22 Julho 2021
Entrevista com o Secretário do Sínodo: “A sinodalidade é a forma que possibilita a participação de todo o povo de Deus na missão”.
Mesmo durante o período de verão os dicastérios do Vaticano continuam seu serviço. Mas há um grupo de trabalho que está no olho do furacão há semanas. É aquele do Secretariado Geral do Sínodo dos Bispos, chamado a redigir o documento preparatório e a ajudar as Igrejas locais em um novo percurso, que o Papa Francisco quis que tivesse realmente participação de baixo para cima. Conversamos sobre isso com o Cardeal Mario Grech, Secretário do Sínodo.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican News, 21-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, como está o trabalho preparatório?
Para fazer um sínodo, é preciso ser um sínodo! Antes da publicação do documento sobre o processo sinodal, ouvimos os presidentes de todas as assembleias das conferências episcopais continentais juntamente com o presidente da conferência episcopal dos Estados Unidos da América e o presidente da conferência episcopal canadense. Em seguida, imediatamente após a publicação do documento, enviamos um convite aos presidentes de todas as Conferências episcopais, aos seus conselhos permanentes e aos secretários gerais para um diálogo fraterno durante o qual eles tiveram a oportunidade de comentar, fazer sugestões e até mesmo apresentar perguntas.
Ao todo, realizamos oito encontros divididos por idiomas. Dois outros momentos de consulta foram um com os patriarcas do Oriente e outro com os arcebispos Maiores. Além disso, acolhemos o convite das Conferências episcopais do Brasil, de Burundi e das Antilhas, que nos solicitaram um encontro específico com elas”.
Como foram esses primeiros encontros?
Devo dizer que este foi um exercício de colegialidade episcopal muito proveitoso e fecundo. Com essa abordagem queríamos comunicar a mensagem de que o envolvimento sinodal de todos também é importante nesta fase de lançamento do projeto. Também adotamos uma abordagem semelhante com a Cúria, por meio de conversas com vários dicastérios. Criamos quatro comissões de apoio para o trabalho em vista do Sínodo: uma para o estudo teológico, outra para nos ajudar a crescer como Igreja na espiritualidade de comunhão, uma terceira para a metodologia e finalmente uma quarta que se dedicará ao aspecto da comunicação.
O que o senhor pode dizer sobre o estado do trabalho em relação ao tema específico do próximo Sínodo?
Eu conheço o mar e sei que para uma longa viagem de navio é preciso preparar tudo com cuidado. A atenção que estamos colocando na redação do documento preparatório faz parte dessa preparação cuidadosa. Claro, também devemos concordar com o motivo da viagem. O Santo Padre atribuiu o tema da sinodalidade à XVI Assembleia Ordinária. Certamente um tema complexo, porque fala de comunhão, participação e missão: mas estes são aspectos da sinodalidade e de uma “Igreja constitutivamente sinodal”, como afirmou no seu discurso por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo. “Rumo a uma Igreja sinodal”: é para ela que devemos ir, ou melhor, que o Espírito nos pede para ir.
O Papa enfatizou várias vezes a importância da sinodalidade. Por quê?
Eu gostaria de esclarecer um mal-entendido. Muitos pensam que a sinodalidade seja uma "ideia fixa" do Papa, espero que nenhum de nós compartilhe deste pensamento! Nos vários encontros preparatórios, ficou claro que a sinodalidade era a forma e o estilo da Igreja primitiva: o documento preparatório destaca isso claramente; e destaca como o Vaticano II, com o movimento de “retorno às fontes” - o Ressourcement - quis resgatar aquele modelo de Igreja, sem renunciar a nenhuma das grandes aquisições da Igreja no segundo milênio.
Se quisermos ser fiéis à Tradição - e o Concílio deve ser considerado como a etapa mais recente da Tradição - devemos trilhar com coragem este caminho da Igreja sinodal. A sinodalidade é a categoria que melhor compõe todos os temas conciliares que no período pós-conciliar muitas vezes foram contrapostos entre si. Refiro-me sobretudo à categoria eclesiológica do povo de Deus, que infelizmente foi contraposta àquela de hierarquia, insistindo numa Igreja "de baixo para cima", democrática, e instrumentalizando a participação como reivindicação, não muito longe daquela sindical.
