11 Novembro 2021
O PT se mostra conivente com a prática repressora de Ortega, que já deixou mais de 300 assassinados, milhares de feridos, ao menos 140 mil nicaraguenses exilados e, atualmente, mais de 160 presos políticos, entre os quais todos os pré-candidatos da oposição – sete no total - que tinham alguma chance de ganhar as eleições, escreve em carta o Coletivo de Nicaraguenses no Brasil.
A carta é endereçada a Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores e a Luiz Inacio Lula da Silva, ex-Presidente e candidato às eleições presidenciais de 2022.
Foto: Wikimedia Commons.
Sra. Gleisi Hoffmann
Deputada Federal
Presidenta do Partido dos Trabalhadores
Com cópia:
Luiz Inacio Lula da Silva
Ex-Presidente da República Federativa do Brasil
Prezada Senhora, Prezado Senhor,
Os abaixo assinantes desta carta somos nicaraguenses, residentes no Brasil, professores, pesquisadores, intelectuais e militantes do campo progressista latino-americano, alguns há mais de quarenta anos. Viemos, por meio desta, reagir com surpresa, frustração e indignação pela nota emitida no dia 08 de novembro em saudação às eleições nicaraguenses e ainda qualificando o processo de “manifestação popular e democrática” contra tentativas de desestabilização.
Surpresa, pois a nota parece incoerente com a postura do ex-presidente Lula quem há menos de três meses, durante uma entrevista a Sabina Berman no México, deu claros sinais de que as eleições do nosso país estavam conduzindo para um caminho não democrático (disponível aqui).
Em contraposição não apenas o PT saúda o “triunfo” da FSLN, mas também endossa a manipulação orteguista de uma suposta “onda de desestabilização” que lhe serve de sustento para assassinar, prender ativistas e cancelar direitos políticos e sociais desde 2018.
Frustração, porque desde há mais de três anos viemos realizando várias tentativas para abrir um debate pluralista, democrático e bem informado com a direção do partido, sem receptividade. Não apenas o partido tem se fechado a dialogar com os ativistas, líderes de movimentos sociais e intelectuais nicaraguenses no Brasil como, numa ação sem precedentes, resolveu ficar calado a uma carta que organizações de mães de presos políticos enviaram ao ex
Presidente Lula em setembro de 2021, apelando a sua sensibilidade, histórico de luta e vocação democrática.
Indignação por confirmar que o PT se mostra conivente com a prática repressora de Ortega, que já deixou mais de 300 assassinados (incluindo a médica brasileira Raynéia Lima), milhares de feridos, ao menos 140 mil nicaraguenses exilados e, atualmente, mais de 160 presos políticos, entre os quais todos os pré-candidatos da oposição –sete no total- que tinham alguma chance de ganhar as eleições, detidos e sem nenhum respeito aos seu direitos. São denúncias amplamente documentadas e comprovadas por entidades como Anistia Internacional e o Grupo Interdisciplinar de Expertos Independentes (GIEI), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Essa comissão foi coordenada pelo brasileiro Paulo Abrão, que, após trabalhar em governos petistas justamente documentando violações de direitos humanos no Brasil, agora pode testemunhar o quanto o que há na Nicarágua se assemelha com as práticas dos anos da ditadura brasileira e nada tem a ver com o pretenso “golpe imperialista” aludido pelo governo da FSLN.
Com essa postura, o PT faz vista grossa a inúmeras reclamações de instâncias democráticas e redes de organizações de Direitos Humanos, que em diversas ocasiões já questionaram e denunciaram a escalada autoritária de Ortega e a ilegitimidade do recém encerrado processo de votação. O PT tem sido para nós grande inspiração na luta pela Democracia e os Direitos Humanos, mas, infelizmente, a nota emitida no dia 08 de novembro só mancha de sangue a sigla. Como acreditar no discurso de luta por Democracia e Direitos Humanos desse Partido? Como? Se estamos vendo ele compactuar sem piscar os olhos com a ignomínia, o abuso, a opressão da qual o nosso povo é vítima?
Fazemos um chamado, mais uma vez, ao partido para abrir um pluralista e transparente diálogo com a esquerda democrática, abrir os olhos à real situação da Nicarágua e primar pela defesa da Democracia e dos Direitos Humanos como princípio ético e não como uma simples retórica. A onda repressiva do nosso país interroga à esquerda brasileira sobre a existência de limites práticos na defesa dos Direitos Humanos no contexto de práticas autoritárias, mas interroga principalmente se tudo é permitido quando essas práticas são realizadas em nome de um suposto campo anti-imperialista.
Atenciosamente
Coletivo de Nicaraguenses no Brasil
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“Surpresa, frustração e indignação”. Coletivo de Nicaraguenses no Brasil escreve para Gleisi Hoffmann e Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU