13 Agosto 2021
O fato de ser antivacina pode ser apenas a última, por enquanto, de uma série de “reações” individuais motivadas pela percepção de uma enorme influência sociocultural, à qual deveríamos nos opor, sem, porém, nos darmos conta de que as formas com que se dá corpo a essa oposição permanecem perfeitamente dentro da influência da pós-modernidade da qual se gostaria de sair.
A opinião é de Gilberto Borghi, teólogo, filósofo e psicopedagogo clínico italiano, formador na cooperativa educativa Kaleidos. O artigo foi publicado em Vino Nuovo, 12-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Ah, não! No meu corpo eles não colocam aquilo que quiserem!”
Depois de tentar entender qual fila seria mais rápida, escolho a segunda. Apenas uma pessoa na minha frente, com poucas coisas no carrinho. Mas, quando o caixa tentou passar o cartão, ele não funcionou: “Senhora, está dizendo que não está habilitado...”. O caixa tentou dissimular a sua irritação. E a minha começou a aumentar. Obviamente, pensei que a outra fila era melhor.
Tento me distrair, e aquela frase acima chega fulminante às minhas costas. Eu me viro, e duas mulheres entram na fila atrás de mim, enquanto conversam.
“Mas não existe isso de sermos obrigadas a nos vacinar. Já nos entupiram de bobagens sobre a pandemia e agora temos que enfiar até merda no nosso corpo. Não existe isso. No meu corpo, quem manda sou eu.”
Eu sorrio, dentro de mim, e depois um lampejo atravessa a minha mente: por que não podemos aceitar que outros decidam por nós precisamente sobre o corpo?
Quando finalmente tento passar as minhas compras pelo caixa, chega-me uma possível resposta: não nos resta nada mais além do corpo! Talvez essa ideia de fundo habite o pensamento não declarado de alguns. Ou seja, teríamos deixado que a cultura corroesse lentamente os nossos princípios de valor, de razão e de relação, sem opor resistência ou, melhor, imaginando que cada passo na direção da desestruturação era uma emancipação.
Mas agora nos damos conta de que a última linha de resistência é a da nossa pele física, e alguém decidiu que é hora de dizer “chega”, que não podemos ser reduzidos a engrenagens do sistema.
E, para declarar concretamente essa oposição, além de sermos antivacina, podemos tatuar o próprio corpo como quisermos, ornamentá-lo com piercings, às vezes usar alguma substância para potencializar o seu desempenho físico ou para se permitir experiências sensoriais “off limits”.
Ou, pelo contrário, podemos optar pela negligência em relação ao próprio corpo, em nome de uma maior importância do espírito, até à incúria, muitas vezes acompanhados de uma relação problemática com a comida.
Em outras palavras, o fato de ser antivacina pode ser apenas a última, por enquanto, de uma série de “reações” individuais motivadas pela percepção de uma enorme influência sociocultural, à qual deveríamos nos opor, sem, porém, nos darmos conta de que as formas com que se dá corpo a essa oposição permanecem perfeitamente dentro da influência da pós-modernidade da qual se gostaria de sair.
Todas essas formas de “relação com o corpo” têm em comum a ideia de que ele é um objeto nas nossas mãos, do qual podemos dispor como quisermos, e, por isso, ninguém, exceto nós, pode se dar ao luxo de decidir por nós.
Essa mesma motivação não está longe daquela que nos leva a pensar e a fazer aquilo que quisermos em relação ao início e ao fim da vida, ao uso de terapias não científicas para nos tratarmos ou à definição do pertencimento de gênero.
Para além do fato de que, nessas situações, realmente existem verdades e dignidades que devem ser mais bem protegidas e incrementadas, faz-se isso a partir dessa ideia; o humano, mesmo assim, fica amputado.
Corpo e pessoa permanecem ou caem juntos. Todas as vezes que tentamos separá-los, perdemos o valor de um e de outro. Eu sempre me perguntei: por que Jesus, no momento de máxima síntese e entrega ao ser humano da sua própria pessoa, disse: “Este é o meu corpo oferecido a vocês”? Ele poderia ter dito: amor, vida, mensagem, valor, espírito, alma... Mas disse “corpo”!
Por que não podemos aceitar que outros decidam por nós precisamente sobre o corpo? Talvez porque o corpo somos nós? Mas então as coisas mudam, porque o próprio corpo pede e declara que não podemos viver fechados na nossa mônada. O umbigo permanece ali nos lembrando sempre que não demos a vida a nós mesmos sozinhos e que, se quisermos viver, não podemos achar que estamos sozinhos no mundo.
O respeito por nós como corpo e pessoa leva ao respeito aos outros como corpos e pessoas que também tornam possível a nossa vida.
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“Dar corpo” aos antivacina: por que não podemos aceitar que outros decidam sobre o nosso corpo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU