23 Julho 2021
Um teólogo descreveu as alegações que levaram o secretário-geral da Conferência dos bispos dos EUA a renunciar como “insinuação antiética e homofóbica” que inicia uma “longa e feia temporada” para os católicos do país.
A reportagem é de Robert Shine, publicada por New Ways Ministry, 21-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Na terça-feira, foi divulgada a notícia de que monsenhor Jeffrey Burrill renunciou ao cargo de secretário-geral da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB). A renúncia ocorreu depois que um site de direita, The Pillar, alegou ter dados que provavam que o padre usava o aplicativo de paquera gay Grindr e tinha visitado bares gays (o Grindr negou que seria possível usar os dados do aplicativo dessa forma). Para ficar claro desde o início, não há acusações de que Burrill tenha se envolvido em comportamento abusivo contra alguém, nem prova de que ele tenha se envolvido em atividade sexual de qualquer tipo.
Exceto aqueles da extrema-direita, os católicos de todos os espectros ideológicos e teológicos expressaram indignação e alarme sobre a história do The Pillar. Stephen Millies, teólogo, escreveu ao National Catholic Reporter (em artigo publicado em português pelo IHU) para examinar este evento que, em suas palavras, “anuncia uma nova e ainda mais feia era no catolicismo americano”.
Parte da análise de Millies se concentrou na natureza homofóbica do ataque do The Pillar contra Burrill. O teólogo escreve:
“Embora The Pillar reconheça ‘que não há evidências que sugiram que Burrill estava em contato com menores pelo Grindr’, o artigo continua no mesmo parágrafo para dizer que seu uso do aplicativo apresenta um conflito de interesses em sua função de responder a abuso sexual porque tais aplicativos às vezes são usados para solicitar ou traficar menores”.
“Em alguns parágrafos anteriores, o artigo cita outro padre que parece dar um salto semelhante em relação ao comportamento de Burrill: que ‘regularmente e claramente deixar de viver a continência pode se tornar apenas um passo da predação sexual’”.
“Essa equivalência é a parte mais feia – combinando comportamento sexual consensual (se Burrill fazia parte de algum, o que não sabemos) com abusos sexuais. Nisto que a ‘história está sustentada’, uma ligação há muito desacreditada entre abuso sexual e homossexualidade. É difícil chamar isso de algo além de calúnia e pecado contra a comunidade LGBTQIA+”.
“Sem mencionar que as alegações do artigo, se verdadeiras, ‘excluem’ a sexualidade de Burrill sem o seu consentimento – uma prática amplamente condenada”.
Existem outras falhas nos destaques de Millies. Ele cita violações por parte dos editores do The Pillar, tanto figuras de direita quanto anti-gays, de múltiplas fontes de autoridade. Em violação ao Código de Direito Canônico, os editores “prejudicam ilegitimamente a boa reputação” de uma pessoa e violam sua privacidade. Os editores violam o Código de Ética da Sociedade de Jornalistas Profissionais em relação a como as investigações ocorrem, as fontes usadas e os fins alcançados. E, entrando no reino do pecado, talvez, os editores violam a exortação do Catecismo da Igreja Católica para não praticar “difamação e calúnia”.
Millies continua com um aviso sobre a forma como esta história do The Pillar “abriu o caminho ainda mais com esta exposição sem barreiras”. Ele conclui:
“Eu não digo isso à toa... Há séculos sabemos como podem ser os cristãos em seus conflitos com outros cristãos. Temo que estejamos vendo isso de novo. É isso que o cisma traz. É aí que o espírito de divisão conduz”.
“O Papa Francisco não errou ao desmascarar o que já está em andamento [com seu motu proprio Traditionis custodes], mas The Pillar está errado em levar esse espírito de divisão ainda mais longe com o que só posso chamar de o pior tipo de tabloide de fofocas. E temo que ainda não vimos o pior”.
“Uma longa e feia temporada aguarda os católicos estadunidenses. Ninguém está seguro e – ao que parece – tudo é permitido”.
Em declarações à Associated Press, o jesuíta James Martin também alertou contra o que esse incidente poderia se transformar em:
“Os padres devem obviamente manter suas promessas de celibato. Mas os jornalistas católicos não devem usar meios imorais para espionar os padres... O que vem a seguir? Espionando professores de escolas católicas? Espionando paroquianos? E onde isso termina? Temos uma Igreja onde ninguém jamais pecou? A Igreja ficará vazia”.
As implicações deste incidente para o padre Burrill, The Pillar, USCCB e os fiéis dos EUA serão muitos, e a maioria ainda está por vir. Este evento é uma nova fase na polarização eclesial. De fato, pode ser muito feio. Um impacto que já está sendo sentido é o dano que esse comportamento desagradável causa aos padres, irmãos e diáconos gays. Quase todos esses homens, que podem constituir a maioria do clero e religiosos, servem fiel e fervorosamente à igreja todos os dias. Mas, como aconteceu na esteira da crise dos abusos sexuais, eles frequentemente se tornam bodes expiatórios e alvos. Seguindo em frente, os católicos precisam rejeitar firme e publicamente a homofobia que fundamenta esse comportamento e alegações. E especialmente agora, precisamos apoiar os padres e religiosos gays em nossas vidas.
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EUA. Mirar no secretário-geral pelo uso de Grindr é uma “insinuação homofóbica”, diz teólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU