18 Agosto 2021
"Vocês têm o relógio, nós temos o tempo, o Talibã advertia nos anos 1990. E era verdade. Esperaram que os EUA e os aliados percebessem que não podiam mais ficar e, quando chegou o momento da retirada, reconquistaram o país”. Francesca Manenti é analista do Centro de Estudos Internacionais (C.E.S.I), especialista em Afeganistão.
A entrevista com Francesca Manenti é editada por Federica Zoja, publicada por Avvenire, 17-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até que ponto era prevista uma rota de tamanho fracasso?
Era esperada e também provável, porque os Talibãs já estavam mostrando superioridade operacional no campo. A incapacidade das forças afegãs de resistir ao golpe representava uma certeza para muitos.
Até porque foram bastante habilidosos em construir uma rede de entendimentos locais para chegar às portas dos maiores centros urbanos e usufruir de apoio.
Eles desenvolveram uma capacidade de negociação superior à da elite a que nós, ocidentais, entregamos o país? Existe por acaso uma nova geração que se preparou para este momento?
Sim e não. O grupo passou por uma transformação desde a década de 1990: ganhou maior consciência política. Mas eu não diria que isso é fruto de uma nova geração porque na realidade o atual negociador-chefe é Abdul Ghani Baradar, um dos fundadores históricos, e sabemos o quanto o carisma ligado à tradição seja importante para os talibãs. Mas é verdade que há novos grupos, em primeiro lugar o filho do Mulá Omar, Yakub, que neste momento está entre os líderes do "Shura de Quetta" (Conselho composto pelos líderes do grupo), e sabemos que ele era a favor de uma abordagem diplomática.
Quais são os sinais da transformação?
A entrada em Cabul foi "ordenada". Em 1995 eles expugnaram a capital. Agora eles esperaram que o governo Ghani renunciasse para depois assumir o controle. A consciência de ter estabelecido relações com as chancelarias regionais os deixa seguros: os russos parecem dispostos a não evacuar sua embaixada, o Irã adotará uma atitude pragmática. Quanto à China, a delegação do Talibã em Pequim foi recebida pelo ministro do Exterior.
É imaginável um emirado islâmico inclusivo das diferentes orientações presentes no país?
Este é o grande ponto de interrogação. O ex-primeiro-ministro Abdullah Abdullah e o ex-presidente Amid Karzai manifestaram sua disponibilidade para formar um executivo de base ampla.
E para as mulheres, pode ser pensado um futuro que respeite o progresso realizado?
Eu não seria tão otimista, acredito que a reconquista marcará o retorno ao fundamentalismo islâmico e, portanto, às limitações e regras. O Afeganistão é uma sociedade civil com duas velocidades: uma componente tentou tirar o melhor do que recebeu nestes 20 anos. Mas o Talibã conta com forte apoio da população, caso contrário, um avanço tão incrível não teria sido possível. E isso porque o grupo manteve o controle de grandes áreas rurais ao longo dos anos.
A militância talibã é jovem, viveu em um contexto “contaminado” pela presença estrangeira. Como pode explicar o fascínio pelo fundamentalismo?
São jovens que não conhecem o significado da palavra paz. Eles nasceram em um contexto de guerra. Eles têm acesso à tecnologia, à informação, mas em todo caso a referência cultural é a fundamentalista. Mesmo para as mulheres de suas famílias.
Existe o risco de o Emirado Afegão se tornar novamente o coração da galáxia jihadista?
Ao longo dos anos, uma espécie de osmose ocorreu entre a Al Qaeda (a Base) e a insurgência talibã, também graças a casamentos entre líderes da rede terrorista e filhas de líderes locais. A Al Qaeda se 'talibanizou'.
É improvável imaginar um retorno à Base da década de 1990. A relação com o Estado Islâmico, por outro lado, sempre foi conflituosa. Nos acordos de Doha, o Talibã se empenhou para que o país não se tornasse um caldeirão de siglas jihadistas. No entanto, entre eles há partes residuais de guerrilheiros estrangeiros: eles poderiam tentar explorar o sucesso afegão para fazer propaganda. A reconquista poderia representar por si só um precedente inspirador.
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Afeganistão: “Não são mais os talibãs de 20 anos atrás. Mas o fundamentalismo continua o mesmo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU