01 Outubro 2021
“Fiquei feliz por ter uma audiência com o Papa. Francisco insistiu sobre a desigualdade e o grito dos pobres. E é surpreendente que nos países ricos haja uma tendência a não entender algo muito simples: ninguém sairá desta pandemia se uma parte do mundo for vacinada e a outra não”.
Sobre a mesa uma xícara de café, ao lado a mala pronta, o Dr. John Nkengasong, 62 anos, está deixando Roma para retornar a Adidis Ababa, onde dirige os Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). O virologista camaronês, colaborador próximo de Anthony Fauci, trabalhou por mais de vinte anos nos Estados Unidos e foi incluído este ano pelo Time entre as 100 pessoas mais influentes do planeta. Por seu empenho contra o Coronavírus, ele foi premiado em Veneza pelo Soft Power Club presidido por Francesco Rutelli. No Vaticano participou da Assembleia da Academia para a Vida sobre “Saúde pública em uma perspectiva global”, e foi recebido por Bergoglio.
Joe Biden acabou de anunciar sua intenção de nomeá-lo para liderar o Plano de emergência do presidente para a luta contra a Aids no mundo, o primeiro africano a liderar o programa com sede no Departamento de Estado dos Estados Unidos. “Agradeço a ele pela confiança, não podemos esquecer que a batalha contra a Aids continua: na África, creio que até ao final do ano terá matado mais gente do que o Covid”.
A entrevista com John Nkengasong, é de Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 30-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dr. Nkengasong, a pandemia mostrou um problema de egoísmo e, além disso, autodestrutivo, nos países mais desenvolvidos?
Estou espantado com a falta de compreensão do Norte do mundo. A única maneira de sair rapidamente da crise do Covid-19 é uma forte solidariedade que apoie a cooperação internacional. Caso contrário, não vamos conseguir. Sempre haverá outro problema. Hoje estamos preocupados com a variante delta, mas amanhã não sabemos quais outras variantes poderão se espalhar. Portanto, é do interesse da humanidade garantir que todo o mundo seja vacinado. Hoje o número total de vacinações na África é de cerca de 4%: em uma população de cerca de 1,2 bilhão de pessoas.
O que se pode dizer daqueles que ainda tem medo de se vacinar?
Sou biólogo e virologista há mais de trinta anos. Posso garantir que a única razão de estarmos ainda vivos é por termos sido vacinados, seja contra a poliomielite ou a meningite ou qualquer outra coisa. As vacinas contra o Covid-19 não são diferentes das vacinas que já recebemos. As vacinas são eficazes, as vacinas são seguras. Dessa terrível doença só é possível sairmos juntos.
Quando sairemos? Há quem imagine reforços anuais ...
Depende muito dos nossos comportamentos. Se as vacinas estiverem disponíveis para todos e as pessoas forem vacinadas, poderemos sair em dois ou três anos. Mas se uma parte da pessoa se vacinar e outra não, como acontece hoje, o vírus continuará infectando até mesmo quem já foi vacinado e ficaremos nessa crise por muito tempo.
Que porcentagem deverá ser coberta pela vacinação no mundo?
A OMS diz que devemos chegar a 70% dentro de um ano. O mesmo objetivo indicado pelo presidente Biden.
O Papa insistiu: as vacinas dão esperança ‘apenas se estiverem disponíveis para todos’.
Exatamente. Deveríamos trabalhar juntos e encontrar soluções imediatas e de médio ou longo prazo, incluindo a revogação ou suspensão das patentes, para produzir vacinas em países não desenvolvidos.
A suspensão das patentes é possível?
É possível e desejável. É apenas uma questão de vontade.
Você já conversou sobre isso com o presidente Biden?
Ainda não.
As vacinas anti-Covid poderiam ser produzidas na África?
Existem diversas estruturas e há pelo menos 5 países - África do Sul, Senegal, Marrocos, Tunísia, Egito - que já produzem outras vacinas e teriam a capacidade para o fazer.
E no futuro imediato?
O mais urgente é garantir que os países que têm vacinas em excesso possam redistribuí-las imediatamente aos países em via de desenvolvimento.
O que não funcionou até agora?
O multilateralismo é importante, mas o sistema mostrou seus limites. Está tudo muito centralizado agora. No início falou-se do programa Covax, que devia ser coordenado pela OMS com a Global Alliance para as Vacinas e Imunização. Os países africanos estavam confiantes de que as vacinas estariam disponíveis. Até agora, chegaram 30 milhões de doses, para 44 países. Na África nos organizamos e adquirimos 400 milhões. Também em nível local se pode fazer alguma coisa. Se essa iniquidade permanecer, significa que algo precisa ser mudado.
Anthony Stephen Fauci é um imunologista estadunidense. Contribuiu de forma substancial na pesquisa da Síndrome da imunodeficiência adquirida e outras imunodeficiências, como pesquisador e chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas desde 1984 e conselheiro-chefe sobre saúde do presidente Joe Biden - Nota do Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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O Fauci africano encontra-se com Francisco: “Quem tem as vacinas deve fazê-las chegar aos países pobres” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU