. Mas agora vemos que pela Providência divina fazemos outra coisa e cuidamos dos migrantes. E o diálogo com os ortodoxos?”. Francisco responde:
Devemos ser fiéis à cruz de Cristo. Deus sabe disso. Com esses sentimentos pedimos ao Senhor o que Ele quer de nós, então somos criativos em Deus: desafios concretos, soluções concretas. Claro, agora o diálogo com os ortodoxos vai bem. Isso significa que semearam bem com a oração, os desejos e as coisas que puderam fazer.
Tonny Cornoedus, apresenta-se como um jesuíta belga-flamengo. Ele trabalhou no Marrocos em uma comunidade que hoje não existe mais, depois como pároco na Bélgica, agora ele está na Grécia porque há necessidade de um padre que fale francês para os refugiados. Ele fala sobre seu trabalho e também sobre sua desventura, quando foi preso por ser confundido com um traficante de pessoas.
Uma bela humilhação! Quando você estava falando, pensei como é o fim de um jesuíta: chegar à velhice cheio de trabalho, talvez cansado, cheio de contradições, mas com um sorriso, com a alegria de ter feito o próprio trabalho. Este é o cansaço de um homem que deu a vida. Existe um cansaço ruim, neurótico que não ajuda. Mas existe um cansaço bom. Quando se vê essa velhice sorridente, cansada, mas não amarga, então você é um hino à esperança. Um jesuíta que chega à nossa idade e continua a trabalhar, a sofrer as contradições e a não perder o sorriso, torna-se então um hino à esperança. Você me lembrou de um filme de que gostei muito quando o vi quando era garoto: O Retorno do Soldado. Um soldado voltava para casa cansado, ferido, mas com o sorriso de estar em casa e de ter cumprido o seu dever. Que bom que existem Jesuítas como você, com sorriso e com a garantia de que aquela semente lançada deu frutos! Como na vida, assim na morte o jesuíta deve dar testemunho do seguimento de Jesus Cristo. Esta semeadura de alegria, "astúcia", sorriso é a graça de uma vida plena. Uma vida com pecados, sim, mas cheia da alegria do serviço de Deus. Vá em frente e obrigado pelo seu testemunho!
Fala em seguida Marcin Baran, 46 anos, da Polônia. Ele fala de si, dizendo que está na Grécia porque há uma grande comunidade polonesa. Tempos atrás, havia até 300.000 poloneses, mas agora são 12.000. Em Atenas são 4.000 e precisam de um sacerdote que fale polonês, porque os fiéis que frequentam a igreja são muito fiéis à sua língua materna. Ele é doutor em filosofia, mas agora seu trabalho é com pessoas simples, trabalhadores ...
Francisco comentou:
Filosofia de cada dia! O que você disse me impressionou muito: você fez todos os seus estudos de filosofia, e depois o Senhor lhe enviou aos poloneses de Atenas. Essa é indiferença criativa, que ajuda a seguir em frente! Esta é a vocação jesuíta: ir aonde Deus te faz ver a sua vontade e te pede obediência. O Senhor sabe. Não vemos o sentido da nossa vida apostólica no início, mas no final da nossa vida com a sabedoria de olhar para trás. São João da Cruz dizia: no final da vida você será julgado apenas sobre o amor. Você se preparou, você é um doutor ... e agora você é o capelão dos poloneses em Atenas. Como se entende isso? Com a lógica do reino de Deus, a lógica da contradição, do inexplicável ...
Por fim, se apresenta o pe. Michel Roussos, dizendo: “Este encontro para mim é o Pentecostes!”. Ele se apresenta contando que estudou arqueologia em Atenas. Meu professor era amigo de Albert Camus. A sua formação esteve ligada ao Mediterrâneo de Jerusalém, Atenas, Chipre e Roma. Por 50 anos ele tratou de fé e cultura, e de diálogo ecumênico. Foi diretor da revista "Horizontes Abertos" e do "Mensageiro do Sagrado Coração". Agora ele é o responsável pelo Apostolado da Oração. O Papa pergunta quantos anos ele tem. E o p. Roussos responde: “Oitenta e três! E eu oro: Senhor, faça de mim uma pessoa útil, mas não importante”.
O Papa comenta:
O Apostolado da Oração é muito importante. O pe. Fornos está fazendo isso muito bem, de uma forma moderna. A oração é o centro! Vejo que todos vocês são "jovens" e alegres no que fazem. Obrigado pelo que vocês estão fazendo em nome da Igreja. É edificante para mim saber o que vocês estão fazendo. Agora podemos orar juntos ...
Antes da conclusão, o superior presenteia o Papa com um quadro realizado pelos jovens do “Serviço Jesuíta aos Refugiados”. Francisco e os Jesuítas rezaram juntos recitando uma Ave Maria e depois tiraram uma foto em grupo. O Papa despediu-se depois de ter cumprimentado novamente a todos, um a um.
[1] A Congregação dos Procuradores reúne os delegados de cada uma das unidades administrativas da Companhia de Jesus, Províncias e Regiões. Os procuradores são eleitos em uma Congregação Provincial ou Regional.
[2]. Ou seja, um religioso jesuíta que não é padre. Ele encarna a vida religiosa na sua essência e, por isso, é capaz de manifestar tal vida com particular clareza.
[3]. Aqui o Papa se refere a uma espécie de resumo prático em uso na Companhia e reformulado no século XX, que era visto como um substituto das Constituições. A formação dos jesuítas na Companhia por um tempo foi moldada por esse texto. Para Francisco, durante esse período na Companhia, as regras correram o risco de dominar o espírito.
[4]. Superior Geral da Companhia de Jesus de 1965 a 1983. Em 2019 foi proclamado Servo de Deus.
[5]. “Quero e escolho antes pobreza com Cristo pobre que riqueza; desprezos com Cristo cheio deles que honras” (Exercícios espirituais, 167).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A lógica do inexplicável”. Papa Francisco com os Jesuítas da Grécia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU