29 Setembro 2021
“Um sinal de esperança nesta crise é o protagonismo das mulheres”, afirmou o Papa Francisco em um livro-entrevista com o jornalista Austen Ivereigh, com o olhar na pós-pandemia. A nomeação da teóloga argentina Emilce Cuda como nova chefe do escritório da Pontifícia Comissão para a América Latina, que estará ao lado do filósofo mexicano Rodrigo Guerra López, cumpre esse desejo do Pontífice.
A reportagem é de Lucas Schaerer, publicada por Alfa y Omega, 27-09-2021. A tradução é do Cepat.
A teóloga, a primeira mulher leiga argentina que recebeu um doutorado pontifício em Teologia Moral, chegou no dia 6 de setembro em Roma e ainda está assinando documentos para assumir o cargo operativamente. Em conversa com Alfa y Omega, ainda em Buenos Aires - dias antes de sua partida -, avaliou que “os sinais dos tempos, ou os sinais de Deus na história, precisamos ler, interpretar e discernir a partir da práxis do povo de Deus”, e acrescentou que “a eleição de um Pontífice como Francisco é um sinal dos tempos”. Não apenas por ser latino-americano e jesuíta, mas também porque “é o profeta do povo em tempos de crises científica, política e cultural”.
Cuda teceu sua teologia junto com os jesuítas que formaram o Papa. Por isso, na conversa, cita o sacerdote, filósofo e teólogo Juan Carlos Scannone, que definia o Pontífice como “o sinal dos tempos em pessoa”. Scannone, que morreu no final de 2019, foi professor e companheiro do jovem Jorge Mario Bergoglio, no Colégio Máximo de San Miguel, da província de Buenos Aires. Décadas depois, Cuda participou com Cachito, conforme chama com carinho Scannone, a equipe de pesquisa sobre cultura popular.
A América Latina transborda é outro conceito bergogliano. A nomeação de Cuda pode ser compreendida como parte desse transbordamento que, há anos, provoca como consultora do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e da Conferência Episcopal Argentina (CEA). Agora, em seu cargo no Vaticano, deverá acompanhar a próxima assembleia eclesial de novembro, no México. Um encontro em sintonia com o processo sinodal vivido pela Igreja universal, já que não será um evento só de bispos, mas todo o povo de Deus desse continente se reunirá (uma parte presencial e a maioria virtual) para discernir os desafios atuais.
Para compreender melhor esse “transbordamento latino-americano” a que se refere o Papa, houve antes uma Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), presidida há mais de um ano pelo cardeal brasileiro e franciscano Cláudio Hummes, a primeira que inclui leigos, não só bispos, e que nasceu seis meses depois que o Vaticano, durante quase um mês - em outubro de 2019 –, foi a casa de indígenas e de muitas mulheres da América do Sul. O Sínodo amazônico também foi único na história da Igreja, pois nunca antes houve um sínodo que tratasse de uma geografia pontual. Chegou a ser concretizado após um processo de cinco anos de tarefa pastoral na profundidade amazônica dos nove países articulados pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
Cuda está habituada aos telefonemas de madrugada - pelo fuso horário -, mas não sabia que esse telefonema da Itália definiria seu novo rumo de vida. Do outro lado do telefone, um cardeal queria conversar. A conversa misturava vários idiomas: italiano, inglês e espanhol. O canadense Marc Ouellet ficou impressionado com o seu nível acadêmico e chamou a sua atenção um dado familiar: a teóloga do fim do mundo está casada com um estadunidense católico.
A teóloga nasceu há 55 anos e foi criada em um bairro populoso da província de Buenos Aires. Sua origem na classe trabalhadora não evitou que estudasse Filosofia na Universidade de Buenos Aires e Teologia na Universidade Católica Argentina. Estudou também Ciências Políticas e Economia e Negócios nos Estados Unidos.
Uma das conquistas acadêmicas da nova chefe do escritório da Pontifícia Comissão para a América Latina é ter vencido o concurso para a coordenação de um grupo de trabalho internacional do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, uma rede institucional internacional não governamental, criada em 1967, com status associativo na UNESCO, que reúne mais de 800 centros de pesquisa e pós-graduação de 55 países. A argentina chegou nela com o conceito de teologia do povo, menos famoso que o de libertação.
O conselho latino-americano está em uma linha de pensamento distante da Igreja Católica, mas Cuda e Scannone conseguiram avançar com a epistemologia do sul, porque olharam o mundo a partir do fim do mundo, não como a maioria das concepções acadêmicas latino-americanas, que analisam o mundo a partir da visão dos intelectuais europeus ou anglo-saxões.
Cuda também dedicou muitos anos de sua vida ao diálogo com os sindicatos e com os excluídos organizados que são conhecidos como movimentos populares, muito numerosos na América Latina, sobretudo na Argentina.
“Um erro funcionalista é acreditar que basta apenas colocar mulheres em cargos de direção”, disse o Pontífice, em Vamos sonhar juntos, livro fruto de sua conversa com o jornalista Ivereigh.
Francisco deseja, com a teóloga de sua pátria, integrar sua sensibilidade e conhecimentos nas ações da Santa Sé para América Latina. “Isso incide na visão e no pensamento da burocracia da Igreja”, como afirma o Papa.
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Emilce Cuda: da teologia moral aos movimentos populares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU