Um catolicismo pós-paroquial. Entrevista com Michael Ebertz

Foto: Unsplash

30 Julho 2021

 

Os números publicados recentemente sobre o abandono da Igreja na Alemanha não são tão altos quanto no ano passado; no entanto, permanece o fato de que mais de 200.000 pessoas deixaram a Igreja Católica em um ano. O sociólogo da religião Michael Ebertz apela às igrejas para que mudem radicalmente sua oferta às pessoas, a fim de responder adequadamente aos diferentes grupos sociais e ambientes. Em qualquer caso, Ebertz vê o conceito de paróquia como superado.

 

A entrevista é editada por Gabriele Höfling, publicada originalmente por katholisch.de e reproduzida por Settimana News, 29-07-2021. A tradução do italiano é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Professor Ebertz, você está familiarizado com os ambientes sociais. A partir de um estudo da Universidade de Freiburg de 2019, sabemos que o número de membros da Igreja cairá pela metade até 2060. Como os dois fatores - a natureza dos ambientes e o encolhimento da Igreja - estão ligados?

 

O prognóstico do estudo a que se refere não levou em consideração a diferenciação dos ambientes. Baseia-se puramente em dados de desenvolvimento demográfico e, acima de tudo, questiona o que a prevista diminuição do número de membros significa para a dimensão financeira da Igreja.

 

O estudo, encomendado pela Conferência Episcopal, foi conduzido por um departamento universitário de economia financeira. Os ambientes não desempenham nenhum papel - e isso por si só levanta algumas dúvidas.

 

 

Por que a diferenciação de ambientes não é levada em consideração, o que, aliás, já foi bem investigado? Isso me deixa com raiva. A Igreja, ou pelo menos alguns de seus representantes, parecem ignorar as descobertas das ciências sociais, especialmente as pesquisas sobre ambientes. Parecem prevalecer aspectos de quantidade e não de qualidade.

 

A diminuição do número de membros até 2060 é uma reação a escândalos como os abusos ou a Igreja está enfrentando uma sociedade em mudança - assim como os partidos, por exemplo?

 

Claro, os abandonos têm muito a ver com os escândalos. Surpreendentemente, ainda existem muitas pessoas que não têm intenção de sair, simplesmente porque pensam "não é assim que se faz".

 

 

Ao mesmo tempo, especialmente os jovens estão se afastando: eles não estão mais envolvidos, não frequentam os serviços religiosos. Talvez ainda façam batizar seus filhos, mas é só isso. Não há mais linfa vital para a Igreja. A Igreja foi substancialmente cancelada pelas gerações mais jovens, especialmente pelos jovens adultos.

 

Vive-se por ambientes, não por território.

 

O que a Igreja pode aprender com o conhecimento sociológico dos ambientes?

 

Deveria renunciar à sua onipresença em nível territorial. Deveria dizer adeus à ideia de ser quase análoga ao estado e abranger todo o país com as suas paróquias.

 

Hoje em dia, essa é uma abordagem errada. Além disso, a Igreja deveria aumentar a sua atratividade. Deveria oferecer às pessoas de diferentes ambientes "estações de reabastecimento espiritual". Lugares onde podem obter "alimento espiritual", algo para à sua vida. Para visitar esses lugares de vida, as pessoas estão dispostas até mesmo a percorrer longas distâncias.

 

O que mais a Igreja poderia aprender desses ambientes?

 

Deveria focar menos no coletivo e mais no indivíduo com suas relações, preocupações e necessidades. Sabemos que a religião não tem nenhum papel na vida cotidiana de muitas pessoas, que de fato se movem em ambientes sem religião.

 

Mas quando a vida é interrompida, como no caso de uma separação, querem conforto e orientação, precisam de redenção. Nas transições importantes da vida, como os casamentos, querem um símbolo desse evento que é tão importante para eles - por exemplo, um casamento na igreja.

 

 

Nessas situações fora do cotidiano, a Igreja deveria estar muito mais presente. Deveria se parecer com uma espécie de força-tarefa móvel, mais que ser uma igreja estática que espera que as pessoas venham às paróquias.

 

Aliás, ao contrário da crença popular, muitas paróquias não estão disponíveis para todos. Certos ambientes dominam - alguns grupos específicos seguram toda a paróquia em suas mãos. Especialmente os tradicionalistas, a classe média e os conservadores consolidados. Essa apropriação de ambientes ocorre em todo lugar, por exemplo até nos centros juvenis municipais: mesmo que em teoria se destinam a todos os jovens, na realidade são muitas vezes dominados por um ambiente muito específico. Outros jovens nem mesmo chegam perto.

 

O fim (já em curso) das paróquias

 

O que significa tudo isso agora: tábula rasa, fazer desaparecer todas as paróquias e em seu lugar um centro juvenil aqui e um centro familiar ali?

 

Não vamos fingir que isso ainda não aconteceu. Muitas paróquias desapareceram - é o que está acontecendo em muitas dioceses.

 

Na arquidiocese de Friburgo, haverá apenas 36 grandes paróquias no futuro, enquanto hoje existem mais de 1.000. Mas com um conceito inteligente de desenvolvimento da Igreja, sob essas grandes paróquias, que já não serão mais orientadas segundo o princípio territorial, poder-se-iam criar “hotspots de ambiente espiritual”.

 

 

Com toda certeza um hotspot para os tradicionais com veneração de santos, procissões e rosários; mas por favor também um hotspot para os socioecológicos que ainda acreditam numa sociedade melhor do futuro e que, se não forem interceptadas, irão migrar para um novo tipo de “religião da natureza”. Mas também um hotspot para o ambiente jovem de expeditive que estão em busca de significado e tendem a combinar ideias e práticas cristãs e não-cristãs em uma colagem espiritual.

 

Se a Igreja se dirige aos diferentes ambientes de acordo com as suas necessidades, em vez de tentar de alguma forma de comunitarizá-los numa Igreja local sob o domínio dos ambientes aí presentes, então também poderia voltar a crescer.

 

Querer sempre alcançar a todos é um dos princípios orientadores mais letais de nossa Igreja - assim como a palavra "comunidade". Obscurece mais do que esclarece, exclui mais pessoas do que acolhe. É necessária uma proximidade sadia em vez de uma confusão de ambientes.

 

Você tem esperança de que a Igreja efetivamente se reoriente e se concentre mais nos ambientes?

 

Eu sou bastante cético quanto a isso. Seriam necessários bispos corajosos que utilizassem adequadamente processos de desenvolvimento da Igreja - ou poder-se-ia também dizer: processos de reestruturação e desmantelamento.

 

Certamente há oportunidades na atual reestruturação dos sistemas operacionais pastorais. Poderia haver experimentos, ou seja, simplesmente tentar alguns hotspots espirituais de ambiente. A ciência poderia observar e avaliar isso para que as experiências possam ser úteis em outro lugar. Tratar-se-ia de criar bons exemplos através da experiência.

 

Pandemia: uma lição ignorada

 

Como a pandemia afeta os ambientes e quais são as consequências para a Igreja?

 

O Coronavírus foi uma grande provocação para a Igreja - basta pensar na experiência do impedimento da assembleia litúrgica dominical. Mas as celebrações digitais são, pelo menos em parte, bem-sucedidas.

 

O tamanho da comunidade de culto aumentou em alguns lugares, embora nem todos os membros da Igreja estejam conectados à Internet. Eu mesmo participei de tais celebrações, onde as pessoas também puderam acessar os chats e, assim, participar ativamente. Pessoas de regiões muito diferentes se reuniram.

 

 

Uma possibilidade do meio digital é a amplitude - e de se comunicar com pessoas que poderiam não ter se interessado pelas celebrações da Igreja anteriormente. Mas atenção: mesmo aí, muitas vezes ainda domina a ideia de comunidade, em última análise, a Igreja local, em vez de adaptar os formatos de culto digitalizados a ambientes específicos de uma forma que vá além da dimensão local. Mas há outro fato a ser levado em consideração.

 

Qual?

 

Estou surpreso que, depois do Coronavírus, as celebrações presenciais sejam consideradas a panaceia. Como se não houvesse mais nada. Também nesse caso os ambientes não são levados em consideração.

 

Certos ambientes não servem para uma celebração presencial. Não sabem como se comportar ali. Isso também significa que as celebrações presenciais excluem.

 

Portanto, o que poderíamos aprender com o Coronavírus poderia ser multiplicar os formatos de celebração e de culto. Os formatos digitais poderiam ser utilizados para alcançar aqueles ambientes que se definem exclusivamente de maneira digital.

 

E as celebrações religiosas são apenas um exemplo. O decano da cidade de Frankfurt, Johannes zu Eltz, por exemplo, começa o dia com um impulso espiritual online todas as manhãs.

 

Por meio da digitalização e das mídias sociais, existem enormes oportunidades não só de multiplicar quantitativamente a presença comunicativa, mas de oferecê-la especificamente para os ambientes.

 

Há um potencial de crescimento para a Igreja de conectar as pessoas com o evangelho, independentemente do que fizerem com isso. De toda forma, a Igreja não tem mais esse (poder de) controle.

 

Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

 

De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.

 

XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição

 

 

 

 

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