Em sua opinião, quais são os riscos dessa interpretação?
Esta interpretação assusta muitos. Mas não devemos olhar para as interpretações, especialmente se querem dividir: devemos olhar para o Concílio e para os ganhos que trouxe, recompondo o aspecto jurídico, hierárquico, institucional da eclesiologia com aquele mais espiritual, teológico, histórico-salvífico. O povo de Deus do Vaticano II é o povo peregrino do Reino. Essa categoria permitiu recuperar todos os batizados como sujeitos ativos na vida da Igreja! E não o fez negando a função dos pastores, ou do Papa, mas colocando estes como princípio da unidade dos batizados: o bispo na sua Igreja, o Papa na Igreja universal.
A Igreja é comunhão, reafirmou o Sínodo de 1985, lançando a conhecida eclesiologia da comunhão. A Igreja é constitutivamente sinodal, somos chamados a dizer "nós". As duas afirmações não são contraditórias, mas uma completa a outra: a Igreja-comunhão, se tem por sujeito - e não pode ter outro! - o povo de Deus, é uma Igreja sinodal. Porque a sinodalidade é a forma que realiza a participação de todo o povo de Deus e de todos no povo de Deus, cada um segundo o seu estado e a sua função, na vida e na missão da Igreja. E realiza isso através da relação entre o sensus fidei do povo de Deus - como forma de participação na função profética de Cristo assim como indicado na Lumen gentium 12 - e a função de discernimento dos pastores.
A centralidade do Povo de Deus parece às vezes ter dificuldade para ser compreendida e compartilhada na experiência concreta. Por quê?
Talvez devamos confessar que temos clara - e talvez até cara, no sentido de que a afirmamos e defendemos com disposição - a função hierárquica e magisterial. Não da mesma forma aquela do sensus fidei. Mas, para compreender a sua importância, basta sublinhar o tema do batismo e como o sacramento do renascimento não só nos habilita a viver em Cristo, mas imediatamente nos insere na Igreja, como membros do corpo. O documento preparatório ressalta bem tudo isso. Se formos capazes de reconhecer o valor do sensus fidei e formos capazes de mover o povo de Deus a tomar consciência dessa capacidade conferida no batismo, teremos iniciado o verdadeiro caminho da sinodalidade.
Porque teremos colocado, além da semente da comunhão, também a da participação. Para o batismo, todos os batizados participam da função profética, sacerdotal e régia de Cristo. Por isso, ouvindo o povo de Deus - para isso serve a consulta nas Igrejas particulares - sabemos que podemos ouvir o que o Espírito diz à Igreja. Isso não significa que seja o povo de Deus quem determina o caminho da Igreja. À função profética de todo o povo de Deus (incluindo os pastores) corresponde a tarefa do discernimento dos pastores: do que fala o povo de Deus, os pastores devem captar o que o Espírito quer dizer à Igreja. Mas é da escuta do povo de Deus que o discernimento deve começar.
Há quem se diga assustado com a dimensão do empenho que o caminho sinodal comportará para as Igrejas locais. O senhor não teme complicar a vida ordinária da Igreja?
Na verdade, tudo isso não é um processo que complica a vida da Igreja. Porque sem saber o que o Espírito diz à Igreja, poderíamos agir em vão e até, sem saber, contra o Espírito. Uma vez redescoberta a dimensão “pneumatológica” da Igreja, só podemos adotar o dinamismo da profecia-discernimento, que está na base do processo sinodal. Isso vale especialmente quando se considera o terceiro dos termos em jogo: a missão.
O Sínodo dos Jovens falou da sinodalidade missionária. A sinodalidade é para a missão, é a escuta de como a Igreja se torna ela mesma vivendo, testemunhando e levando o Evangelho. Todos os termos propostos pelo título estão vinculados: eles ficam ou caem juntos! Também nós pedimos para sermos convertidos profundamente à sinodalidade: significa converter-nos a Cristo e ao seu Espírito, deixando o primado para Deus.
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A Igreja é sinodal porque é uma comunhão. Entrevista com Mario Grech, cardeal, secretário do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU